Não tenha filhos: como se fosse fácil
Circulou por aí um texto do palestrante sobre parentalidade Marcos Piangers, orientando que pessoas que não tem condições de criar filhos adequadamente não deveriam tê-los. Como se fosse fácil. Embora a premissa seja bastante correta, valem aí algumas ponderações bastante importantes que foram deixadas de fora.
Bom, em primeiro lugar, é importante destacar que a premissa de que pessoas que não querem se comprometer com a criação de crianças não deveriam ter filhos é tão correta quanto falaciosa. Existe pouquíssima conscientização sobre contracepção, planejamento familiar, os impactos de uma gravidez, e, principalmente, na nossa sociedade a responsabilidade pela contracepção sempre recai 99% das vezes no colo da mulher. Homens estão lá a passeio, só querem usar camisinha sob ameaça de uma escopeta, e aproveitam a primeira oportunidade para chantagear a parceira com o papo de que “agora que estamos num relacionamento sério podemos abrir mão da camisinha”.
E aqui uma informação bacana: nenhum método contraceptivo oferece uma margem de 100% de segurança. NEM LAQUEADURA. NEM VASECTOMIA. O ideal é usar métodos combinados, ou seja, se o homem e a mulher não estiverem ativamente envolvidos na ideia de contracepção, ela pode simplesmente falhar.
Outro ponto importante a ser abordado é como é cruel o argumento de “não tenha filhos se não vai ter tempo”. É o tipo de fala que ignora a realidade da esmagadora maioria da população que trabalha 14 horas por dia e dá graças a Deus porque conseguiu comprar carne moída nas compras de supermercado de mês. E aqui, diga-se de passagem, mais uma vez, as mulheres. Porque elas que são as chefes da família tradicional brasileira. É bastante insensível sugerir que uma mulher que realmente não conseguiu controlar o surgimento daquela gravidez e está se esfolando para criar os filhos, quase sempre sozinha, que ela é culpada por toda a dificuldade que está passando e que “não deveria ter tido filhos”.
Eu até entendo que esse argumento do “não tenha filhos” pode ressoar com alguma razoabilidade para um público que tem dinheiro, esclarecimento, acesso a recursos e para quem a existência de filhos obedece a um planejamento de vida e não a uma consequência quase sempre cercada de desespero de uma relação sexual. E ainda assim isso pode ser discutível porque sabemos que mulheres estão sempre desiguais nas relações. Mas o fato é que ainda estamos longe de ser uma sociedade organizada para o melhor bem-estar de uma criança, desde a concepção, e precisamos pensar isso coletivamente, com políticas sérias de planejamento e suporte a parentalidade e não simplesmente colocando tudo na conta da “escolha” das pessoas. Isso simplesmente não funciona.