As 3 leis do patriarcado para as meninas
Há 3 leis do patriarcado para as meninas que elas devem aprender. Toda sua socialização será conduzida em torno dessas máximas implacáveis que conduzirão toda sua experiência de ser mulher. Vejamos então:
- homens têm a supremacia e definem quem as mulheres serão
Primeiro meninas entendem que homens são pessoas e aprendem a perceber-se a partir de tudo aquilo que um homem não é. Então, por exemplo, se o homem é ser o forte, dominante, potente, etc; para mulheres só resta ser o fraco, o dominado, o impotente. Se o masculino é a “luz”, o “dia”, o feminino é a “sombra”, a “noite”. E daí em diante. Não há espaço na sociedade para que mulheres sejam outra coisa que não o oposto complementar dos homens. Há todo um princípio essencializante que opõe homens e mulheres como se suas psiques fossem distintas por natureza, quando na verdade é a socialização que vai moldando a menina na ausência, no silêncio, no não-ser, na domesticação dos seus talentos e capacidades para cultivar apenas os atributos que interessam para construção desse estado de subserviência a que chamamos de feminilidade. Toda menina passa por um completo esmagamento da sua estima e noção de valor pessoal fazendo com que tenha uma total perda de referencial sobre o que ela pode tornar-se, ficando completamente refém de parâmetros completamente definidos por homens. Tudo que é produzido sobre nós, como somos descritas nos livros, retratadas nas produções audiovisuais, pinturas, fotografias, a moda que vestimos, toda nossa autoimagem, nossa função social e nossas possibilidades de estar no mundo são produzidas por homens, por sua interpretação sobre nós e com objetivo de mantê-los dominantes. E por isso mulheres são profundamente dependentes da aprovação masculina sobre si, porque internalizam todo o ódio que a sociedade demonstra para com elas e precisam sempre de um homem, o olhar do “criador”, avaliando, aceitando, e validando sua existência enquanto fêmea. Mulheres sob o patriarcado não tem a oportunidade, enquanto classe, de pensarem-se para fora do binômio que são obrigadas a realizar com homens, pensarem-se fora do olhar, do julgamento e da opressão masculina. Uma mulher que foge dos estereótipos de feminilidade que são impostos é chamada de “homem”, porque eles são o padrão. E mulheres só podem existir de acordo com as regras masculinas e a serviço dos homens. E para sedimentar isso que a toda menina conhece desde sempre a segunda lei do patriarcado. - mulheres são inferiores e existem para servir aos homens
Na sociedade patriarcal mulheres existem com um único propósito: cuidar e servir aos homens. E esse estado mental de subalternidade é preparado com muito esmero pela socialização feminina. Em primeiro lugar meninas são bombardeadas com a mensagem de que seu principal talento é a capacidade de cuidar. Escutam que são mais cuidadosas, mais atenciosas, mais delicadas. Escutam que tem o “dom” da limpeza e da organização, que são mais asseadas. Que tem o “dom” da maternidade, um “relógio biológico”, uma “missão”. Ela será chamada de “rainha” do lar e acreditará realmente que possui algum dom especial para o cuidado sem se dar conta que isso só é verdade porque ela foi treinada nessas tarefas desde antes que pudesse sentar sem ajuda, já com uma boneca de brinquedo no colo e um conjunto de panelinhas. E ela vai sentir-se culpada se não ocupar esse lugar de responsabilizar-se por tudo e por todos. E será esmagada pela ideia incessante de que a melhor coisa que pode acontecer com ela é ter um marido e ouvirá com muita naturalidade que deverá “cuidar” dele, a ponto de mal se questionar do porquê esse homem não poderá cuidar-se sozinho, já que é adulto. Muito facilmente essa menina entenderá que o lugar dela no mundo é “cuidando” de tudo e de todos, porque ela tem “instinto maternal”, “instinto feminino”, porque é “coisa de mulher”. Que uma mulher só é completa se estiver casada com um homem, cuidado dele, da casa, dos filhos. Essa é a mensagem que ela escuta. Esse é o final de todos os livros, todos os filmes, todas as histórias que ela lerá, e isso será chamado de “final feliz”. E ela será inundada por promessas de que é o amor de um homem que vai finalmente tampar essa enorme carência que a socialização cria nas mulheres e também muito precocemente será instruída sobre como sexualizar-se para atrair a atenção masculina e será levada a acreditar que ser desejada sexualmente é “como homens amam mulheres”. E vai aprender qual é o padrão de beleza definido pelos homens para ela e fará qualquer coisa para atingi-lo. E jovem demais começará a ser assediada (e isso será considerado bom, afinal significa que ela está “tornando-se mulher”) e talvez seja engravidada antes que se dê conta, e mal terá a chance de pensar em qualquer outro destino para si que não esteja a serviço do cuidado não-remunerado da vida de algum homem. E ela não verá nada de errado nisso afinal aprendeu muito bem o que é ser mulher e para que elas servem. E ela verá o que acontece com todas as mulheres que fogem desse destino inexorável, que recusam-se a amar homens, desposá-los, ter filhos, ou que recusam-se a dedicar-se a tarefas domésticas. A terceira lei do patriarcado se encarrega bem desse ensinamento. - se você não seguir as leis patriarcais será punida violentamente
O primeiro sentimento que meninas aprendem a cultivar e que carregam consigo por toda vida é o medo. Por toda parte, muitas antes que possam realmente lembrar-se, elas tomam contato direta ou indiretamente com a violência masculina. Toda mulher tem uma história de horror pra contar, e essa história invariavelmente vai envolver um homem. A agressividade masculina é naturalizada e celebrada como sinal de virilidade, a ponto de mulheres aceitarem pequenos e grandes abusos como fazendo parte da “natureza” do homem. A violência sexual sempre foi tradicionalmente uma arma de guerra, e é um recado silencioso que homens enviam para mulheres, o tempo inteiro. Vivemos aterrorizadas, inseguras, e aprendemos erroneamente que o perigoso é o que está lá fora, o estranho, e que precisamos de estar sob a tutela de um homem para nos proteger, enquanto a realidade é que os índices de relacionamentos abusivos, violência doméstica, abuso sexual intrafamiliar explodem. Embora nenhuma mulher esteja livre de violência, um recado claro é enviado: a que é atingida é a “desviante”, aquela que estava “procurando”, e por “procurando” é inserido todo e qualquer comportamento que fuja da agenda patriarcal da mulher servil e obediente. E isso é tão cruelmente entranhado na nossa socialização que muitas mulheres vítimas de violência realmente acham que “mereceram”, que “provocaram”, que “fizeram alguma coisa”. Sentem culpa pela violência que sofreram e não só muitas vezes justificam como protegem seus abusadores. Porque o estado mental da mulher sob o patriarcado é o da Síndrome de Estocolmo. A justiça é um sistema criado por homens para servir aos seus interesses e não proteger mulheres e crianças da violência masculina, e nem teria como, porque esta violência endêmica é a estratégica para manter mulheres caladas, amedrontadas, dentro de suas casas recolhidas, temendo rebelar-se, temendo ser mortas, violentadas, perder seus filhos. O medo é a estratégia final pela qual homens controlam mulheres e para isso meninas são aterrorizadas e fragilizadas desde cedo.
Essas três regras, em conjunto, organizam o comportamento das mulheres no mundo. Meninas crescem realizando a soma desse bombardeio incessante de mensagens que foram todas organizadas e mantidas por um sistema controlado por homens. E cujo resultado passa uma mensagem muito clara: “ser mulher é ser a sobra, o resto, tudo aquilo homens não querem ser por ser o “negativo”, por não ser conveniente aos seus interesses de dominação. Homens são pessoas e mulheres são um objeto que dão forma. Você deve existir para servi-los, em qualquer esfera, e principalmente sexualmente. Você deve existir para cuidar da reprodução da vida enquanto eles conquistam o mundo. E se você recusar-se a obedecer, se você recusar-se a seguir as leis patriarcais, você irá pagar muito caro. Talvez com sua própria vida.”
E portanto, se há um caminho possível na educação de meninas para um mundo menos sexista ela está em criar medidas eficientes para proteger meninas e mulheres da violência masculina, porque apenas sem tanto medo é possível começar a rebelar-se de fato. Precisamos desde já a ensinar meninas e mulheres a defender-se com eficiência, com técnicas de autodefesa corporal e o que mais for necessário.
Precisamos nos manter atentas para cotidianamente fazer a crítica, junto as nossas meninas, de tantas mensagens de heterossexualidade compulsória, maternidade compulsória, socialização para o cuidado, romantização dos relacionamentos, que empurram mulheres muito precocemente para esse lugar de servidão aos propósitos masculinos.
Precisamos proteger a estima das nossas meninas, tirar a centralidade da sua importância do corpo, da aparência física. Vamos abandonar esse discurso de beleza, que é preciso ser bela, que é preciso “se aceitar” (que nada mais é que uma variação do discurso de que só a beleza importa”. Meninas precisam-se entender-se como seres completos. Como pessoas. Como indivíduos com permissão a parecer-se como quiser, vestir-se como quiser, sem precisar da validação de ninguém sobre sua aparência — como homens fazem.
Precisamos dar as meninas a chance de descobrirem por sim mesmas afinal o que é ser mulher, que não passa por ser bela, usar batom, saia, cabelos dessa ou daquela maneira. Que não passa por ser “feminina”, “doce”, “frágil”, e toda a gama de estereótipos que existem apenas para reforçar esse lugar de subalternidade aos homens.
Meninas precisam da oportunidade de serem pessoas. De serem como quiser e continuarem sendo meninas, mulheres. Livres. Finalmente livres.