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Eu, meu menino e o mundo

Eu sou uma mulher feminista. E sou mãe de um menino. E esta é uma equação muito difícil de equilibrar. Nasceu de mim, está sob meus cuidados e é o dono do meu coração um potencial “opressor”. Como futuro homem, um dia meu filho será convocado a ocupar seu lugar no mundo, um posto cheio de privilégios. E ele será incentivado a preservar essa posição à base de dominação e agressividade.

Eu morro de medo que meu filho se torne um produto perfeito e acabado do processo de socialização que está dado para ele pelo mundo. Um “macho escroto”, violento, assediador, abusador de mulheres. Incapaz de reconhecer mulheres como pessoas. É engraçado que muitas mães fantasiam o futuro para os seus filhos como eles sendo homens de sucesso, em profissões importantes e empregos invejáveis. Com fama, fortuna e todo o combo que isso traz. Eu só torço todos os dias para que meu menino se torne um homem bom. Digno, com consciência crítica sobre a sociedade em que está inscrito e que seja capaz de refletir, rejeitar e combater os privilégios que terá de mão beijada.

Como uma mulher feminista, eu tento fazer minha parte, eu sei. Tento não reforçar estereótipos, tento cercá-lo de bons exemplos de homens e mulheres, tento desconstruir os escravizantes modelos de masculinidade e feminilidade que nos cercam. E levo meus dias destruindo aos seus olhos esse mundo de promessas que o cerca. Explicando que esse lugar de homem na sociedade tem como preço o sangue de mulheres e crianças.

Mas eu sei também que a socialização dele não depende só de mim. Não tem como eu criá-lo numa bolha. Que além de mim e o meu menino, existe o mundo.

E o mundo é patriarcal e a opressão de mulheres é sua principal engrenagem. Está em toda parte, é como oxigênio. Meu filho vai para a escola, convive com outras pessoas, com outras referências, assiste TV, filmes, desenhos, ouve músicas. Ele vê a vida acontecendo na sua frente e aos poucos ele percebe como esses privilégios que lhe são negados em casa o mundo lhe coloca de bandeja para que ele se sirva. Simplesmente porque ele é homem. Ele percebe como meninos e meninas são tratados de maneira diferente. Ele nota como mulheres e meninas vão sutilmente sendo colocadas a seu serviço.

Ele vai aprendendo como a sociedade o considera mais forte, mais apto, e mais inteligente do que a todas as mulheres porque sim. Vai sendo incentivado a competir com os outros meninos e que as meninas são os troféus. Vai convivendo com outras famílias, formando seu próprio grupo de amigos, sendo cobrado, avaliado, medido, aceito ou rejeitado de acordo com seu grau de “macheza”. Por mais que ele nunca ouça de mim a frase “isso não é coisa de menino”, ele vai percebendo de maneira muito dura o preço que se paga por usar itens rosas, por usar pintura na cara, por querer manter o cabelo comprido. Apenas porque sim, porque ele acha interessante, bonito, e ele nunca soube que era “coisa de menina”, mas vai ser confrontado, vai ser testado, “mãe, o que é coisa de viado?”.

E ele vai sendo empurrado para a um modelo absolutamente distorcido de masculinidade que vai afastá-lo da sua essência mais sensível, empática, cuidadora em troca do posto no topo da cadeia alimentar da opressão. E do outro lado estou eu, neste cabo de guerra. Eu, meu menino, o mundo.

Como preparar meu filho para resistir a um convite tão tentador? Como preparar o meu menino para ir contra os seus iguais? Para contestar o machismo dos seus pares? Estaria eu o condenando ao ostracismo? Como ensinar o meu filho a resistir ao canto da sereia do corporativismo masculino, que vai acolhê-lo, transformá-lo num “brother”? Como ensiná-lo lidar com o inevitável escracho por ir contra a ideologia dominante?

Será que eu consigo explicar pro meu menino que, apesar de tudo que ele vê na mídia, de todas as representações culturais (onde ele aparece como ser humano em destaque sobre a mulher submissa, sempre um objeto), que homens e mulheres são pessoas iguais, de mesmos direitos?

Será que eu posso ensiná-lo a amar e admirar mulheres de maneira tão honesta e verdadeira, reconhecendo sua humanidade e considerando inadmissível tanta dor, crueldade e violência para com elas a ponto de lutar por sua libertação? Que ele combata seus iguais? É preciso que meu menino seja um traidor do patriarcado e isso tem um preço altíssimo a se pagar. Estarei eu pronta para lançá-lo aos leões? Mas existe alguma outra forma digna de estar neste mundo?

É um trabalho hercúleo. Diário. De Davi contra Golias. Um desafio que tenho que estar preparada inclusive para não vencer. De me contentar com pequenas vitórias. Por entender justamente que — apesar do que tentam convencer a todas as mulheres — eu não sou a única pessoa responsável pela sua educação, formação e socialização. E o número de variáveis sob meu controle é infinitamente menor que o número de variáveis que me escapa. E respirar fundo e aceitar que, apesar de toda minha luta, mesmo com mamãe feminista o filho pode crescer machista.

E eu sei, eu sei sim que todo o meu trabalho lança sementes. Que muita coisa frutifica. E que a melhor aposta hoje no horizonte ainda é tentar ajudar a formar homens melhores. E que há toda uma tribo se formando por aí, filhos de mulheres maravilhosas que lutam diariamente para desconstruir a si mesmas e a quem está próximo, buscando ambientes mais arejados para suas crianças. Eu tenho muita esperança sim. E continuo firme. Mas eu confesso que tenho medo. Que eu olho pro meu garotinho e todos os dias torço para que ele se torne um homem bom.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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