Dos limites do tal limite
Precisamos falar dos limites do tal limite pelo qual adultos são tão obcecados em impor. Para crianças especialmente. “Tem que ter educação”, “tem que obedecer”, “tem que saber que lidar com o não”.
Crianças têm que atender expectativas que nem mesmo adultos conseguem corresponder.
Eu quero muito conhecer onde estão essas pessoas que sabem ouvir “não” com tanta resiliência. Que respeitam os limites. Todos. Os impostos pela sociedade, pelo Estado, pelo próprio corpo. Que suportam suas perdas com resignação, sem fazer birra. Mesmo que a birra não seja mais espernear no chão aos prantos.
Quero conhecer essas adultos que não gritam, não choram, não praguejam, não resmungam, não batem telefone nem porta na cara de ninguém, não xingam, não fazem textão no Facebook, não se exaltam de maneira nenhuma porque estão putos da vida com alguma coisa. Porque estão frustrados.
Me digam por favor a localização desse sagrado lugar onde vivem esses seres humanos controlados. Esse lugar onde ninguém discute, ninguém briga, ninguém se agride, ninguém se excede, ninguém estoura limite do cartão de crédito nem do cheque especial comprando baboseiras para compensar o próprio vazio. Ninguém se embriaga. Ninguém se dopa. Ninguém se empanturra de comida. Ninguém perde o sono. Ninguém perde a calma. Porque queriam algo de suas vidas ou para suas vidas e não conseguiram.
Convoquem, por favor, estes fantásticos adultos que sabem conviver tão bem com limites para uma demonstração. Um TEDx. Onde estão? Na internet? Estes que estão se digladiando, se expondo? Metendo o dedo uns na cara dos outros? Julgando a tudo e a todos?
Vamos, aliás, dar o Prêmio Paradoxo para aqueles que propõem ensinar limites excedendo justamente todo o limite possível que é espancando uma outra pessoa! Verdadeiros baluartes do controle emocional.
Quando você se engalfinha trocando insultos com outro adulto, onde estão os limites? Quando você expõe outras pessoas e as joga na berlinda do escrutínio público, onde estão os limites? Quando você entra numa guerra de ego com outro adulto usando uma criança como desculpa, onde estão os limites? Cadê os limites de quem chama crianças de mimadas, ranhentas, peido? Cadê os limites de quem ameaça jogar uma criança pela janela?
Somos ainda uma geração de pessoas que apanhou dos pais. Estamos tateando recursos para lidar com crianças que não seja através de castigo, violência, repressão. E somos a sociedade violenta que somos. É só olhar pela janela pra percebermos como a educação cheia dos tais limites que recebemos não vem dando muito certo. As pessoas, em sua maioria, estão todas angustiadas, deprimidas, confusas, infelizes, buscando compensações das mais diversas justamente para o fato de não saberem lidar com aquilo que tem e principalmente com o que não tem.
Não queremos “dar limites” para crianças, queremos justiçamento. Queremos ver crianças apanhando, sendo “corrigidas”, sendo tolhidas, sendo retiradas do caminho. Queremos mini-adultos, apáticos, submissos. Queremos passar adiante sem refletir essa educação para obediência cega, sem reflexão, porque queremos que as crianças não “incomodem”. Não deem trabalho. Não sejam crianças.
Tentamos a qualquer custo colocar crianças numa linha que nenhum adulto segue de verdade. Essas mesmas pessoas que lidam com sua própria frustração a base de excessos de todos os tipos, não consegue gerenciar a frustração de uma criança e orientá-la. Uma geração que acha que sabe ouvir não, mas não sabe. Sabe ditar regras. Porque no fundo todos querem se sentir muitíssimo importantes e são as crianças, que não podem se defender, as vítimas ideais dessa síndrome de pequeno poder.
Se todo o limite que essas pessoas estão clamando para as crianças existisse de verdade viveríamos em outra sociedade. Sem violência. Sem corrupção. Sem agressividade. Sem desigualdade social. Porque tudo isso, todas essas mazelas que nos massacram estão ligadas diretamente com o ato de RESPEITAR LIMITES. E são os adultos os responsáveis por esse caos.
Então, por favor, vamos ser menos hipócritas, e deixar as crianças em paz.