Na amamentação o seio tem função nutricional, ele é uma fábrica de leite que serve para alimentar um bebê, e, no patriarcado, este talvez seja um dos poucos momentos (senão o único) em que uma mulher consegue dar uma função que não seja sexual a esta parte do seu corpo que é extremamente erotizada. Na relação mãe-bebê que envolve a amamentação nenhum homem está sendo sexualmente beneficiado e portanto, amamentar, no patriarcado, é um ato subversivo
E por isso, o ato de amamentar nunca é visto como algo que é: o ato, bastante altruísta, de oferecer a si para alimentar um bebê. Um seio aleatório, desnudo ou insinuado num decote é belo e desejável mas o mesmo seio alimentando uma criança é reprovável, tomado por indecente ou repugnante. Mulheres são rechaçadas, tolhidas, insultadas, coagidas a se esconder enquanto amamentam, são expulsas dos lugares públicos, incitadas a se cobrir como se tivessem realizando algum ato obsceno.
“Amamentando? Isso aqui é um SHOPPING! Nós não podemos permitir mulheres mostrando os peitos descaradamente!!”
A amamentação, no quanto, quando e como mulheres podem aleitar seus filhos, quase sempre foi um tema decidido por homens, que controlam e tutelam o corpo da mulher desde os primórdios da humanidade, levando em conta seus interesses econômicos e sexuais. Hoje temos índices bem insuficientes de aleitamento porque a ordem do dia é o enriquecimento da indústria alimentícia que produz leite artificial e mulheres precisam brigar pelo direito de aleitar.
Homens, em geral, não apoiam suas companheiras na longa e dura jornada que é a amamentação: as deixam abandonadas na tarefa ou pressionam pelo encerramento precoce para ter de volta o objeto do seu prazer. Outros ainda transformam a amamentação da mulher num fetiche.
A amamentação de mulheres tampouco é apoiada pelo Estado, não há informação em quantidade e qualidade suficiente para as mulheres sobre amamentação. Mitos proliferam minando a confiança da mulher na sua capacidade de amamentar. Na maternidade, bebês são afastados da mãe assim que nascem contrariando a orientação de mamar na primeira hora de vida e recebem leite artificial. Os profissionais estão mal preparados e não conseguem orientar adequadamente as puérperas sobre como amamentar. A indústria alimentícia financia um poderoso lobby junto aos profissionais de pediatria para que estes sejam seus porta-vozes e engrossem o discurso do desmame substituindo ou complementando leite materno por leite artificial, ou iniciando uma introdução alimentar precoce.
A licença-maternidade oferecida pelo Estado, de apenas 120 dias, não cobre satisfatoriamente o período de amamentação exclusiva de 180 dias indicado pela OMS. Muitas creches se recusam ou não estão preparadas para manipular o leite materno enviado pela mãe para alimentar seu bebê quando esta retorna ao trabalho. São necessárias campanhas públicas para incentivar e garantir o direito ao aleitamento materno.
Nós sabemos o que é necessário para estabelecer uma amamentação bem-sucedida: tempo, espaço, recursos materiais, informação. O que não entendemos é que nada disso acontece porque não é do interesse de uma sociedade patriarcal que mulheres tenham autonomia sobre seu corpo, que dediquem-se na medida que julgam adequado aos seus filhos. Mulheres são reféns das decisões dos homens sobre seus corpos, e qualquer reivindicação que exija maior autonomia não pode ignorar o fator “patriarcado” da equação”
Toda mulher é socializada para ser capataz do patriarcado. E eu penso nessas mulheres, que nos criaram, nossas mães. Sua mãe. Minha mãe. Elas nos contaram sobre suas dores? O que há por trás de uma criação muitas vezes frustrante para nós, filhas, e agora também mães, que vamos aos trancos tentando superar?
Sobre a mãe que tivemos para a mãe que nos tornamos. Sobre ser filha no meio disso tudo. Dessa relação tão difícil e delicada. Mãe, filha. Duas mulheres. Criadas para servir num mundo dominado por homens. Ensinadas a competir, mesmo entre si. Mulheres a quem é dado o chicote da criação dos filhos e a missão de perpetuar a socialização masculina para dominação e a socialização feminina para submissão.
Toda mulher é educada para ser o capataz do patriarcado. Para reproduzir a educação machista que lhe foi ensinada. Infligir as mesmas privações e sofrimentos que recebeu sem a menor consciência do que sofreu e do que está fazendo sofrer. Para naturalizar a própria dominação, sendo esvaziada de si.
Mãe. Filha.
Duas cegas tateando num mundo de violência, que subjuga, subestima, humilha, persegue, abusa, sequestra, estupra, mutila, espanca, extermina mulheres. O tempo todo.
Será que somos capazes mesmo de entender o caminho que nossa mãe percorreu até nós? Será que ela foi assediada? Humilhada? Viveu relacionamentos abusivos? Será que ela desejou nos ter? Teve ajuda para nos criar? O que ela teve que suportar para ir em frente?
Será que nossa mãe se sentiu desesperada ao nos ter colo, sem saber o que fazer? Será que teve a quem recorrer? Será que notou o quão grande é o peso da maternidade nas costas? Quanto medo ela sentiu ao ver que éramos meninas? Meninas que poderíamos sofrer coisas que talvez ela tenha sofrido. Por ser mulher.
Será que ela descontou na nossa relação de mãe-filha todas as dores que também sofreu? Será que conseguiram nos amar incondicionalmente? Como? Se ninguém nos ensinou como se ama uma mulher?
O quanto nossas mães nos feriram tentando nos proteger? Das dores do mundo. Das próprias dores.
Será que se arrependem? Lamentam a vida que poderiam ter tido, sem nunca ser capaz de confessar, e se consomem de culpa? Culpa sempre. A culpa que castiga a todas nós, desde o mito do pecado original. Eternas Evas condenadas a sentir todas as dores do parto, expulsas do paraíso.
Em que uma vida de machismo, sofrimento, abandono, abusividade e solidão pode transformar cada mulher? Em que está nos transformando? O que fez com nossas mães? Quanta dor?
A dor de ser mulher em um mundo que odeia mulheres.
A dor de ser mãe em um mundo que desampara mães.
O quanto dói a solidão no coração de cada mulher e hoje nossas mães nos olham nos olhos, de mulher para mulher, e ainda vêem a mesma criança que fomos, e sentem a falta daquela menina que não está mais lá. Fazendo companhia. Lado a lado. Em disputa. Lambendo cicatrizes.
Como proceder essa reparação, se nós mesmas, filhas, agora mães, mulheres, acumulamos nossas próprias feridas de guerra? É tanto peso, acumulado de geração, para geração, para geração.
Toda mulher é socializada para ser capataz do patriarcado. E a mãe é a figura primeira que vai iniciar o nosso treinamento social para a subalternidade ou dominância. Porque ela também foi treinada. Ela também aprendeu a servir o patriarca e ela também aprendeu que seu valor enquanto mulher só é dado se ela cumprir bem seu papel de esposa e mãe. E como mãe ela é o todo o tempo vigiada e instruída a doutrinar seus filhos para cumprirem a risca os papeis na hierarquia social que são destinados de acordo com o sexo que nascerem.
São as mães que tem a missão de preparar mulheres para serem mães e esposas. Que vão fiscalizar se você está se tornando “direita”, que vão reprimir qualquer coisa que esteja fora do que manda o manual patriarcal de comportamento feminino. Que vai repudiar qualquer coisa que não seja belo, recatado e do lar. Não há conciliação possível.
A mãe sabe que será punida se permitir que seus filhos repudiem o protocolo. A mãe sabe que será julgada e que a culpa será dela. Essa mulher aprendeu isso e ensinará isso. A misoginia que ela internaliza nos seus é a mesma que aprendeu das suas ancestrais. E romper com essa logica passa pelo entendimento do terrível lugar que a maternidade reserva para toda mulher. E com o rompimento com essa lógica nefasta.
Não existe possibilidade de uma relação de afetividade saudável entre mães e filhos, e principalmente entre mães e filhas, sob um regime de maternidade compulsória.
“Fecha estas pernas, menina”. Nossas mães disseram. Porque o mundo devora mulheres. Porque elas não puderam nos proteger. Não puderam proteger a si mesmas. E seguimos tentando perdoá-las, nos perdoar, nos amar e vencer esse desamparo. Permanecer vivas no meio desse massacre.
“Fecha estas pernas, menina”. Ainda é o que teremos que dizer para nossas filhas.
Será que hoje, nós, mulheres adultas, também mães, feministas, conseguimos separar nossas dores de filhas marcadas por uma criação machista e castradora da nossa solidariedade com a mulher que a vida fez nossas mães tornarem-se?
E nossas filhas? Será que um dia nos perdoarão?
Que mulheres possam quebrar essa roda. Que tenham força, apoio e incentivo de outras mulheres, porque não é fácil. A mãe é vigiada. A mãe é punida. A mãe existe da maneira que é dado na nossa sociedade para cumprir esse papel. A mãe também foi filha. A mãe é uma mulher marcada pela misoginia. A mãe marca.
Nós. Mães. Filhas. Mulheres. . A mãe transgressora é revolucionária.
Está aquecido o debate sobre maternidade enquanto um trabalho não remunerado. Há muito feministas denunciam sobre a exploração da mão-de-obra das mulheres para o trabalho reprodutivo e para o trabalho doméstico. Inúmeras pesquisas já demonstram o quanto vale o trabalho invisível que mulheres exercem para a economia global (trilhões), tanto na administração dos seus lares quanto na criação das crianças (incluindo aí o aleitamento). Chegamos finalmente a um momento que esse problema, a exploração de mulheres para manutenção do privilégio masculino, começa a vir a tona de maneira consistente, perceptível, a ponto de movimentar discussões, teses e legislações a respeito.
No entanto, ao finalmente percebermos o problema, me parece que estamos indo num caminho bastante equivocado em relação a uma possível solução.
Quando analisamos a história compreendemos que homens entenderam o quão estratégicas são as mulheres para o funcionamento da vida e rapidamente apressaram-se em dominá-las, explorando sua força reprodutiva. Compreendemos que existe um sistema político extremamente complexo que é estruturado para garantir a perpetuação dos privilégios masculinos. Que papeis sociais são desenhados para serem desempenhados por homens e por mulheres, que são aprendidos durante nossa socialização e constantemente reforçados socialmente. Que esses papéis sociais de sexo reforçam essa estrutura hierárquica, criando meninos para se tornarem homens dominantes e meninas para ocuparem o papel de mães e esposas, subalternizadas. Percebemos que existem inúmeros mecanismos sociais, culturais e institucionais que existem somente para garantir que esta hierarquia seja mantida, e com ela os privilégios masculinos. Que em uma sociedade patriarcal mulheres estão na posição de servas domésticas e sexuais dos homens.
Quando dizemos que mulheres são exploradas, que a atividade doméstica não remunerada é um trabalho, que cuidar de crianças é um trabalho, que a maternidade é um trabalho, estamos fazendo a denúncia do papel que é delegado às mulheres dentro do sistema capitalista-patriarcal. Estamos dizendo: às mulheres é destinado o papel de executar sozinhas essas tarefas, que resultam em produção de riqueza para homens usufruírem. E com esta denúncia queremos também reivindicar: esse papel social precisa ser extinto.
Portanto, a solução para a exploração das mulheres dentro do sistema patriarcal, não é remunerar mulheres. Não é reivindicar salários. Essa provocação é justa no sentido de denunciar o papel que mulheres ocupam mas não tem validade enquanto possibilidade de reestruturação social. Até porque inserir uma lógica de remuneração não extingue a exploração de ninguém, temos aí um sistema chamado capitalismo nos mostrando isso todos os dias.
Quando de fato vamos pelo caminho de exigir “salários” para o trabalho reprodutivo e doméstico nós estamos reforçando esse papel social que é destinado às mulheres dentro do patriarcado. Mulheres são socializadas para realizar essas tarefas gratuitamente como ato de “amor” e muito pouco muda ao trocarmos isso por “dinheiro”. Ainda serão as mulheres realizando esse trabalho. A divisão sexual do trabalho permanece completamente inalterada.
Remunerar mulheres pelo trabalho reprodutivo não discute a lógica da distribuição das tarefas de cuidado. Não tira o peso de serem as mulheres as responsáveis pela execução desses trabalhos e tampouco insere homens para realizarem essas tarefas. Ao contrário é uma solução que beneficia muito mais aos homens porque é a resposta que eles precisam para a reivindicação por divisão igualitária dos trabalhos domésticos.
Ao exigir “salários para o trabalho doméstico”, como uma proposta mais que meramente retórica estamos propondo mercantilizar e precificar o papel social destinado às mulheres, inserido-as numa lógica capitalista neoliberal de mercado. E isso não só não rompe com a lógica de subordinação baseada no sexo, como ainda piora tudo transformando-se também em um problema de luta de classes.
Afinal, para existir um trabalhador remunerado é preciso existir um patrão, não? E para quem mães estarão trabalhando? Para o pai da criança? Para o Estado? E se maternidade é um “trabalho” de fato, os filhos são então um “produto”? E o corpo da mulher? Poderá ser tratada como uma “fábrica”? E os pais? Como entram nessa equação? Se cumprirem sua função na parte de cuidado dos filhos devem também ter um salário? E como fica a relação com o filho? Como fica a relação intrafamiliar sendo operada por uma lógica mercantilista? E como fica a relação entre homens e mulheres quando pedimos medidas que ratificam nosso lugar de eterna cuidadora? Como isso opera para romper a hierarquia estabelecida?
Quando dizemos: “a maternidade é um trabalho, portanto me pague”, estamos concordando e assumindo para nós em definitivo essa função que o patriarcado há tantos milênios se organiza para nos dedicar. Estamos dizendo também que é função das mães assumirem o cuidado integral dos filhos, que é função das mulheres serem mães, estaremos consolidando em definitivo nossa posição subalterna de reprodutoras de pessoas a serviço de um Estado patriarcal e elevando essa relação a outro patamar.
Neste panorama dado de exploração das mulheres o que podemos e devemos fazer é rejeitar e rediscutir para já os papeis sociais baseados em sexo. Devemos rejeitar a ideia de que somos inerentemente cuidadoras. Que nascemos com esse “instinto”, com esse “dom” e discutir nosso papel na reprodução e cuidado de crianças. Excetuando gestar e parir não há nenhuma tarefa que exija ser realizada exclusivamente por uma mulher. Portanto precisamos decidir, enquanto classe: que papel mulheres e homens devem ter na criação de crianças? E qual o papel que Estado deve ter no suporte para a criação de crianças?
Mulheres precisam exigir que homens assumam sua parte nas tarefas de cuidado reprodutivo e doméstico. Devem recusar o papel de cuidadoras exclusivas, de rainhas do lar. Precisamos recuperar nossa autonomia reprodutiva junto ao Estado para que possamos realmente decidir quando, como e de que maneira desejamos ter filhos. Para que a maternidade não seja uma coisa compulsória. Que não sejamos jogadas nesse lugar sem escapatória, mas agora com um salário para calarmos a boca.
Ser mãe dá trabalho, mas maternidade não é um emprego. Precisamos redefinir as tarefas impostas pelo patriarcado para nós mulheres, na nossa maternidade. Que mãe seja apenas o nome dado para a fêmea humana adulta que gesta. E que ser mãe não signifique mais nada além disso. Nada. Que não venha com nenhuma atribuição embutida que não seja previamente entendida, combinada e aceita por aquela mulher, com seus pares, na criação e cuidado daquela criança. E que crianças deixem de ser posse do seu núcleo familiar para serem vistos como seres íntegros, de direitos, amparados por uma politica de Estado voltada para o suporte ao crescimento digno dos seus cidadãos. A maternidade no patriarcado é um trabalho do qual precisamos pedir demissão e não remuneração.
Nenhuma cesárea é uma escolha. Mesmo a eletiva. Essa cirurgia que se tornou o padrão de via de nascimento em boa parte do mundo é tradicionalmente empurrada como uma “opção segura”, uma “decisão” entre médico e paciente para o melhor bem estar da mãe e do bebê. E sabemos que não é verdade. Mulheres são sistematicamente desmobilizadas e descoladas do ato de parir, como processo cultural mesmo. Sim, bebês sabem nascer e mulheres sabem parir, mas a verdade é que hoje, mulheres perderam completamente a autonomia sobre o processo de culminância das suas gravidezes e são encurraladas num lugar muito cruel onde são levadas a acreditar que estão realmente no controle. Não estão. Nunca estivemos.
o Brasil tem índices epidêmicos de realização de cesárea (No Brasil, este número chega a aproximadamente 56% em sua totalidade, onde a recomendação dá OMS é 15%. Considerando apenas as redes privadas, as cesáreas ultrapassam os 88%). Estes números estão absolutamente correlacionados com a forma como o sistema obstétrico brasileiro funciona. Não é a mulher que exatamente “escolhe” a via de parto que vai ter, sendo antes seduzida, convencida,induzida, coagida ou simplesmente forçada mesmo a este tipo de situação na esperança de garantir um mínimo de segurança física e emocional para si.
o Brasil tem índices alarmantes de violência obstétrica, uma em cada quatro mulheres no Brasil sofre violência durante a gestação ou parto, seja física, com a realização desnecessária de procedimentos (como toque doloroso ou episiotomia); seja psicológica (com restrição de movimentos, alimentação, negação do direito ao acompanhante); seja moral, com abuso verbal (“na hora de fazer, não doeu) e humilhações diversas (como sua exposição sem consentimento para um sem-números de residentes médicos, enema, tricotomia).
Os hospitais da rede pública que atendem a protocolos de atendimento obstétrico atualizados são raríssimos. Na rede particular, são inexistentes mesmo, visto que a regra, por questões puramente econômicas, é forçar um encaminhamento para a cesárea. Exceto que se pague uma equipe de profissionais humanizados.
Uma equipe de parto humanizado hospitalar custa aproximadamente R$ 10.000,00. Um pouco menos ou muitíssimo mais. Depende do número de estrelas dos profissionais.
A informação que mulheres recebem sobre parto, fisiologia dos seus corpos, protocolos recomendados, realidade da questão obstétrica é quase nenhuma, equivocada, ou desatualizada. Elas são inundadas, durante a gravidez de desinformação, mitos (dor insuportável, vagina larga, etc) e as terríveis histórias de violência obstétrica que escuta de outras mulheres que a enchem de completo PAVOR da experiência de parto normal pelo SUS. E os médicos que existem na rede privada raramente realizam partos normais e ainda enganam suas pacientes com falsas indicações que fazem a mulher temer pela segurança do bebê.
Vivemos em uma cultura cesarista, onde o parto normal é visto como uma coisa selvagem e perigosa. A retratação do parto pela mídia quase sempre é mal acabada. Os partos cesáreos hoje estão sendo capitalizados para a além da questão do nascimento e sendo transformados em lucrativos negócios e para normatizar isso há todo um aparato cultural e midiático que glamouriza a cirurgia.
Portanto, é perfeitamente aceitável dizer que 99,9% das mulheres que fizeram cesárea eletiva, mesmo aquelas que conscientemente optaram por isso, não exatamente “escolheram” passar por essa cirurgia posto que muito certamente estavam em situação de amedrontamento, desinformação, completa falta de acesso a um parto vaginal seguro e sem violência, entre outras situações que configuram coação a optar por uma determinada coisa em detrimento de outra. Não podemos chamar isso de “escolha”, exatamente.
Não existe “empoderamento” individual. Empoderamento significa “dar poder a”. E mulheres não tem poder pra nada. Muito menos quando se tornam mães. Se uma mulher conseguiu ter o “parto dos sonhos”, ela não teve “empoderamento,” teve sorte ou dinheiro ou os dois. Um conjunto de fatores programados ou aleatórios que oportunizou conseguir acesso a boa informação, de ter rede de apoio, de ter acesso a um hospital público humanizado com vagas, ou capacidade para pagar uma equipe seja lá com que recursos, seja crédito para conseguir um empréstimo, amigos e parentes que ajudaram, patrimônio para vender. Não importa.
E alguém esteve lá, junto, segurando as pontas para que ela parisse sossegada e feliz. Uma doula. Um acompanhante que pode ter brigado com meia dúzia para prevenir abusos. Porque quando o trabalho de parto chega… não há mais nada que uma mulher possa fazer exceto torcer para tudo dar certo… e parir. Ela não precisa de “empoderamento” nenhum. Precisa de condições ambientais que a favoreçam. Parir via vaginal é um processo fisiológico básico de fêmeas.
A falácia do empoderamento
É até injusto jogar a falácia do “empoderamento” para cima de mulheres gestantes. Pedir que estas mulheres, neste momento tão fragilizante de suas vidas saiam enfrentando sozinhas médicos, companheiro, família, sistema obstétrico. Que façam dívidas e empenhem dinheiro que não possuem em nome de um parto vaginal decente que deveria ser protocolo padrão do sistema de saúde para o qual pagam onerosos impostos.
E não é minha intenção aqui, por outro lado, minimizar os esforços de desconstrução interna e as lutas que certamente todas essas mulheres travaram para conseguirem ter os seus partos humanizados. Não estou dizendo que não é muito difícil, que não é necessária muita fibra e coragem e enfrentamentos, e talvez seja este mesmo o ponto.
É preciso reconhecer que ter um parto vaginal respeitoso no Brasil, não se trata de apenas de “querer, lutar e conseguir”. Que não é porque algumas mulheres conseguiram que isso é realmente acessível para a maioria das mulheres. Olhemos os números, as estatísticas. O “parto dos sonhos” quase sempre se deve a uma conjuntura de fatores, alguns deles muito privilegiados, que não estão disponíveis para a avassaladora maioria das mulheres brasileiras. Não estão. É uma possibilidade que milhares de mulheres não tiveram, não têm e não terão, por mais que queiram. É preciso reconhecer isso.
E nesse contexto, é preciso respeitar a vivência das mulheres que fizeram cesárea eletiva porque em última instância, dado a realidade obstétrica brasileira, a chance dessa mulher ter passado por alguma violência nesse processo de “escolha” é altíssima. É quase absoluta. Mesmo que ela não saiba disso, ou pior ainda se ela souber disso. Inúmeros estudos demonstram que mulheres iniciam suas gestações desejando uma via de parto vaginal e que simplesmente vão “mudando de ideia”, durante o processo. O que acontece? É realmente vontade de fazer uma “cirurgia”? Ou é medo, desinformação, ou impossibilidade?Essas mulheres tiveram que escolher entre uma “cirurgia” e violência obstétrica. Dizer que elas não se “empoderaram” o bastante é uma piada cruel.
Mulheres que fazem cesárea eletiva são vítimas de um sistema que não conseguiram vencer. Que nem entenderam direito que tinham que lutar, na verdade. Quase toda mulher desconhece os desafios que tem pela frente para ter um parto respeitoso, até engravidar pela primeira vez. E diversas dessas mulheres se frustram e se culpam quando entendem que não vivenciaram a experiência mais adequada para o nascimento de seu filho. São mulheres que não possuíram apoio, não possuíram informação, não possuíram dinheiro, não possuíram amparo médico, não possuíram forças para comprar essa briga sozinhas. São mulheres que preferiram acreditar que estavam escolhendo. E que defendem isso com unhas e dentes porque é o que resta. Mulheres que estão apenas conformadas com a possibilidade da cesárea, tentando se convencer de que estão fazendo o “melhor para o seu filho”; que morrem de medo de um parto vaginal porque tem informações completamente equivocadas; que sofreram violência obstétrica, e SONHAM com uma cesárea por acreditar que serão melhor tratadas; mulheres que se culpam intimamente por não ter “lutado” pelo tão aclamado parto vaginal.
E precisamos levar esses fatores em consideração para poder lutar por um sistema que respeite e atende de verdade mulheres gestantes, não podemos localizar todo o problema na culminância do processo sem levar em conta todo o trajeto que vai minando as mulheres e pior, manipulando-as para que elas defendam práticas que são comprovadamente mais prejudiciais a ela e ao bebê. E isso vai desde mitos de “alargamento vaginal” que faz com que mulheres tenham medo de parir para não se tornar menos desejadas ao parceiros, até o desencorajamento sobre a experiência da dor. Mulheres precisam de informação e apoio desde antes de engravidarem para que possam compor a luta por um sistema acolhedor de verdade para as demandas da gestação e do parto.
Talvez nunca tenha sido tão insuportável ser mãe como nessa longa tempestade que atravessamos, nesse país dos absurdos, governado por pessoas tão más. Porque atravessamos esta tormenta com nossos filhos nos braços, e muitas de nós estão ficando pelo caminho, e muito pouco estamos conseguindo fazer para ajudar umas as outras.
Eu nunca, particularmente, senti medo de morrer. Até que tive um filho. O primeiro e mais forte sentimento então que eu tomei contato, mais até que o profundo amor que me tomou, foi o medo da morte. Medo de partir sem saber que destino meu filho teria então. Medo que meu filho partisse, levando com ele meu coração dilacerado. Nesses tempos que vivemos, todas nós, que somos mães, convivemos com essa sombra pesada sobre nossas cabeças como nunca antes, porque são inúmeras as ameaças. E sim, para cada filho que se vai, a dor é todas as mães, porque toda mãe conhece esse terror, esse medo desesperado de partir antes dos seus filhos. E para onde olhamos só há dor.
Então eu queria deixar aqui o meu mais sincero abraço a todas as mães que perderam seus filhos nessa pandemia que é muito mais horrorosa do que deveria por conta do desgoverno que vivemos.
Para cada mãe que perdeu seu filho para a violência do Estado e para todas as mães, principalmente negras, pobres, periféricas, que além do medo da pandemia nunca sabem se seus filhos retornarão vivos para casa porque sabemos que nossa cor nos torna um alvo.
Para as mães que perderam seus bebês da maneira mais horrenda, vítimas da violência masculina.
Quero deixar toda minha solidariedade para todas as mães que estão nesse momento sem saber como vão alimentar seus filhos, porque a pobreza nos assola.
Para todas as mães que estão exaustas, sofridas, amedrontadas, sem saber o que fazer com seus filhos, que resposta oferecer, sem saber que mundo existe lá fora para oferecê-los.
Para todas que estão hospitalizadas, ou que estão nesse momento com seus filhos internados.
Queria deixar o meu mais sincero abraço para todos filhos que perderam suas mães, para aqueles que estão com muito medo de perdê-las.
Queria também que cada criança hoje pudesse sentir-se especialmente confortada, querida, segura. Mas eu sei que não é possível, mas ainda é possível desejar, de todo o coração, e mandar os pensamentos mais felizes e acreditar que eles podem ter força sim.
Só nos resta resistir, é o que estamos fazendo. O que sempre fizemos. Não sei ainda por quanto tempo. E nos resta também acreditar que vai passar. Trincar os dentes e seguir em frente. Resistir, sim. Mas até quando?
A mídia foi tomada pelo caso do menino Henry, de 4 anos, que foi barbaramente assassinado por espancamento pelo padrasto com a anuência e/ou omissão de todos os que os cercavam, inclusive a mãe, que tinha sua guarda e era a cuidadora primária direta. E a culpa, obviamente, está recaindo sobre a mãe.
Eu não sou muito fã de ficar repercurtindo atos de violência contra as crianças, até porque o menino Henry é (infelizmente), apenas o caso da vez. Já tivemos outras crianças vítimas cuja história foi intensamente explorada pela mídia, como caso do Bernardo, da Isabela Nardoni, e outras que não recebem tanta atenção assim, visto que negras, como é o caso das crianças de Belford Roxo.
Estou trazendo então esse tema pra comentar sobre o comportamento padrão em casos de violência contra crianças que é o de apontar todos os dedos para a mãe. E não, eu não pretendo aqui advogar em defesa dessa mãe ou de nenhuma outra, mas antes comentar sobre os inúmeros problemas que decorrem de responsabilizarmos unicamente as mães sobre o cuidado e segurança dos filhos e como isso serve tão bem aos interesses de um sistema patriarcal.
Culpabilizamos exclusivamente as mães por qualquer evento que acontece com as crianças principalmente por conta da romantização da maternidade que vende a imagem de que toda mãe é naturalmente “santa”, “amorosa”, “pacífica”, “boa”. O mito da “mãe leoa” que protege (ou deveria proteger) os filhos a qualquer custo é na verdade um problema para as mulheres e crianças. Em primeiro lugar porque mulheres são pessoas. E a despeito da socialização feminina treiná-las sim para que sejam mais cuidadosas, amorosas e menos agressivas, elas — como qualquer pessoa — também são capazes de todo tipo de atrocidades, inclusive contra crianças.
Então, quando culpabilizamos mulheres por elas terem “falhado” na sua responsabilidade, por terem desviado da norma do que uma mãe deve ser, quando reforçamos o discurso da “mãe monstra”, nós cada vez mais naturalizamos essa a ideia de que toda mãe é naturalmente e necessariamente boa. E isto está bem longe de ser verdade. Maternidade não conserta caráter de ninguém.
O mito da “mãe leoa” também mais constitui uma enrascada que uma espécie de elogio para as mulheres porque faz com que toda a sociedade espere que mães estejam sempre à postos e atentas, a despeito de terem ou não condições para isso. E mais, faz com que toda uma rede que cerca cada criança, delegue para a mãe essa responsabilidade da proteção, e simplesmente lave as mãos.
Quando alguém encontra uma criança em risco, o que essa pessoa faz é buscar a mãe da criança para que ela resolva o problema, e não garantir que o risco a essa criança cesse. Ninguém considera que a mãe pode não ter condições ou mesmo vontade de proteger essa criança. Ninguém considera que a mãe pode ser a ameaça.
As pessoas não estão preocupadas em proteger crianças porque elas são tratadas como um problema que precisa ser tirado da frente. Um problema que mães causaram, ao tê-las. Então mães que assumam e resolvam. A sociedade age devolvendo o “problema” para que mães resolvam, afinal elas que resolveram transar e resolveram parir. E quando alguma coisa bizarra demais para merecer manchetes de jornal acontece todos ficam “abismados” como se um cotidiano das mais absurdas violências não fosse o comum de boa parte das nossas crianças, sob o nosso olhar complacente. E, obviamente, vão atirar pedras na mãe, que deveria ser onipotente, onipresente e onisciente.
O menino Henry morreu espancado. Morreu de tomar chutes de um homem adulto. Um menino franzino de 4 anos tomando bicudas no abdômen. Quem falhou foi a mãe? Não. Falharam todos que em algum momento perceberam que essa criança estava em perigo e simplesmente se eximiram de protegê-la, justamente por considerar que isso era “assunto da mãe”. Que acionaram a mãe e viraram os olhos sentindo que a missão de proteger uma criança acaba quando devolvemos a responsabilidade para quem é “de direito”. Porque somos uma sociedade que trata crianças como coisas, como objetos que pertencem aos pais. E que quando há algum problema é só “avisar ao dono”, e eles que resolvam. Mesmo que esses pais, que essa mãe, que essa unidade funcional familiar seja a principal fonte de violência contra essa criança.
O menino Henry estava sendo agredido há meses. É óbvio que ele pediu socorro de maneiras diretas e sutis para diversas pessoas. É óbvio que os sinais estavam ali. Não teve uma única pessoa que lançou um olhar mais atento para esse menino para notar que talvez tivesse alguma coisa profundamente errada? Como é que ninguém foi capaz de ouvir o choro, os pedidos de socorro verbais e não verbais, olhar as marcas, ver as mudanças de comportamento? Foi toda uma cadeia de cuidado que passava por mãe, pai, babá, avós, tios, escola, terapeutas, vizinhos… que simplesmente não notou, ou ignorou, ou considerou que isso era “um problema da mãe”.
Quantas crianças em situação de vulnerabilidade e risco de vida passam sob nossos olhos todos os dias e nós viramos a cara porque isso é um “problema da mãe?”. Por que nosso “compromisso” com o bem-estar de crianças se resume em localizar a mãe para culpá-la quando alguma coisa dá errado?
E quantas mães não estão completamente vulnerabilizadas, sem nenhuma condição física, emocional, psicológica, financeira de proteger seus filhos? E estão completamente abandonadas nessa tarefa? Quantas mulheres não estão indo além dos limites aceitáveis para a dignidade humana em nome de proteger seus filhos sob os olhares cúmplices da sociedade que acredita que nada que mulheres façam é demais porque “mães devem fazer tudo para proteger seus filhos?”.
Mães não tem que fazer TUDO para proteger seus filhos. Porque esse “tudo” para a sociedade inclui todo tipo de sacrifício e degradação. Porque a responsabilidade de proteger crianças é usado contra essas mulheres, que são chantageadas, são humilhadas, são usadas, e que quase sempre aceitam de um tudo em nome de garantir a segurança de seus filhos. Aceitam ficar em relacionamentos abusivos, aceitam violência doméstica, aceitam subempregos humilhantes, aceitam vender seus corpos. E tudo bem por isso, ninguém move um dedo para apoiar mulheres, vamos dar um troféu de “mãe guerreira” e uma sessão de apedrejamento público se alguma coisa sair errado. Ninguém liga pro bem estar dessa mulher e menos ainda com crianças.
Parem de apontar dedos para as mulheres. Deixem as mães em paz. Cuidar de crianças é compromisso de todos. Não só das nossas crianças, mas de todas as crianças. Crianças são pessoas em formação, vulneráveis e precisam de proteção 24 horas, e em uma sociedade que não fosse tão predatória, isso seria oferecido a ela em todos os espaços. A despeito da presença dos pais.
Em uma sociedade que realmente se preocupa com suas crianças, Henry, Bernardo, Isabela Nardoni, os meninos de Belford Roxo, e mais tantos outros casos “famosos” e anônimos não existiriam. Mães não estariam acuadas, desesperadas, com a tarefa solitária de defender seus filhos. Mães seriam vistas como pessoas, que falham, e por isso também precisam de ajuda, orientação, apoio. Mães também seriam observadas se sua maternagem é realmente protetiva ou violenta. E principalmente mães não seriam culpabilizadas porque quando algo acontecesse com uma criança, TODA a sociedade, todos nós, sentiríamos esse peso dessa culpa. Sentiríamos que falhamos. Como pessoas, como grupo, como comunidade. Como seres humanos.
Cada vez que uma criança sucumbe, todos nós falhamos. A culpa é nossa.
São muitos os mitos que romantizam a maternidade. A romantização constrói uma narrativa sobre algo, escondendo seus aspectos opressivos, e idealizando e hiperdimensionando aspectos positivos. Esta é uma estratégia muito astuta dentro das estruturas de opressão para criar amarras psicológicas que garantem que as pessoas submetam-se a determinados papeis sociais e naturalizem situações onde são imensamente prejudicadas, sem dar-se conta disso. Para mulheres, a romantização da maternidade é fundamental para garantir a compulsoriedade dessa tarefa. A despeito dos dispositivos mais diretos e objetivos (como a dificuldade de garantir a contracepção ou a impossibilidade de interromper a gravidez), são esses gatilhos psíquicos que são construídos durante toda nossa socialização que garantem que quase toda mulher necessariamente acabe se tornando mãe em algum momento da sua vida, ou que sintam-se compelidas a maternar animais, plantas, seus companheiros, ou qualquer outra coisa que apareça no caminho.
Aprendemos sobre a maternidade e sobre o que é ser mãe de muitíssimas maneiras. Recebemos instruções diretas e também observamos o mundo. Vemos nossa própria mãe e a de outras pessoas, e também representações culturais, artísticas e midiáticas: teatro, livros, músicas, filmes, novelas, séries, matérias jornalísticas, e etc. É a nossa cultura — machista, a serviço dos valores do patriarcado — que oferecem todo um referencial com o qual vamos organizando mentalmente todo um aparato simbólico sobre o que significa ser mãe. Sobre o que a sociedade espera de nós nesse lugar. Como devemos agir, pensar, sentir e nos comportar. Somos moldadas para a maternagem atravessadas por mitos românticos que funcionam tanto como uma isca para este lugar, quanto uma medida de controle do comportamento da mulher que materna.
Os mitos que existem sobre a maternidade são a armadilha que nos atraem, nos mantém presas e condicionadas e que embaçam nossa reflexão crítica sobre nosso verdadeiro papel no patriarcado. Por isso é muito importante conhecê-los, para reconhecê-los e principalmente, combatê-los:
a mãe sagrada: O sagrado é algo conectado diretamente a uma força superior, imaculada. O sagrado é venerado, infalível e existe para servir a humanidade e ao mesmo tempo ser adorado. Desde mitos antigos, com o arquétipo da “deusa mãe”, cristalizando com Maria, mãe de Jesus, aprendemos que ser mãe é um ser “divino”, “sagrado”, “puro”. Envolvemos o tema da maternidade em uma aura mística, onde a grávida é a mulher “escolhida” e filhos são uma bênção “dos céus”, uma missão sagrada que mulheres devem aceitar custe o custar, estejam prontas ou não, queiram ou não. Uma missão cuja recusa é tida como heresia. A ideia da mãe sagrada vai ancorada na de que a maternidade é um “sacro ofício”, que a dor, o sofrimento, o sacrifício, fazem parte do ato de criar crianças e que nenhuma mulher deve reclamar ou rebelar-se, mas sim resignar-se, e mais sentir-se agraciada afinal “filhos são um presente divino”. A ideia de que a maternidade é um lugar de divindade, e que toda mãe deve ser “adorada”, “reverenciada”, como uma Deusa, também abre espaço para muito abuso de poder onde mulheres incorporam esse mito e comportam-se com total onipotência perante seus filhos exigindo amor e respeito porque sim.
a mãe especial: esse é um mito muito ancorado no da sacralidade da maternidade. Vende-se a ideia de que mães são seres “especiais”. Isso cria uma falsa sensação de status na maternidade e mascara toda a opressão dessa condição, a ponto de mulheres que não são mães afirmarem que há “privilégios de tratamento” para as que são, antagonizando esses dois grupos. Mulheres deixam de se enxergar como iguais, pressionadas pelo patriarcado para o exercício da maternidade, para verem-se como rivais, onde mães se tornam as “preferidas”, as “paparicadas”, por terem cumprido o seu destino como mulher. Essa promessa é especialmente potente porque a estima das meninas é desde muito sendo esmagada e todas as outras possibilidades de existência e potencialidades vão sendo minadas. Meninas muito precocemente vão entendendo que seus talentos não servem ao mundo, a não ser que estejam a serviço da sedução de um homem ou da criação de filhos. Esse discurso da “mulher especial”, então, torna a maternidade um lugar desejado para muitas mulheres, um lugar onde elas entendem que finalmente terão atenção, reconhecimento social, terão algo que é uma criação sua (sim, um bebê). E é um choque para muitas quando, ao terem filhos, percebem que caíram em uma armadilha, e que se tornaram-se completamente invisíveis.
a mãe guerreira/heroína: a função do mito da mãe guerreira ou mãe heroína é romantizar o sofrimento e o abandono materno. É uma estratégia eficiente que faz com que mulheres assumam esse arquétipo diante de dados desafios da criação dos filhos, trazendo para si toda a responsabilidade de resolvê-los, e que faz com que a sociedade também “lave as mãos” diante de suas dificuldades, já que toda mãe “é guerreira”. É um prêmio de consolação emocional, uma espécie de “biscoito” psíquico que jogamos para mulheres manterem-se firmes enquanto sofrem todo tipo de horror e aniquilação na tarefa de criarem de seus filhos. Via de regra a mãe “guerreira” foi abandonada por todos e teve que fazer os maiores sacrifícios e abrir mão completamente da própria vida. E muitas vezes esse “elogio” vem dos próprios filhos como forma de gratidão e reconhecimento para a mãe pelo tremendo esforço que aquela mulher fez para criá-los. Mas de fato, quase sempre, por trás de uma mãe “guerreira”. de uma “mãe heroína” o que existe mesmo é miséria, violência, abandono do Estado, e muita exploração.
a mãe dotada naturalmente: esse é um mito muito presente e muito nocivo: a ideia de que é natural para mulheres cuidar do outro. Que mulheres “levam jeito”, que mulheres tem um “dom”, um “instinto” maternal e de cuidado. Isso não é verdade em absoluto e traz como único resultado uma idealização absurda sobre o tipo de mãe que mulheres devem se tornar. Mães que não erram, que estão sempre ali à disposição dos filhos, mães que amam naturalmente tudo que tem a ver com suas crias e com a maternidade. Essa ideia de que pode haver algum elemento inerente às mulheres para o cuidar de filhos é injusta e profundamente misógina. Injusta porque sequer considera homens nessa equação colocando todo o peso e expectativa nas costas das mulheres e misógina porque enxerga mulheres necessariamente sob uma ótica de serviço e dedicação às necessidades do outros. E esse mito também é a desculpa perfeita para homens fugirem da responsabilidade do cuidado, e para meninas serem socializadas com muito mais afinco nessa direção enquanto não é feito nenhum investimento no ensinamento dos meninos. Mulheres muito facilmente assumem todo tipo de tarefa de cuidado e sentem-se desestimuladas a cobrar ou ensinar ou delegar essas mesmas tarefas aos homens porque “eles não levam jeito pra isso”.
a mãe que ama incondicionalmente: um dos mitos mais perniciosos que ronda a maternidade é sobre o amor. Tanto o que mães sentem pelos filhos quanto o que filhos sentem pelas mães. Na maternidade, este sentimento é imposto como absolutamente necessário, verdadeiro e inequívoco, que surge sem reservas e de maneira intensa. Para as mulheres é uma espécie de “salário”, a “compensação” por todo o trabalho que ela realiza sozinha, tanto o amor que ela sentirá pelo filho (“você nunca sentirá nada igual”), quando o amor que ela aprende que filhos deverão sentir por ela (“ninguém nunca vai te amar tanto”). E essa lenda que atravessa a relação parental traz também uma visão romântica do amor. Das mães espera-se um amor abnegado, aquele que tudo doa e nada espera, o amor carinhoso e dedicado, sempre a serviço da necessidades dos filhos. Dos filhos o reconhecimento devotado de todos os sacrifícios que a maternidade impôs àquela mulher e a gratidão eterna. Como resultado existe uma série de distorções de relacionamento entre mães e filhos, onde mulheres agarram-se aos filhos e ao seu sentimento por eles como a única coisa importante e que justifica suas vidas, e cobram afeto e gratidão dos seus filhos apenas porque sim, mesmo que sua relação e sua criação seja permeada por equívocos e violências. Do outro lado há filhos romantizando as possibilidades afetivas de suas mães, querendo delas total dedicação e serviço, desumanizando essas mulheres, tirando delas o direito ao erro, muitas vezes patologizando como “narcisista” comportamentos que distem do ideal de “mãe amorosa e dedicada”. E sempre há culpa, muita culpa. Mães que sentem que não amam seu filho o bastante, ou que sentem que não tem o seu trabalho reconhecido. Filhos culpados por não sentirem todo o amor e gratidão que são cobrados o tempo inteiro.
a mãe perfeita: esse mito constrói a narrativa de que mães são perfeitas e não tem direito ao erro, ao equívoco, à dúvida, no exercício da sua maternagem. E é uma excelente e uma das principais ferramentas de controle do comportamento das mulheres porque, na expectativa de corresponder a esse ideal de perfeição, mulheres aceitam muito facilmente todas dificuldades, o abandono, a dor, a solidão, o desamparo e a exploração do seu trabalho por parte do homens. Elas envergonham-se de sentir as dificuldades de maternar, acham que o problema é com elas, que não são boas o suficiente, e tem muito constrangimento em reclamar e contar suas dores e medos. E ai não conversam sobre o que realmente acontece, não conseguem sair do personagem de mãe infalível. Porque admitir que está dificil demais é lidar com o fato de que não correspondem ao ideal de mãe perfeita, sagrada, que a tudo se doa sem reclamar. Que não são capazes de serem gratas pela benção que é ter um filho. E mulheres que ousam verbalizar para si que não se sentem “abençoadas”, que a experiência da maternidade para elas tem sido na verdade um problema, são escrachadas socialmente, punidas, e invariavelmente sentem-se culpadas.
Os mitos maternos agem assim. Romantizam. Criam a imagem de que a maternidade é um lugar especial, de júbilo, plenitude e amor. Cria um cenário tão idílico que torna-se atraente para mulheres, enquanto elas crescem sendo desprovidas de todas as outras possibilidades de estar no mundo, enquanto elas são massacradas pela ideia de que possuem um “dom” natural para maternar, que possuem um “relógio biológico”, que não possuem nenhum talento, ou utilidade, ou que não há nada mais importante que possam fazer que não seja tornar-se mãe. E uma vez lá, mães, estas mulheres se vêem completamente perdidas e ficam reféns desses mitos e de toda essa romantização porque tentam a todo custo fazer a lenda acontecer, e a sociedade, que opera essa narrativa para garantir que mulheres permaneçam desejosas e “sonhando” com a maternidade, reforça e reforça o discurso e pune as mães que ousam romper o pacto com a mitologia e falar sobre a realidade de de exploração laboral que é a maternidade. E isso opera tão consistentemente que até o tal discurso da “maternidade real” já está sendo romantizado.
Homens sabem muito bem o que significa ser pai. Tanto que adiam ao máximo esse momento (quando pretendem assumir) ou simplesmente fogem. Onde está a romantização da paternidade?
Agosto Dourado e voltamos às campanhas e ao debate em torno da amamentação. Debate esse que gira invariavelmente em torno da “conscientização” das mulheres sobre a importância de amamentar seus filhos, e aí entram vários argumentos sobre benefícios de saúde para o bebê e também para a mãe, e também um universo bastante rico de informações no sentido de orientar mulheres para realizar essa tarefa. E isso seria muito bonito se a amamentação na nossa sociedade não fosse um privilegio de classes mais abastadas e também mais do mesmo na lógica patriarcal da exploração do corpo da mulher. Até quando amamentação será um assunto dos homens?
E para entendermos melhor essas afirmações tão polêmicas que eu trago assim logo de cara, é importante a gente conhecer pelo menos um pouco sobre a história da amamentação desde sempre.
A importância do leite humano como alimento imprescindível para sobrevivência de bebês sempre foi compreendida desde a pré-história quando perceberam que oferecer alimentos alternativos era infrutífero. No entanto nem sempre foi considerado importante que a amamentação fosse realizada pela mãe da criança
Apenas na antiguidade acredita-se que mães amamentavam seus filhos livremente, e corrobora com isso muito da mitologia que conhecemos até hoje, onde Deusas de diferentes panteões aparecem realizando essa prática, além de registros diversos. Já no Império Romano (que acabou em 476 DC) há registros do uso da figura da “nutriz”, que era uma mulher — escrava — cuja função era amamentar crianças. A famosa “ama-de-leite”.
Por séculos, existiu a “indústria da nutriz”, onde todos (pobres e ricos) se utilizavam da mão-de-obra de uma outra mulher (primeiro escravizada depois “contratada”) para amamentar os filhos. Com a Revolução Industrial, onde todo mundo foi parar nas fábricas, criação dos centros urbanos como conhecemos, atomização da família e principalmente o avanço das tecnologias de nutrição infantil a indústria do leite em pó veio acabar com esse nicho de mercado, transformando as nutrizes em “babás” e fazendo desabar as taxas de amamentação ao redor de todo mundo. Agora mulheres eram convencidas de que até leite condensado era melhor que o seu próprio leite e que ela deveria ser “livre” (para trabalhar na fábrica e enriquecer a indústria, no caso).
Aí vem a pergunta que não quer calar, e que quase ninguém lembra de fazer: por que mulheres pararam de alimentar seus próprios bebês, entregando a outras mulheres, se esta é uma atividade relativamente natural e consequente ao parir? Simples, porque HOMENS assim o decidiram já que:
a) lactantes demoravam a engravidar novamente e ter muitos filhos era estratégico, porque a mortalidade infantil era altíssima e crianças eram patrimônio dos pais (trabalhadores braçais, se meninos, ou parideiras para vender em casamento, se meninas). b) no início do advento do cristianismo, lactantes eram constrangidas a não fazer sexo e os homens queriam transar.
Então a amamentação de crianças pela mãe era um péssimo negócio para homens já que sua esposa ficava envolvida numa tarefa que poderia durar anos, sem produzir novos bebês e com pouca disponibilidade – e permissão religiosa – para transar.
Atualmente, pesquisas comprovam a amamentação como estratégica para o melhor desenvolvimento dos bebês e a tarefa passa a ser reincorporada como uma boa prática, agora a encargo das próprias mães.
E aí você pensa, uau, finalmente! Evoluímos hein! Só que claro que não, se a gente olha para nossa história para aprender alguma coisa, a lição que temos aqui é: alimentação de bebês sempre foi uma coisa pensada e decidida por homens e imposta às mulheres sobre diferentes artifícios. Mulheres nunca tiveram autonomia sobre seus corpos, e, principalmente, a importância e a maneira como é realizada alimentação infantil sempre esteve ligado muito mais a fatores econômicos do que pensados realmente no bem-estar de crianças e mulheres.
E é nessa hora que eu te convido a pensar junto comigo, sem emoção, sobre esse tema.
O que acontece agora é que os principais problemas foram superados: lactantes já podem transar sem culpa e também não vão engravidar por isso. E homens entenderam que bebês bem amamentados se tornam adultos mais fortes, inteligentes, saudáveis e com mais longevidade. Entenderam que isso é um bom investimento a longo prazo.
E do mesmo jeito que mulheres foram convencidas que deveriam entregar seus filhos para nutrizes e depois que deveriam dar leite em pó para seus bebês, agora estão sendo convencidas sobre como ela deve assumir a tarefa da amamentação . Porque é um “ato de amor”, um “dever”, que é “bom pra sociedade”. Dizendo (muito sutilmente, claro) que se você não amamenta, você não ama seu filho, não quer o melhor para ele. Romantização na veia. A velha fórmula não muda.
E aí, é preciso ver com clareza qual a mulher escolhida pelo sistema capitalista para que amamente essas crianças que serão os adultos premiados do futuro. Quais são os bebês selecionados para uma existência mais saudável e com menos risco de adoecimento. E para descobrir eu sugiro um experimento simples: coloquem a hastag #smam em qualquer mídia social e observem bem as fotos. O que você vê? Mulheres brancas com acesso a bens econômicos e culturais.
Porque a amamentação e saúde de bebê para longo prazo, não é para todas as pessoas. Muito menos para a camada mais pobre da classe trabalhadora, quase toda formada de pessoas racializadas e pobres. Essa população precisa estar economicamente ativa alimentando a indústria do leite em pó, enquanto um outro grupo mais privilegiado, que tem raça e tem classe definido vai poder fazer valer o uso de todas as recomendações preconizadas pela OMS.
Ou você espera que uma mulher proletária, salário mínimo, chefe de família, quase sempre com mais de um filho, com nenhuma rede de apoio, com apenas 120 dias de licença maternidade, amamente por 6? Como? Com uma lei que te dá dois intervalos de apenas meia hora durante o período laboral para a amamentar? Com oferta mínima de creches para deixar o bebê? Com pediatras que orientam introdução alimentar aos 4 meses de idade com danoninho?
Como nós vamos falar sobre “livre demanda” com essa mulher? Quando ela passa facilmente 12 horas fora de casa? Sobre “confusão de bicos”? Quando diversas outras pessoas se encarregam de alimentar o bebê nesse período e ela perde completamente o controle do processo? Vamos dizer para ela “ordenhar” e “conservar” o leite? De que mulher estamos falando que consegue fazer isso? Aquela mulher que trabalha na fábrica, que trabalha o dia inteiro em pé na loja do shopping, que trabalha atrás de um balcão, no painel de um atendimento telemarketing?
E aí você pode argumentar: “mas os países com maior taxa de aleitamento são países muito pobres da África ou do Oriente Médio”. São sim, e quando você vai olhá-los na lupa quase sempre descobre que quase todos são países minúsculos que serviram como laboratório das campanhas da ONU. Ou você acha que se realmente houvesse vontade política de incentivar o aleitamento nós teríamos apenas 34 países (incluindo o Brasil) cumprindo a recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) de conceder ao menos 14 semanas de licença à mãe com remuneração não inferior a dois terços dos seus ganhos mensais?
Com quem estamos falando quando dizemos que o recomendado é que o bebê seja amamentado até os dois anos de idade? Quem é essa mulher que consegue fazer isso? Quais condições de VIDA são necessárias para isso que não flertam com privilégio de raça e classe? Ou que sejam apenas uma conjunção de perrengue e sorte?
Quão cruel é jogar essas campanhas no colo de uma mulher pobre que se chicoteia intimamente porque “não conseguiu amamentar” quando ela não teve informação, apoio e teve que voltar a trabalhar para sustentar a família? Por que ficamos falando apenas sobre amor e saúde e nunca sobre sobrevivência?
Ou vamos admitir finalmente que realmente não interessa nem um pouco a saúde de crianças pretas, pardas, pobres. Que ninguém se importa se elas se alimentam de mingau de fubá, se ficam subnutridas, adoecidas, se morrem. Porque pobre é exército de reserva mesmo, e o que mais tem no mundo são pessoas pobres, não é mesmo? E ninguém se importa com a subjetividade da mulher proletária, dane-se que ela sabe que Mucilon não é o melhor para o seu bebê, porque veja, finalmente ela está informada, mas é só aquilo que ela consegue prover, com culpa, com medo. Já que essa mulher está o tempo inteiro lidando com viver ou morrer, literalmente, e está o tempo inteiro fazendo redução de danos. Nunca escolhas.
Mais uma vez a decisão sobre quem amamenta e que bebês serão nutridos está nas mãos dos homens, e mulheres estão fora do debate e das decisões e políticas que impactam diretamente a autonomia do seu corpo e a saúde dos seus filhos.
Para um política verdadeiramente honesta sobre o tema, a amamentação é focada em saúde para todos os bebês e não só os que são estratégicos ao capital. E mulheres são chamadas ao debate e não chantageadas emocionalmente. E recebem todas as condições materiais para que possam realizar a tarefa para o qual estão sendo convocadas.
E por condições materiais eu falo da ampliação da licença maternidade para o mínimo de 6 meses segundo as recomendações da OMS assim como um “auxílio-lactação” pelo mesmo período para que toda mulher pobre, sem renda, não precise entregar seu filho com 30 dias na mão de terceiros e ir trabalhar. É preciso falar em ampliação da assistência de creches para que se possa deixar outros filhos durante o dia, enquanto dá assistência ao recém-nascido. É preciso uma ampla rede de assistência ao parto e ao puerpério, com profissionais de apoio à amamentação fazendo visitas domiciliares, orientando e acompanhando essa mãe. É preciso ampliação da licença parental, para que haja uma outra pessoa apoiando essa mulher nas demandas domésticas. E aí sim, dadas as condições para que qualquer mulher, de qualquer raça ou classe, que queira, possa amamentar, podemos falar em orientação, conscientização, incentivo, apoio.
E isso falando apenas de uma via completamente reformista.
Pensando de maneira revolucionária, pra começar, mulheres precisam retirar essa decisão da mão dos homens. Que ainda que não o façam diretamente hoje, a conduzem através das pesquisas científicas, das invenções industriais, das leis, das normas e diretrizes de saúde, das campanhas. Homens que instrumentalizam mulheres desde sempre para prestação de serviço ao sistema patriarcal e capitalista.
Precisamos tomar esse debate para nós e fazê-lo nos nossos termos, pensando juntas qual o papel que como mulheres e mães queremos, podemos e precisamos realizar, num grande pacto social. Isso significa construir coletivamente sobre qual o custo (mental, emocional, psicológico, financeiro, físico), da amamentação para nós. Pensar no lugar do nosso corpo nisso tudo. Combater essa estratégia de romantização da amamentação que é uma clara estratégia para culpabilizar e responsabilizar mulheres pela nutrição de seus bebês.
E pensarmos, juntas, nós, mulheres. Porque são muitas as questões e poucas as respostas construídas através do acúmulo do nosso olhar e das nossas experiências de mulher: e fazer isso desapaixonadamente, sem coerções emocionais.
Como a nutrição adequada de bebês deve ser gerida por nós enquanto sociedade? E como nós, mulheres, seres que somos capazes de realizar essa tarefa, queremos estar neste contexto? Esse é um lugar completamente diferente e libertário para pensar amamentação. Algo inédito e que ainda não foi feito de verdade: do ponto de vista das mulheres.
E sim, mulheres podem amar amamentar, está liberado também. Porque para muitas é uma experiência bonita e repleta de beleza num vínculo muito especial com a criança. E mais uma vez isso não tem a ver com maternidade. Mulheres amamentam, seus filhos e os filhos de outras mulheres. A experiência subjetiva de cada uma é particular e incomunicável.
O importante é a consciência de que potência não é obrigatoriedade. Que amamentar não é ato de amor, é ato de política pública de saúde. Que tem uma função estratégica importantíssima: garantir cidadãos de plena saúde e vigor para construir a sociedade. E ser nutrida deve ser um direito universal de todas as crianças, e não só das que podem pagar por isso. E amamentar deve ser um direito das mulheres, que devem conduzir esse debate como pessoas estratégicas nessa função, como sujeitos e não como objetos eternamente instrumentalizados para cumprir os objetivos dos homens nesse mundo capitalista e patriarcal.
Eu me chamo mãe. E há muita, mas muita mesmo, confusão sobre o termo “mãe” na nossa sociedade. Afinal, quem seria a mãe? O que ela faz? O que a caracteriza? Seria gestar? Mas e as mães adotivas? Seria parir? E as mães de aluguel? Seria então amamentar? E as inúmeras mulheres que não amamentam? Mãe é quem cuida? E as mulheres que precisam terceirizar os cuidados? E as avós, as tias, as vizinhas, as babás, que estão ali pelo cuidado dessas crianças? O que determina afinal, quem é a mãe?
Vamos por partes. Primeiramente é preciso entender como se dá a cadeia do trabalho reprodutivo e demarcar bem demarcado a função específica da mulher nesse processo de reprodução da vida. Há aqui tarefas fisiológicas essenciais e irreproduzíveis que apenas e tão somente mulheres podem realizar, a saber: gestar, parir e em alguma medida, amamentar (já que esse processo já pode ser reproduzido com eficiência embora não com equivalência). E embora se possa dizer “mas sem os espermatozoides não há concepção”, sem óvulos também não há. Inclusive mulheres podem doar óvulos, homens doar esperma e a fertilização ser realizada sem a necessidade de contato sexual. Então o jogo começa empatado. Efetivamente é no útero da mulher que o show começa. Quem desempata esse game é a maravilhosa fábrica de produzir pessoas, chamada corpo feminino.
Essa é a parte biológica, imutável, da criação de crianças. O vínculo indissociável que toda e qualquer mulher possui com a maternidade. Por seu aparelho reprodutivo ela já nasce uma mãe em potencial.
No entanto, uma vez a criança gestada e parida, o fato é que qualquer um pode se encarregar dos seus cuidados.
QUALQUER PESSOA.
Seja homem, seja mulher.
Criar uma criança, amá-la, realizar todo o trabalho de cuidado físico, emocional, social, educação, sustento, não tem nenhum pré-requisito biológico. Não requer “dom”, “vocação”, não requer “instinto”, não requer absolutamente nada específico exceto comprometimento. Assim um casal pode criar uma criança. Dois homens podem criar uma criança. Duas mulheres podem criar uma criança. Uma aldeia inteira pode criar uma criança. Alguns desenhos até indicam que ela pode ser criada por lobos ou macacos embora eu duvide um pouco.
E no entanto, esse trabalho de cuidar é realizado quase que exclusivamente por mulheres. Sempre. Guarde essa informação.
E, veja só o nó, conceber, gestar/parir, e criar são tarefas interdependentes mas não necessariamente conectadas. Ou seja, dá sim pra uma pessoa conceber, outra gestar/parir, e outras criarem. Exemplo: quem é a mãe de uma criança que nasce de fertilização in vitro de doadores anônimos, na barriga de aluguel de uma terceira pessoa? É a doadora do óvulo? É a mulher que gestou? É a mulher que criou? E se ela for criada por homens, ela não tem mãe? Um deles é “pãe”? Se levarmos em conta a parte do “mãe é quem cuida” então, a coisa fica muito mais complicada. Quantas e quantas crianças não são criadas por diversas pessoas ao longo da vida? Passam por avós, tias, vizinhas. Ou passam tanto tempo com a babá, que ela vira o adulto de referência com muito mais força que a própria mãe.
Voltemos um pouco. Gestar e parir coloca mulheres no epicentro das possibilidades de continuação da espécie. Nós produzimos pessoas, apenas. Produzimos trabalhadores para serem explorados, produzimos herdeiros para explorar. Do servo ao senhor. Do burguês ao proletário. Produzimos fucking PESSOAS. Isso é forte e absurdamente poderoso. O que aconteceria se nós tivéssemos ciência do poder disso e nos recusássemos a realizar esse trabalho? O que aconteceria se mulheres se recusassem a assumir os cuidados das crianças? Se mulheres parissem e entregassem aos homens dizendo: “já fiz minha parte, agora boa sorte”?
Como evitar então que mulheres simplesmente se neguem a produzir mais crianças? Como evitar que elas parem de se engajar em todas as tarefas necessárias para entregar trabalhadores prontinhos pro sistema funcionar?Sistema capitalista, racista e patriarcal, a propósito, onde homens exploram mulheres em todas as esferas possíveis (e homens brancos ricos estão no topo da cadeia alimentar). Como evitar que mulheres tomem consciência que são domesticadas para realizar esse trabalho, enquanto homens apenas usufruem os benefícios?
Ganha um brinde quem disser: maternidade compulsória. Um sistema que se retroalimenta e que faz que toda e qualquer menina, assim que indicada como tal pela identificação de que possui uma vulva, seja imediatamente inserida numa lógica de funcionamento do mundo onde sua única finalidade é concretizar seu potencial biológico de gestar.
A MATERNIDADE, como conhecemos, é um sistema compulsório, simbólico e cultural que é estruturante e pilar fundante da dominação patriarcal, onde mulheres são doutrinadas e submetidas a realizar todo o trabalho de gestação e cuidado de novas pessoas para o funcionamento do mundo.
E é importante demarcar isso bem claro porque maternidade não é sobre amor. Não é sobre seus sentimentos em relação a criança que você cuida. O seu amor por ela tem a ver com o relacionamento que vocês desenvolvem com uma pitada bem generosa de socialização. A maternagem é uma marca quase impressa a ferro na psiquê de todas as meninas que são treinadas para o cuidado de terceiros desde a infância. Levadas a relacionar amor e cuidado. Levadas a acreditar que ter filhos é a melhor coisa que podem fazer da própria vida. Que é uma “missão”, um “dom”, uma “função da mulher”. Meninas são sistematicamente subestimadas e rejeitadas para que se convençam de que o amor maternal é a experiência mais sublime que podem experimentar.
E muitas mulheres só encontram algo parecido com “realização” ao ceder a essa profecia auto-realizável sobre suas vidas.
Ser “mãe” é único lugar de real “destaque” que é reservado para mulheres na sociedade. Por isso a maternidade é romantizada, exaltada. Por isso que ninguém fala sobre a realidade das mulheres-mães. Por isso que ela é justificada, divinizada. Porque sob o patriarcado, se mulheres não forem mães, elas não poderão ser mais nada. E mulheres que se recusam são demonizadas e perseguidas e culpabilizadas. E mulheres que maternam são “exaltadas” para que não percebam a armadilha em que foram atiradas ao mesmo tempo que tem seu comportamento fiscalizado para saber se não estão rebelando-se.
E todas as mulheres, TODAS, seguem pela vida com essa necessidade de serem “mães” arraigada, nunca conseguem se livrar completamente. Com senso de responsabilidade em serem cuidadoras de tudo e de todos. Toda mulher em algum momento já se autodeclarou mãe de alguma coisa ou alguém: “eu sou mãezona”, “é como se fosse um filho”, “adotei pra mim”. Ter um filho para chamar de seu. Seja parentes, companheiros, vizinhos, colegas de trabalho, amigos, plantas, pets, nada escapa.
Então, em um mundo onde homens exploram mulheres por causa do seu potencial exclusivo de produzir pessoas, e onde todas essas mulheres são condicionadas, coagidas e submetidas a cumprir esse destino, não faz nenhum sentido discutir quem é a “mãe”.
Toda mulher é “mãe”, não importa se ela teve, tem ou terá filhos, porque uma vez potenciais gestantes todas são treinadas para ocupar uma função em algum ponto da cadeia de trabalho reprodutivo, se necessário. E é por isso também que a categoria “mãe” é PROPOSITALMENTE confusa porque ela é feita para abarcar toda e qualquer mulher, a qualquer momento. E quanto mais tarefas dessa linha reprodutiva essa mulher acumula mais consolidada está a função de “mãe” para ela. Uma mulher que gestou, pariu, amamentou, cria seus filhos é aquela que sente todo o peso do pé do patriarcado no pescoço. É a mãe concretizada.
“Mãe” é toda mulher que é diretamente envolvida e responsabilizada em alguma etapa do trabalho reprodutivo de pessoas.
Dessa forma, em algum nível, a que gesta e pare é mãe. A que é responsabilizada pela tutela é mãe. A que é cria é mãe. Se você borra essa categoria, mesmo ela sendo propositalmente confusa, indistinta, você não consegue delimitar esse grupo a partir dessas funções que são compulsoriamente realizadas. E se você não delimita, você não consegue lutar por DIREITOS.
Não consegue discutir licença-parental, apoio puerperal, apoio à amamentação, não consegue denunciar a dupla/tripla jornada, não consegue discutir a divisão dessas tarefas de cuidado, falar sobre exclusão dos espaços, sobre discriminação no mercado de trabalho, sobre precarização, sobre pobreza, sobre abandono parental, sobre aborto, sobre políticas de contracepção, sobre violência sexual, sobre casamento, sobre exploração de útero de aluguel, sobre divisão de bens, sobre educação e proteção de crianças, sobre inúmeros temas que são problemas de mulheres envolvidas em trabalho reprodutivo: MÃES.
E é por isso que feminismo é sobre maternidade. Que maternidade é o tema-chave que deveria interessar a todas as mulheres (mãe e não-mães). Que está no epicentro da nossa opressão. Parar de falar o nome disso não vai fazer as questões desaparecerem, muito pelo contrário, isso é uma estratégia pra minar os esforços cada vez mais conscientes de mulheres que finalmente estão entendendo o recado do feminismo sobre isso e estão se organizando como CLASSE. Dividir para conquistar, lembram?
“Mãe” precisa ser entendida como uma categoria de análise fundamental para desmantelar o poder do patriarcardo (em confluência com o capitalismo e o colonialismo numa superstrutura). Essa é uma nomenclatura que deve ser fortalecida e discutida e não embaçada ou diluída. Isso é categoria política de mulheres sob exploração. Mulheres, repito. Apenas mulheres. Pessoas nascidas com aparelho reprodutor feminino. Porque são mulheres que possuem potencial de gestar e parir pessoas e isso é intransferível e é isso que nos “torna mulher” nesta sociedade. Com todas as suas implicações.
Não caiam em armadilhas de inclusividade excludente. A sociedade patriarcal sabe muito bem definir, apontar, encontrar e responsabilizar a “mãe”, quando lhe é conveniente. Quem é mãe sabe que é, e sabe como é, ainda mais quanto mais for atravessada por outras opressões como raça e classe.
E é por isso eu me chamo “mãe”. Porque esse nome foi marcado na minha testa pelo patriarcado quando eu nasci. Não me chame de outra coisa, porque vai ser no reconhecimento dessa categoria que vamos implodi-la. Então vai ter feminismo materno sim e a revolução será pela via da derrubada desse pilar da maternidade compulsória. Só as mulheres conscientes do lugar a que foram levadas por sua capacidade reprodutiva e organizadas como categoria POLÍTICA é que poderão fazer isso.
Há uma frase inclusive muito famosa que é especialmente reveladora que diz “amo meu filho, mas odeio ser mãe”. Isso não faz nenhum sentido para mim. Eu amo meu filho e amo ser mãe, o que eu odeio é o patriarcado.
O que isso significa na realidade a frase “amo meu filho, mas odeio ser mãe”? Porque inclusive essa frase é uma contradição em termos. Você ama seu filho por causa da relação que tem com ele que é a relação de maternagem. Você não ama o bebê da vizinha. Não é um amor universal por todos os bebês do mundo. É um amor exclusivo, característico que você sente por essa criança por ela ser quem é: seu filho. Então, na real, não dá pra “amar seu filho” mas “odiar ser mãe”, porque uma coisa está intrínseca na outra, não existe sem a outra.
Mas eu estou dizendo a maternidade na nossa sociedade então é uma coisa boa e que as mulheres estão reclamando demais, porque o amor compensa tudo? Nem pensar uma blasfêmia dessa. O que eu estou dizendo é que se você ama seu filho, você ama ser mãe porque você só é mãe porque tem esse filho. É uma relação intrínseca. É a existência de um filho que torna uma mulher, mãe. Então no fim, não é a maternidade que você odeia. Você odeia tudo que a sociedade te tornou e maneira como ela te trata em função de te obrigar a ter filhos e criá-los absolutamente sozinha e da maneira que se espera. E aí, vamos dar nome aos bois: você odeia o patriarcado. Mais especificamente aos homens. Porque são eles que fizeram isso.
Vamos responsabilizar a quem é de direito.
São os homens que, no controle das leis, nunca se preocuparam em criar legislações específicas de proteção e amparo para mulheres gestantes e mães. São os homens que, no controle das empresas, disseminam a cultura de discriminação de mulheres que tem filhos. São os homens que objetificam os seios femininos a ponto de você ter constrangimento em amamentar em público e são eles que projetam os espaços públicos e nunca se preocupam em criar espaço para mães e suas crianças. São homens que no controle das políticas públicas não constroem uma rede eficiente de creches e escola que atenda a necessidade de trabalho e descanso das mulheres.
São homens que estão no comando dos centros de pesquisa desenvolvendo métodos contraceptivos cuja responsabilidade do uso cai no colo das mulheres e nunca métodos que eles mesmos podem usar. São eles que se recusam a usar camisinha. São eles que fazem e votam as leis que não permitem a interrupção de uma gravidez indesejada.
São homens que abandonam em massa seus filhos ou exercem uma paternidade de ocasião, não dividem tarefas domésticas, exploram suas mulheres e as deixam completamente sobrecarregadas. São homens que praticam violência sistemática contra mulheres e crianças as deixando sob um regime de completo terror e desamparo.
São homens que fazem — ou não fazem — as leis que deveriam proteger mulheres e crianças. São eles que as aplicam — ou não aplicam. O desamparo da mulher-mãe tem nome e endereço.
Se cada homem cumprisse essa obrigação mínima, no aconchego do seu lar, de fazer apenas e tão somente a sua parte, o fardo da criação já diminuiria imensamente sobre as mulheres. Se cada homem constrangesse outro homem que pratica abandono parental, que agride, que maltrata, violenta, abusa, sequestra, mata sua mulher e seus filhos, se fizessem esse mínimo, mulheres sentiriam-se mais seguras, livres, menos reféns do medo.
Escutem as mães. Escutem o que elas dizem. Quando uma mãe fala sobre sua maternidade e diz que “um sorriso paga tudo”, ou que “não existe felicidade maior”, ela não está só tentando minimizar uma situação que é de sofrimento (embora também), ela está dizendo: “olha, mas há coisas boas nessa experiência a ponto de valer a pena”. Porque mesmo homens, quando efetivamente resolvem assumir para si realmente a criação dos seus filhos, relatam encontrar esse lugar de satisfação emocional.
Não podemos ignorar a dimensão subjetiva da experiência que é a parentalidade, porque no fim, a subjetividade é essa força motriz que nos impulsa enquanto humanidade. Com maternidade compulsória ou sem maternidade compulsória, com socialização ou sem socialização, o fato é que mulheres pariram, parem e parirão ainda por um bom tempo. E essa experiência também é um lugar que oferece recompensas emocionais para muitas e muitas delas.
O que a maternidade precisa é ser retirada desse lugar instrumentalizado. A mulher precisa ser retirada desse lugar de reprodutora de mão-de-obra pro capitalismo, de capataz do patriarcado. Para que uma maternagem menos sacrificante não seja quase um privilegio de classe, onde todas as demandas faltantes no processo de criar um filho são resolvidas por se ter dinheiro.
O discurso da “maternidade real” e todo o discurso que está sendo criado sobre maternidade não está sendo efetivo para construir pontes entre a sociedade no geral e mulheres-mães e principalmente para a proteção das crianças. Que acabam sendo eleitas as grandes culpadas, afinal, elas insistem em nascer e existir. São vistas como pequenas maldições que as mulheres precisam “aguentar”. O discurso de ódio contra crianças na nossa sociedade já é consistente demais para que as próprias mulheres venham engrossar o coro.
Precisamos nomear o problema da maternidade: o problema são os homens. Não são as mulheres, não são as mães, não são as crianças. A maneira como tratamos esse tema só nos leva a um lugar onde mulheres-mães vão sendo cada vez mais isoladas, onde são vitimizadas, ostracizadas, postuladas como “coitadas”. Onde crianças vão sendo vilanizadas, como se elas fossem pequenos gremlins que só suas mães aturam. Como se o problema da maternidade fosse ter que criar essas crianças que são… veja só! crianças! com suas demandas específicas de um ser em desenvolvimento. Como se não houvesse beleza e encantamento nesse processo para quem está envolvido. Como se algumas vezes, no final do dia, realmente um sorriso não pagasse tudo.
Criar crianças, preparar seres humanos para conviver em sociedade (que é afinal do se trata a parentalidade, não?), é uma tarefa de muita beleza e muita dor. Mas essa dor só é tão intensa porque a sociedade para a qual as criamos, e na qual estamos inseridas, é esse caldeirão de injustiça, exploração e caos que vemos todos os dias. Então vamos nos organizar para atacar o problema na sua raiz, que certamente não são as mulheres, ou as crianças, mas sim, como sempre, esse sistema capitalista-heteropatriarcal.
Circulou por aí um texto do palestrante sobre parentalidade Marcos Piangers, orientando que pessoas que não tem condições de criar filhos adequadamente não deveriam tê-los. Como se fosse fácil. Embora a premissa seja bastante correta, valem aí algumas ponderações bastante importantes que foram deixadas de fora.
Bom, em primeiro lugar, é importante destacar que a premissa de que pessoas que não querem se comprometer com a criação de crianças não deveriam ter filhos é tão correta quanto falaciosa. Existe pouquíssima conscientização sobre contracepção, planejamento familiar, os impactos de uma gravidez, e, principalmente, na nossa sociedade a responsabilidade pela contracepção sempre recai 99% das vezes no colo da mulher. Homens estão lá a passeio, só querem usar camisinha sob ameaça de uma escopeta, e aproveitam a primeira oportunidade para chantagear a parceira com o papo de que “agora que estamos num relacionamento sério podemos abrir mão da camisinha”.
E aqui uma informação bacana: nenhum método contraceptivo oferece uma margem de 100% de segurança. NEM LAQUEADURA. NEM VASECTOMIA. O ideal é usar métodos combinados, ou seja, se o homem e a mulher não estiverem ativamente envolvidos na ideia de contracepção, ela pode simplesmente falhar.
Outro ponto importante a ser abordado é como é cruel o argumento de “não tenha filhos se não vai ter tempo”. É o tipo de fala que ignora a realidade da esmagadora maioria da população que trabalha 14 horas por dia e dá graças a Deus porque conseguiu comprar carne moída nas compras de supermercado de mês. E aqui, diga-se de passagem, mais uma vez, as mulheres. Porque elas que são as chefes da família tradicional brasileira. É bastante insensível sugerir que uma mulher que realmente não conseguiu controlar o surgimento daquela gravidez e está se esfolando para criar os filhos, quase sempre sozinha, que ela é culpada por toda a dificuldade que está passando e que “não deveria ter tido filhos”.
Eu até entendo que esse argumento do “não tenha filhos” pode ressoar com alguma razoabilidade para um público que tem dinheiro, esclarecimento, acesso a recursos e para quem a existência de filhos obedece a um planejamento de vida e não a uma consequência quase sempre cercada de desespero de uma relação sexual. E ainda assim isso pode ser discutível porque sabemos que mulheres estão sempre desiguais nas relações. Mas o fato é que ainda estamos longe de ser uma sociedade organizada para o melhor bem-estar de uma criança, desde a concepção, e precisamos pensar isso coletivamente, com políticas sérias de planejamento e suporte a parentalidade e não simplesmente colocando tudo na conta da “escolha” das pessoas. Isso simplesmente não funciona.
Você notou a quantidade de coisas que realmente ninguém diz sobre a maternidade? Quando ainda não temos filhos ouvimos falar da maternidade sempre de maneira distante, romantizada ou ainda de maneira que nos soa sempre exagerada demais para parecer real. E o fato é que parece que há alguns aspectos que ninguém aborda de verdade, que só vamos descobrir quando nos tornamos mães. Vamos ver alguns agora?
1. Não existe nenhuma maneira 100% segura de evitar gravidez
É exatamente isso. Não existe nenhuma maneira completamente efetiva para se evitar uma gravidez. Pílulas, camisinhas, DIU, Diafragma, mesmo vasectomia e laqueadura não oferecem 100% de garantia. Sua melhor opção é SEMPRE utilizar métodos combinados (camisinha + alguma coisa). Portanto não existe muito escolha na maternidade e “só é mãe quem quer” é uma falácia. Se você faz sexo com homens, corre o risco de engravidar. Você pode minimizar a possibilidade ao máximo, até margens bastante seguras. Mas eliminar o risco por completo só abrindo mão de sexo heterossexual.
2. O sistema de saúde não está preparado para atender gestantes
Essa você nem imaginava não é? Mas é mais pura verdade. Ambos os sistemas— publico e particular — são cesaristas e utilizam protocolos obstétricos e pediátricos completamente desatualizados. Isso mesmo. São práticas que não estão exatamente de acordo com as últimas evidências científicas. Muitas técnicas de atendimento utilizadas estão obsoletas ou mesmo condenadas resultando em muita violência obstétrica. E para fugir dessa situação sequer é somente uma questão de ter dinheiro (não à tôa vira e mexe você vê artistas famosas e endinheiradas que caem na conto da cesárea – mas com muito glamour, é claro). Sua melhor opção é se informar ao máximo, pesquisar muito sobre profissionais que atuem por protocolos atualizados, buscar hospitais da rede pública mais humanizados, e aí entra realmente o fator sorte de encontrar atendimento público decente ou poder aquisitivo para pagar algo semelhante ao valor de um rim por profissionais da rede particular. Nesse caso se você tiver boas indicações de profissionais o dinheiro fará diferença. Na média, é tudo bastante aterrorizante porque o atendimento duvidoso começa já no pré-natal e quase sempre só resta a resignação ou passar toda a gestação peregrinando de médico em médico até acertar um.
Prepare o coração e o bolso. Há toda uma indústria focada em vender um sonho de maternidade romantizada que vai tentar extorquir todo o seu dinheiro criando necessidades surreais e rituais desnecessários para o advento do nascimento do seu filho. Você duvidará de si mesma e da sua capacidade de ter e criar essa criança tamanha a quantidade de geringonças e apetrechos que serão empurrados para você. A maioria desnecessária. Mais uma vez você terá que mergulhar por conta própria em busca de informação de qualidade para entender quais costumam ser exatamente as demandas de uma criança, que tipo de criação combina mais com o seu perfil, e exatamente que tipo de coisas você precisa para conciliar isso. E economizar milhões. Você será incentivada e cobrada para fazer books, enxovais, mesversários, chás de tudo que é jeito e caso não sucumba terá a opção de sair de circulação, se aborrecer, ou passar toda a gestação se justificando.
Bem vinda ao mundo dos chá de revelação, meu mundo rosa, meu mundo azul, onde o sexo do seu bebê define tudo, até a cor da chupeta que ele levará na boca e não na genitália. Será impossível comprar qualquer item por mais inofensivo que seja sem responder à inútil pergunta: “é menino ou menina?”, e você será o tempo todo muito bem orientada sobre que tipo de educação que esperam que você dê para sua “princesa” ou para o seu “príncipe” e ai de você se ousar dizer que não vai seguir à risca o manual dos estereótipos de gênero. Resistir a essa pressão é uma tarefa difícil, solitária e bastante aborrecida porque todo o sistema da nossa sociedade hoje parece obcecado em dividir o mundo em coisas de menino e coisas de menina e decidido a não deixar os mundo se misturarem.
5. Você se sentirá infeliz, sozinha e abandonada após parir
Você se sentirá assim e essa percepção será real. Porque as pessoas em geral abandonam mesmo as mulheres assim que elas têm seus filhos. Depois que a parte da curiosidade social cessa mães ficam confinadas com os bebês largadas à própria sorte enquanto a vida de todos continua. Inclusive — na maioria das vezes — do pai do bebê. Muitos amigos se afastarão porque não saberão como se encaixar nessa nova fase da sua vida. As amigas que já são mães estarão envolvidas nos seus próprios problemas, que são muitos. Se você trabalha vai sentir culpa e alívio ao término da licença-maternidade. Culpa porque uma parte de você vai querer estar ali para o seu bebê. Alívio porque você não aguentava mais o confinamento e estava ansiosa para voltar a sua forma humana. Aliás, culpa e alívio serão sentimentos conflitantes que te acompanharão para sempre em relação aos seus filhos.
6. O seu corpo vai mudar para sempre e talvez você nunca mais se aceite
Você receberá pressões absurdas em relação ao seu corpo. O seu corpo “perdido”. Você mal terá saído da maternidade e já estarão te cobrando para que você tenha seu corpo “de volta”. Vão querer enfiar você em uma cinta quando você ainda estiver tentando encontrar uma posição para sentar após o parto. Vão te pressionar a fazer exercícios quando você mal consegue dormir. E vão fiscalizar o que você come. Talvez a única alegria que você tenha nesse momento da sua vida: comer. Exceto que o seu corpo agora é esse mesmo. Diferente do que era antes. Seu. Mas como somos criadas em uma cultura que valoriza mulheres somente pela sua aparência e uma aparência que é adequada a um padrão cruel e impossível de ser alcançado, talvez você nunca mais goste completamente do que vê. Não por culpa sua. Não porque o seu corpo não é bom. Mas porque a sociedade e a indústria da beleza que está sempre pronta para arrancar o seu dinheiro estarão sempre ali à postos, te cobrando e fazendo você lembrar das estrias e da flacidez ou de qualquer outra coisa que não deveriam ter importância nenhuma, afinal, pelo amor da Deusa, você está ocupada tentando manter um bebê vivo. O corpo do pós-parto, que é um corpo renovado porque fabricou um ser-humano deveria ser motivo de orgulho para cada mulher. Deveria ser não, é.
Essa é uma constatação muito dura. Depois de ter filhos, até que eles se tornem adultos, você nunca mais poderá se dizer independente. No sentido de que sozinha você não tem como dar conta de cuidar dos filhos, de si e do seu sustento ao mesmo tempo então você sempre estará dependendo de alguém. Independente da sua situação financeira. Você dependerá de um parceiro que cumpra sua parte como pai e alivie sua carga de trabalho te liberando para fazer outras coisas. Caso não exista esse parceiro você dependerá da ajuda de amigos ou familiares. Caso tenha dinheiro você dependerá da ajuda de mão-de-obra terceirizada. E é dependência mesmo, porque mesmo que você tenha um caminhão de dinheiro, você precisa que os profissionais cumpram a sua parte ali no acordo, já que você não pode simplesmente deixar a criança sozinha amarrada no pé da cama com um pote de ração do lado. Sua relação com o emprego vai mudar, porque você sabe que a inserção de mulheres-mãe no mercado de trabalho é muito mais difícil então talvez você se submeta a situações que nunca se submeteria caso não tivesse filhos. Porque antes era só você e você se virava e talvez passasse o dia só com um sanduíche de pão com manteiga na barriga. Mas agora você tem filhos e você não quer que eles tenham apenas uma refeição diária. Você se sentirá vulnerável e com o peso do mundo em suas costas e é um sentimento acertado. O Estado não oferece apoio para as mães pobres, para as mães trabalhadoras, os companheiros quase nunca cumprem seu papel de pai e marido como deveriam (isso quando estão lá), e é isso, por mais que você tenha rede de apoio você terá que aturar muita coisa simplesmente porque agora você tem um filho sob sua responsabilidade e isto te deixa vulnerável.
8. O seu relacionamento vai mudar, não necessariamente para melhor
O seu relacionamento com seu parceiro vai mudar. Este é um fato irrevogável. Pode ser para a melhor e pode ser para a pior. O seu companheiro pode simplesmente não dar conta da ideia de ser pai e ir embora. Ele pode agir feito uma criança e querer continuar te fazendo cobranças que você não tem como corresponder — como muito sexo por exemplo — e usar isso como desculpa para te trair. Ele pode fingir que nada está acontecendo e continuar com a mesma vida de sempre enquanto você está afogada em um turbilhão de mudanças e completamente sobrecarregada com as novas tarefas. Ele pode abraçar o projeto com você, como deveria ser, e tornar sua vida mais fácil e até prazerosa e juntos vocês se descobrirem mais fortes e unidos. Mesmo assim será difícil: vocês não terão mais tanto tempo um para o outro. Você sentirá falta de como vocês costumavam ser. Você se sentirá carente muitas vezes. Você pode não sentir mais vontade nenhuma de estar com ele. Ou pode levar muito tempo para vocês se reencontrarem. Esta não é uma situação permanente porque crianças crescem. E uma vez que elas estejam mais autônomas a vida vai voltando pro lugar. Mas é preciso muita maturidade para lidar com esse período e essas mudanças. Um filho pode ser uma oportunidade para que um casal cresça junto e a melhor opção é desde a gestação o casal conversar muito sobre as expectativas, procurar ouvir outros casais, chegar num entendimento de como vai ser a vida que os espera, saber que terão aí pelo menos uns 5 anos pela frente em que uma criança será o centro de tudo até que vocês possam voltar a uma rotina mais ou menos própria. Filhos são uma nova fase no relacionamento, o que essa nova fase vai reservar muitas vezes é uma caixinha de surpresas.
9. A maternidade é a arte de conciliar contradições internas e nem todos os sentimentos são publicáveis
Com a maternidade você vai se deparar o tempo inteiro com sentimentos contraditórios dentro de si, nem todos publicáveis principalmente porque existe uma romantização muito grande que fará você se sentir culpada por boa parte dos seus sentimentos. Mas acredite, todas as mulheres sentem-se assim. Só que algumas reconhecem os sentimentos de si, outras não. E quase todas negam. Para si mesma e com os outros. A vontade de estar sempre junto ao filho, a necessidade de estar sozinha. O amor despertado pela presença da criança e pela nova vida que isto representa, a saudade da vida antiga onde não tinha tanto perrengue. A raiva por ter que se submeter a tanta coisa por causa da criança, a culpa por sentir raiva sabendo que a criança não tem nada a ver com isso. Transitamos o tempo todo entre o amor e a dor, com muita culpa causada por um sociedade que responsabiliza mães por tudo, romantiza maternidade e não nos dá nenhum apoio. Seja generosa consigo mesma nesse processo e saiba que todos os seus sentimentos são perfeitamente legítimos. Reconhecer os próprios sentimentos é uma estratégia importante para não transferir para os filhos (e puni-los) por algumas frustrações — que sim são recorrentes — com relação ao que a vida se tornou em função da difícil vivência da maternidade. Porque fato é nisso tudo que mulheres não tem culpa nesse processo, mas as crianças muito menos. E nessa equação mãe-filho, os filhos são os vulneráveis.
Pois é. Isso é algo que você só descobre realmente depois que tem filhos. Na prática ninguém liga para mulheres e crianças e há inclusive um sutil discurso de ódio em uma sociedade que é movida pela cultura do estupro e da pedofilia e profundamente adultizada e etarista. Mulheres precisam de uma lei que as proteja para que possam amamentar seus filhos em paz onde necessitarem. Quantos equipamentos sociais existem que são adequados para receber mães com seus filhos? Transportes, áreas de lazer, restaurantes? Sair com crianças na rua é uma verdadeira operação de guerrilha. Se você não estiver bastante atento algo realmente sério pode acontecer com ela porque esta não é uma sociedade em que você transita sentindo-se acolhida sabendo que a comunidade toda do entorno está zelando pelas suas crianças. Ao contrário, a comunidade é predadora e pode roubar o seu filho e vendê-lo na deep web. Tudo é pensado para receber pessoas adultas. Pessoas adultas essas que ainda torcem o nariz para crianças e pressionam os pais a discipliná-las inclusive violentamente para que “se comportem”, leia-se, para que não se comportem como crianças no espaço público. O discurso da sociedade em relação a crianças é autoritário, estimula a agressividade como forma de disciplina. Pais são incitados a uma síndrome de pequeno poder e muitos se tornam pequenos ditadores em relação aos seus filhos. Onde a “imposição de limites” é a desculpa para a violência. A criança nasce e rapidamente começa um esforço para que ela se torne adulta sob a falácia do “tornar-se independente”. O bom filho é o filho independente. O que significa isso afinal? Precocemente crianças são treinadas para fazer tudo sozinhas, dar o menor “trabalho” possível, se tornarem produtivas. Se tornarem adultas. E as mães, capatazes do patriarcado, seguem nesse baile. Igualmente desprezadas.
Precisamos conversar abertamente sobre os impactos da maternagem sobre as mulheres, só assim teremos condições de pensar políticas de apoio que sejam verdadeiramente eficientes e libertadoras.
Você sabe o que é maternidade compulsória? Você consegue separar, no seu imaginário sobre maternidade, o que é uma necessidade sua e o que é socialização, pressão social, necessidade de adequar-se? Difícil, não é? A ideia de que somos completas apenas se parirmos, que a maternidade é sagrada, que a mulher é cuidadora, que bebês são criaturas angelicais entre outros é uma coisa tão enraizada que dificilmente conseguimos discernir quais são nossos desejos legítimos em relação a maternidade e o que é uma projeção social sobre como nós deveríamos nos sentir. E esse fenômeno, que acontece com absolutamente todas, tem nome e função: é maternidade compulsória que serve a nos manter reféns de um sistema de exploração reprodução reprodutiva.
O que significa dizer que a maternidade é “compulsória”?
Compulsórioé um adjetivo com origem no Latim compellere, que significa “levar a um lugar, levar à força” — palavra formada por com-, que quer dizer “junto” e pellere, que quer dizer “guiar, levar”. O significado de “compulsório” é entendido como algo que obriga ou compele a fazer alguma coisa. Compulsório é aquilo em que há obrigação ou possui caráter obrigatório (…). Compulsório é toda força interna ou externa a uma pessoa que impele a realização de alguma coisa — o termo é mais usado para se referir às forças de ação externa, se tornando a qualidade daquilo que é feito obrigatoriamente.
O termo compulsório vem da mesma raiz que a palavra compulsão, algo imposto ou mesmo que deve ser cumprida forçosamente ou obrigatoriamente, sendo também uma tendência interior enorme por fazer algo, como, por exemplo, a compulsão por comida.
Quando usamos o termo “maternidade compulsória” para definir como a maternidade se apresenta para as mulheres estamos literalmente falando de “maternidade obrigatória”. Estamos dizendo que toda mulher é “obrigada” a ter filhos. E isso acontece de maneira subjetiva, através da nossa socialização e de maneira bem objetiva, pela impossibilidade de mecanismos que eficazmente impeçam mulheres de engravidar.
A impossibilidade de evitar uma gravidez — o jeito objetivo
A única maneira de uma mulher evitar ter filhos é usando algum método anticoncepcional. Essa possibilidade coloca todo o peso da contracepção nas costas da mulher, visto que a maior parte dos métodos foram desenvolvidos para ela utilize. Homens não foram socializados para se preocupar com a paternidade. Isso faz com que se excluam completamente do processo de contracepção. São ensinados que isso é uma responsabilidade exclusiva da mulher se abstendo de se prevenir contra gravidezes indesejadas. Se houver alguma falha, ele a culpa e simplesmente vai embora. E pior, a mulher costuma internalizar essa culpa por acreditar que realmente era dever exclusivo dela evitar a ocorrência de uma gestação. O que essa mulher não sabe é que é simplesmente impossível evitar sozinha que uma gravidez aconteça, não existe nenhum método que ofereça a ela, isoladamente, uma margem total de segurança.
Mulheres não aprendem a conhecer o próprio corpo, o seu ciclo hormonal, a entender como funciona seu sistema reprodutivo, saber quando estão ovulando. Tampouco existe informação de qualidade sobre todos os métodos contraceptivos disponíveis, seus prós, contras, eficácia, custo, efeitos adversos, forma de utilizar. O mais comum é que mulheres comprem pílulas anticoncepcionais por conta própria, ou recebam uma prescrição à revelia do ginecologista (que tampouco costuma fazer exames ou investigações mais detalhadas). E isso falando da assistência particular e de mulheres minimamente mais informadas e de maior poder aquisitivo.
O SUS distribui um número relativamente variado de métodos contraceptivos como pílula, diafragma e DIU, mas a distribuição esbarra, mais uma vez, na desinformação sistêmica. Apesar dos métodos estarem acessíveis não há orientação eficiente de como utilizá-los. Dificilmente o tema do controle reprodutivo e do planejamento familiar é abordado corretamente nas escolas, sensibilizando os jovens para a importância do seu uso correto, e para o conhecimento do funcionamento do próprio corpo.
Muitas mulheres também simplesmente não sabem que não podem ou não devem tomar remédios a base de hormônios que são os mais acessíveis. Esses remédios afetam profundamente como o organismo feminino funciona trazendo muitas vezes alterações significativas e desconfortáveis, além de casos em que o uso representa risco de doenças graves.
Além do mais, nenhum método contraceptivo existente, usado isoladamente, oferece 100% de eficácia. Nenhum. E mais, os métodos mais comuns de prevenção, a saber: pílula, camisinha, coito interrompido possuem taxas significativas de falha. Significativas.
Nos métodos cirúrgicos, que oferecem a melhor taxa de sucesso (mas não 100%, ou seja, nem vasectomia, nem laqueadura são completamente seguros), o atendimento público é demorado e burocrático. Para conseguir a esterilização cirúrgica pelo SUS é necessário ter mais de 25 anos de idade, ou, no mínimo, dois filhos nascidos vivos. O SUS também exige que um prazo de 60 dias seja respeitado entre a manifestação da vontade de operar e o ato cirúrgico em si e — a cereja do bolo — a autorização expressa do cônjuge (caso exista) para que a esterilização aconteça. A outra alternativa a isso é pagar pelo menos R$ 5000 reais por uma laqueadura em um consultório particular.
Na prática, a maneira mais segura para evitar filhos é usar métodos combinados de barreira física, hormonal ou cirúrgica, ou seja: camisinha + pílula, camisinha + diafragma, camisinha + laqueadura + tabelinha. Camisinha sempre. Até porque você não quer engravidar, tampouco pegar alguma doença sexualmente transmissível.
E aí começa outro problema: desde quando homens estão dispostos a usar camisinha? Homens fazem de tudo para a mulher “começar a se prevenir” para que eles possam se livrar da responsabilidade do uso do preservativo. Fazer um homem usar camisinha numa relação estável é quase motivo para crise, é “prova de desconfiança”. E essa cultura que responsabiliza completamente as mulheres pela contracepção é de uma crueldade sem tamanho visto que é impossível para a mulher realizar essa tarefa sozinha. E quando ela “falha”, é culpabilizada e o filho é visto como uma punição social por causa do “erro” que cometeu, afinal “quem mandou abrir as pernas?”, “quem mandou não se cuidar?”.
E os homens são completamente excluídos dessa equação porque eles não são educados para assumirem responsabilidade sobre filhos, eles são educados para fertilizar mulheres, para “comer todas”. A função do homem é fazer sexo com o maior número de mulheres possíveis. A função das mulheres é parir e cuidar desses filhos. Essa é a armadilha que o patriarcado cria para nós.
E para completar o ciclo de impossibilidades, o Brasil é um dos países com a legislação mais rígida em relação ao aborto, que só é permitido, até a 12ª semana, em caso de estupro ou riscos de vida para o feto ou a gestante. Isso é sobre obrigar mulheres a serem mães, custe o que custar.
A socialização para a maternidade — o jeito subjetivo
Quando a menina nasce, um dos seus primeiros brinquedos (senão o primeiro) é justamente uma boneca, com quem vai realizar suas primeiras brincadeiras, possivelmente imitando sua própria cuidadora. Todas as pessoas em volta dessa criança vão se referir a essa boneca como “a filhinha dela”. Todas as pessoas vão se referir a essa menina como “mãe” dessa boneca. É a primeira função que é ensinada para uma criança do sexo feminino, pouquíssimo tempo depois dela nascer.
Dificilmente essa menina vai ver seu próprio pai dispensando tantos cuidados com ela quanto sua mãe. E ainda que seus pais não sejam os principais cuidadores muito certamente ela estará sob os cuidados de uma mulher: a avó, uma tia, as crecheiras. Se ela tiver irmãos homens, verá que eles brincam com carrinhos, bolas e nunca, ou quase nunca, são referenciados como “pai” de qualquer coisa. Muito menos de uma boneca.
Essa menina vai crescer e nos contos de fada verá que a princesa é feliz quando se casa e tem filhos com o príncipe. Ela assistirá desenhos, novelas, filmes, e em todos eles o final feliz envolve o casamento e uma barriga gestante. Vai ver por aí que entre a carreira e a família a mulher deve escolher a família. Que uma mulher bem-sucedida sem marido e filhos é infeliz. Que uma mulher solteira sem filhos está perdida, carente, desesperada.
Ela vai ouvir que a maternidade é sagrada. Que esse é o maior e mais verdadeiro amor do mundo. Que uma mulher só está completa quando tem filhos. Verá as mulheres adultas ao seu redor engravidando e festejando em público enquanto choram suas dores, dificuldades e frustrações no privado. Verá essas mulheres serem tratadas de maneira “diferente”, “especial”, por estarem grávidas e ingenuamente passará a acreditar que ser mãe realmente sacraliza. Ela será estimulada a superhomenagear a própria mãe, por sua “bravura”, “dedicação”, “cuidado”, “carinho” e será sutilmente orientada a não se importar com os atos negligentes e omissos do pai. Ela aprenderá que “mãe é mãe”, que “ser mãe é padecer no paraíso”, que “mãe é sagrada”, que “ser mãe é um dom divino”. Verá as pessoas adultas ao seu redor criticando o tempo inteiro as “mães negligentes” e começará a acreditar que a maior virtude de uma mulher é ser uma boa mãe.
Essa menina vai crescer e apesar de em toda parte ela ser bombardeada com o imaginário romântico do amor, da paixão, do casamento e da maternidade, dificilmente ela será orientada sobre sua sexualidade. Crescerá com pouca ou nenhuma informação de qualidade sobre sexo, vida sexual, relações afetivas, métodos contraceptivos, consentimento. E não, não é “todo mundo sabe disso hoje em dia” porque não se trata de saber como bebês são feitos. Se trata de conversar abertamente com essa menina sobre como são os relacionamentos heterocentrados. Sobre como os homens agem e como se proteger de verdade. Sobre conhecimento concreto e domínio sobre o próprio corpo.
Talvez essa menina ultrapasse a adolescência sem engravidar porque adiou o início da sua vida sexualmente ativa, talvez porque tenha introjetado tanto pavor de ter filhos antes de “estar preparada” que seja absolutamente rigorosa com métodos anticonceptivos. Ela vai chegar na vida adulta, ansiará por um relacionamento estável e uma vez nele começará a ser cobrada para ter filhos. Ela mesma dirá que está sentindo o seu “relógio biológico”.
Entenda: relógio biológico não existe. O nome disso é socialização. É uma vida inteira sendo ensinada, sendo doutrinada por todos os lados para a função da maternidade. Onde está o relógio biológico masculino? Está quebrado?
Mesmo que a mulher não se case, com o passar do tempo ela será cobrada para ter um filho. “Se não quer engravidar, então por que não adota?”. Não importa como, ela DEVE se tornar mãe. Nem que seja mãe de um pet. Uma vida inteira de doutrinação para que ele cuide e ame incondicionalmente outro ser humano não passam em branco para nenhuma mulher. E ela será levada a acreditar que toda mulher sem filhos possui um vazio existencial, uma vida sem propósitos, uma velhice infeliz e solitária.
E mais, mulheres ainda são levadas a acreditar que estão escolhendo esse destino, da maternidade, que realmente escolheram engravidar, ou falharam ao não se prevenir, e não são levadas a refletir sobre o que realmente constitui fazer uma escolha.
No entanto, perceba, escolher algo pressupõe eleger entre duas ou mais opções de peso equivalente, fazendo valer critérios pessoais de satisfação pessoal. Dessa forma, escolher entre entregar a carteira ao assaltante ou morrer, não é escolha. Escolher entre passar fome ou aceitar um subemprego também não. Outro cenário ilustrativo: Você entra na sorveteria, você quer sorvete, tem vários sabores. Todos parecem saborosos. Você indica que quer o de chocolate. Fez uma escolha.
Agora, se, hipoteticamente, você passou a sua vida inteira ouvindo que sorvete de chocolate é que é o melhor, que você só deveria ser tomar sorvete de chocolate e que se você não tomar sorvete de chocolate é uma péssima pessoa, que você só será uma pessoa completa quando tomar sorvete de chocolate. Se você fosse repudiada ao dizer que quer tomar um sorvete de outro sabor… será que poderíamos afirmar que tomar sorvete de chocolate é um desejo legítimo seu? Que é algo que você realmente quer e que está escolhendo?
Mulheres são induzidas o tempo inteiro a acreditar que estão realmente no controle de suas próprias vidas. Naturalizam toda pressão e toda a opressão que sofrem desde o nascimento. Vivem tão completamente submergidas num estado de permanente coação que sequer conhecem ou reconhecem uma situação em que possam realizar escolhas legítimas sobre si mesma. E essa falácia liberal da escolha é importante para manter mulheres permanentemente culpadas por tudo que acontece em suas vidas e para que não reconheçam quem é o verdadeiro responsável: o sistema machista e patriarcal em que estamos inseridas.
É possível dizer que aquela mulher que passou toda sua vida ouvindo que ser mãe é o ápice da própria existência; que cresceu vendo todos os modelos de como uma mulher deve ser necessariamente passando pela experiência da maternidade como redenção; que sabe que vai ser repudiada, questionada, criticada caso recuse a ideia de ser mãe; realmente escolheu gestar? Com todo o cenário que envolve a questão da maternidade, é possível separar o que é realmente desejo pessoal pleno do que é socialização para ser mãe?
Escolher pressupõe opções equilibradas. Quando as opções são ser uma pária social ou ceder a toda a pressão que a mulher sofre desde o nascimento é escolha? Quando as possibilidades disponíveis para garantir que a escolha de não ser mãe não são cem por cento seguras, quando não há NENHUM dispositivo que realmente impeça uma gravidez, quando não é possível interromper uma gestação não planejada, a maternidade é uma escolha?
Quantas mulheres realmente podem se dar ao luxo de sentir que escolheram ser mães? Que não se sentiram pressionadas pela família, pelo companheiro, pelo tal “relógio biológico”? Que não foram impelidas a alcançar o pseudo status de importância e “divindade” que atribuem às mães? Mulheres que engravidaram por estarem completamente mal orientadas sobre o funcionamento do próprio corpo, dos contraceptivos disponíveis e que carregavam sozinhas o fardo da contracepção que FALHA se não for realizado pelo casal conjuntamente?
Mulheres não “escolhem” ser mãe. Isto é imposto como o único destino digno possível para a vida delas. E um dia elas simplesmente atendem a essa profecia auto-realizável. Seja conscientemente ou não. Isso é maternidade compulsória. O que é facultativo, na nossa sociedade, é a paternidade.
Nenhuma mulher tem um corpo que é só seu. Quando nascemos mulher a demarcação do nosso corpo como um objeto de beleza e apreciação (não admiração) é uma coisa completamente naturalizada. A partir do momento em que o médico informa nosso sexo feminino aos nossos pais, todo um arsenal começa a ser providenciado para que nos apresentemos à sociedade sempre bela e recatada. “Sexy sem ser vulgar”.
Quando somos recém-nascidas, nossas orelhas são perfuradas, a despeito da dor, do desconforto, da nossa incapacidade de expressar consentimento, porque precisamos rapidamente informar ao mundo que somos meninas.
Pré-púbere, o corpo feminino já está “pronto” para ser rifado e impiedosamente é empurrado a se apresentar como “feito”, sexualizado. A sensualidade precoce é glamourizada, cobiçada (“novinha”, “ninfeta”, “Lolita”). E as adolescentes sofrem, adoecem, se mutilam, se suicidam, caso não se encaixem no padrão imposto de como devem se parecer: “bonita”. Essa característica que toda menina aprende que é a principal qualidade de uma mulher, o seu grande atributo e atrativo. O principal (e muitas vezes único) elogio que uma mulher recebe na vida.
Ser “bonita”. Que quer dizer, na verdade, ser um objeto sexualmente atrativo para outros homens.
Por toda a vida, a mulher aprende que o próprio corpo não lhe pertence. Que ele existe para atender expectativas das outras pessoas. Da sociedade. Dos homens. E ela paga, literalmente, um preço alto por essa aceitação social. Para se adequar ao que é considerado correto sobre como uma mulher deve parecer. Todas ou quase todas as intervenções que são feitas rotineiramente no corpo feminino envolvem algum nível de dor, desconforto, privação, custo financeiro, tempo: manicure, pedicure, tratamento facial, tratamento corporal, maquiagem, depilação, tratamentos capilares, tinturas, dietas, preenchimentos diversos, enchimentos, implantes. Um cardápio diversificado de cirurgias plásticas estéticas: na face, seios, barriga, pernas, nádegas, mãos, pés, vagina. Nenhuma parte do corpo feminino está livre de policiamento.
Somos doutrinadas para agir assim, achar normal, achar que é “porque gostamos”, “porque queremos”. Estar “bem”, na verdade é estar “bela”. E não suportamos a ideia de não sermos bonitas o bastante. Nossa estima é construída em torno disso. Para delírio do mercado. Que tudo vende para alimentar essa necessidade construída. Vivemos o eterno dilema entre a repulsa por sermos objetificadas e a necessidade de sermos queridas. Sendo que não há aceitação possível para uma mulher em uma sociedade machista como a nossa que não passe pela objetificação de seu corpo.
E o que acontece quando a mulher engravida? Quando esse corpo, que a sua vida inteira não lhe pertenceu de fato, se transforma radicalmente e sua principal função, pelo menos temporariamente, muda? O que acontece com a mulher quando deixa de ser prioritariamente um objeto de consumo sexual para ser um corpo que gesta outro?
Note que apesar da função do corpo feminino mudar com uma gestação, a tutela não cessa. Só se reconfigura. Toda a sociedade se encarrega de vigiá-la para que se cumpra as regras implícitas que estão muito bem demarcadas para a maternidade. O que vestir, o que comer, como se sentir, como se comportar, o que comprar. Já está tudo pré-definido, assim como os limites até onde ir: o quanto engordar, como não adquirir estrias, ou manchas. E esse corpo que gesta também não é só da mulher. Ele é um binômio mãe-bebê. Indissociável. Um duplo.
Mas então finalmente o bebê nasce. E o corpo é devolvido à mulher. Irreconhecível, transformado. Que nunca mais será como foi. Um híbrido que não tem mais a função da gestação e tampouco um corpo que atende ao padrão de objeto sensual.
O corpo depois dos filhos é outro. Que pode ter diástase. Barriga. Estrias, flacidez, manchas. Que pode ter cicatrizes. Seios diferentes. Que ostenta as marcas da batalha da gravidez.
A sociedade rejeita e repele esse corpo novo. O que vemos nas revistas, sites, televisão, são mulheres que parecem as mesmas de antes de engravidarem. Como se nunca tivessem parido. A pressão para recuperar o corpo “perdido” é absurda e as mulheres vivem um verdadeiro luto por conta da “perda” desse corpo. E são estimuladas a terem asco de si mesmas após o parto ao invés de ficarem maravilhadas com sua própria biologia e o que ela é capaz de realizar.
Mas esse tal corpo “perdido” que era destinado a ser apreciado e sexualmente desejável pertencia de fato à mulher? A quem se destina tantos rituais de feminilidade e beleza? Para agradar a quem? Para o olhos de quem? Precisamos mesmo disso?
E se nesse caminho entre uma coisa e outra, em meio a barriga flácida, as marcas, as olheiras, os seios inchados. E se nesse momento em que não se tem mais tanto tempo para se ocupar dos rituais de feminilidade, talvez (e repito, apenas talvez) haja uma janela de oportunidade para repensar a relação com o próprio corpo? De se reapropriar de si mesma? Nem que seja por esse instante? Não é pouca coisa, numa vida inteira de objetificação.
O corpo do pós-parto é um corpo transgressor que grita aos quatro cantos que aquela mulher gestou uma vida. É um corpo que deveria ser orgulhoso e não envergonhado. Reapropriado, onde cada marca, cada dobra tem uma memória que é só sua. Metamorfoseado.
Mulher, esse corpo é teu. Orgulhe-se dele. É um corpo que fez outro ser humano das suas próprias células. Que acomodou no ventre um bebê em crescimento pleno de si, o alimentou, o aconchegou e o pariu. Não percebe como isso é fantástico? Como não amar esse corpo? Como não achar isso belo?
Não vamos seguir deixando que os homens nos validem segundo seus desejos. Nós não somos meros objetos de apreciação estética. De desejo sexual. Nossos corpos tem valor para além dos padrões de beleza. Sim, é muito difícil romper com isso. Mas podemos tentar fazer isso por nós mesmas. Nos emancipar da validação masculina é tomar nosso corpo de volta.
Dicas importantes sobre amamentação, reunidas especialmente para você, com um compilado do principal que você precisa saber.
1. O leite não desce imediatamente
O primeiro líquido que vai sair do seu peito (e que já pode estar saindo desde o final da gravidez), na verdade se chama COLOSTRO. Ele é um líquido rico em anticorpos e leucócitos, vitamina A, que protege contra infecções e alergias, previne doenças oculares, entre muitos outros benefícios. O colostro também é laxante e ajuda o bebê a expulsar o mecônio e a prevenir icterícia. É importantíssimo pro sistema imunológico do recém-nascido e funciona como sua primeira “vacina”.
aspecto do colostr
2. A apojadura é dolorida
O colostro continua a ser secretado até mais ou menos 3 dias após o parto e durante esse período acontece a APOJADURA: a preparação da mama para a produção efetiva do leite, com a dilatação de toda sua estrutura. É normal, nesse período, haver alguma dor e desconforto, e as mamas ficarem inchadas e quentes. É importante não confundir os sintomas da apojadura com a mastite que evolui para um quadro infeccioso de febre alta e dor intensa ou empedramento das mamas.
3. É normal o bebê chorar desesperamente
Em até 3 dias, com a apojadura, o leite começa a descer. É normal o bebê chorar desesperadamente, não é fome. É adaptação ao planeta-terra mesmo. Também é normal que o bebê acorde toda hora para mamar. Não é porque você não está produzindo leite o suficiente e sim porque o estômago dele ainda é muito pequeno e ele precisa mamar aos poucos, muitas vezes. Não há necessidade de complementar o leite.
o tamanho do estômago do bebê
4. O formato dos mamilos não interfere na amamentação
A apojadura pode ser um processo desconfortável e a abertura dos poros do mamilo na descida do leite também pode ser dolorida. O formato dos mamilos não interfere na amamentação, o bebê não abocanha o mamilo e sim a auréola inteira. Se o seu bebê estiver abocanhando somente o mamilo significa que a pega está incorreta e isso pode machucar o seu seio.
5. Procure ajuda se a amamentação demorar a se estabelecer
Se APÓS esse período de até uns 3 ou 4 dias a apojadura não ocorrer ou você sentir que a produção do leite não estiver se estabelecendo é recomendável que se procure ajuda especializada. O ideal seria ter acesso a consultores de amamentação, mas na falta destes, pediatras que tenham uma conduta primeira de apoiar o aleitamento podem ajudar. No geral, é uma questão de checar se a pega está correta, se o bebê está mamando em livre demanda, se o bebê consegue sugar bem e seu reflexo de sucção está bem estruturado. Toda mulher, quando bem orientada, tem possibilidade de amamentar, mas SIM, há mulheres que tem dificuldade para produzir seu leite por n fatores sejam físicos, emocionais e psicológicos. Mulheres que não conseguem produzir leite existem e precisam de orientação, apoio e acolhimento.
6. Amamente em livre demanda
O que vai ajudar no sucesso do estabelecimento da amamentação é a orientação sobre como o processo funciona, para que se tenha calma para passar pelos primeiros dias. Há diversos grupos de apoio na internet com diversas informações. É uma adaptação muito difícil, de muito choro do bebê e da mãe, dor, desconforto, insegurança e descobertas. O ideal é que a mãe tenha sossego para ficar com a cria amamentando em livre demanda. Sem horários, sem restrições de tempo. É o bebê amamentando que dá o “sinal” pro seio que ele tem que produzir leite. Quanto mais ele sugar, mais chance da produção engrenar. Então estabelecer horários para mamadas não é uma boa recomendação.
7. Observe se a pega está correta
Outro segredo fundamental para estabelecer uma amamentação bem sucedida é a pega. Uma mamada eficiente acontece quando o bebê consegue sugar adequadamente o seio. Se isso não ocorre o bebê pode ficar lá pendurado por um longo tempo mas não estar se alimentando direito. Aí o choro continua e a mãe entra em desespero achando que seu leite está “fraco” ou é insuficiente. Outro problema da pega inadequada é o risco de fissuras e hipersensibilização do mamilo, causando dor, sangramento e muito sofrimento para a mulher continuar a amamentação.
8. Busque posições confortáveis para amamentar.
Bebês não nascem sabendo realizar a pega. Cabe à mãe observar e corrigir sempre que necessário puxando o queixo da criança levemente para baixo para que ela se encaixe corretamente no seio. Também é importante observar uma posição que facilite a pega para o bebê e permita que a mãe fique confortável. Você vai passar bastante tempo fazendo isso.
9. Cuidado com mastite e empedramento
Nos primeiros meses (os 3 primeiros aproximadamente) da amamentação o nosso corpo ainda não sabe que quantidade de leite deve produzir. Por isso é comum os seios ficarem cheios e transbordando e o excesso de leite pode causar episódios de mastite e empedramento. É importante manter a atenção sobre isso e observar para que as mamas sejam sempre esgotadas. Em caso de início de empedramento, massagens e jatos de água fria ajudam a reverter o processo.
10. É normal o seio murchar depois de um tempo
Depois dos primeiros 2 ou 3 meses o peito automaticamente ajusta sua demanda ao que o bebê precisa e passa a produzir o leite à medida que o seio é sugado. É normal, portanto, que os seios desinchem e as mães tenham aquela primeira impressão de que “o leite secou”, mas isso não aconteceu. O leite continua sendo produzido, só que agora em um processo automático quando o bebê suga.
11. O indicador da amamentação eficaz é o peso do bebê
O melhor indicador se a amamentação está bem sucedida é o ganho de peso de peso e o crescimento do bebê. Isto se acompanha com visitas mensais ao pediatra que vai pesar e medir a criança. Peça para anotar a evolução na própria caderneta de vacinação que possui uma tabela de curva de peso e crescimento. O importante é que essa curva apresente crescimento contínuo, mesmo que discreto.
12. O jeito do beber mamar muda
Bebês passam por mudanças que tem a ver com o próprio desenvolvimento que afetam o jeito que dormem, que se alimentam, podendo ficar mais demandantes ou até simplesmente quererem deixar de mamar.
13. A mãe não precisa fazer restrição de nenhum alimento
Não há nenhuma pesquisa conclusiva que indique a necessidade de restrição alimentar durante o período de amamentação. Afirmar que determinados alimentos causam gases ou cólicas no bebê é bastante inconclusivo e rodeado de mitologia. Os únicos casos indicados de dieta para a mãe são no caso do bebê apresentar alguma alergia como no caso do APLV.
14. Não precisa beber mais água do que tem vontade
Amamentar dá muita sede e o principal elemento formador do leite é água, mas a mulher não precisa se obrigar a beber água para além da sua vontade. Também não há nenhum estudo conclusivo que indique que o aumento do consumo de água ou chás interfira no aumento da produção do leite.
15. Sossego e tranquilidade são importantes
Por outro lado, o estado psicológico/emocional da mãe pode sim afetar a amamentação. Mães em DPP precisam de amor, atenção e apoio reforçado para passar por esta etapa.
16. Mamar também é amor
Para o bebê, mamar não tem só aspecto nutritivo, mas também emocional e afetivo e é normal que peçam peito por outras coisas que não fome, como medo, dor, angústia, consolo, etc. Não é “manha”, é o recurso que eles para autoregular-se.
17. O leite é o principal alimento até o 1 ano de vida
Até o 1º ano de vida o leite materno é o principal alimento do bebê. É normal que ele ainda queira mais mamar do que comer.
18.O desejado é que se amamente até os 2 anos de idade
A OMS recomenda aleitamento exclusivo até os 6 meses de idade do bebê e complementar até os 2 anos.
19. Amamentar cansa
Amamentar é exaustivo e sacrificante. É normal, às vezes, ficar de saco cheio.
20. Cuidar de um bebê é um ato de amor. Amamentar é nutricional.
E o mais importante: cuidar de um bebê é um ato de amor, amamentá-lo é um ato nutricional que sim, também envolve muito amor, ou não. Há mulheres que amamentam (porque querem e conseguem) e fazem com muito prazer, outras fazem detestando profundamente a tarefas. E há mulheres que não amamentam, conscientes da sua decisão, e tudo bem por isso também.