Precisamos de um pacto contra a violência na criação de meninos
Precisamos de um pacto contra a violência na criação de meninos, criar filhos sob a sombra do patriarcado é uma tarefa brutal. Porque a lógica do patriarcado é a lógica da dominação masculina sobre tudo e todos, e isto tem um preço. Subtraímos a humanidade dos nossos meninos para que eles se tornem homens que possam perpetuar a estrutura de hierarquia que temos estabelecida.
Eu sempre me pergunto onde estão os homens bons na sociedade em que vivemos. Mulheres são dominadas, humilhadas e massacradas das formas mais vis e homens são os responsáveis por isso, seja agindo ativamente ou por completa omissão. Por que compactuam? Como não se indignam? Por que não se rebelam contra seus pares?
Eu olho para o meu filho, ele é um menino tão doce e amoroso. E eu vejo todas as mensagens que ele recebe, todo dia, o dia inteiro, dos desenhos animados, jogos de vídeo game, brincadeiras, filmes. Todas as imagens e narrativas onde um homem — ainda que por “bons motivos” — age sempre em uma escalada de violência e agressividade e no final é celebrado como herói. Eu sei, eu entendo que pode parecer meio entediante ver o Batman e o Coringa sentados conversando sobre suas dissidências ou assistir o Super Man conduzindo uma investigação policial e prendendo o Lex Luthor em flagrante sem precisar atirar nem um raio laser com os olhos, mas será que não estamos condicionados demais e condicionando nossos meninos a celebrar apenas a agressividade como método para lidar com conflitos?
Sim, nossos meninos. Isso não é um problema de garotas, que são as vítimas aqui. Meninas crescem assistindo Ursinhos Carinhosos resolverem as coisas com um arco-íris que sai de suas barrigas. Temos aliás uma questão contrária que é a ode à passividade e submissão. Meninos aprendem a ser extremamente agressivos e dominantes, meninas aprendem a ser extremamente dóceis e passivas.
Aprendem. Isso é o importante a se ressaltar. Passividade e agressividade não são características intrínsecas do sexo biológico. Isso são traços de temperamento que estão mais ou menos presentes em todas as pessoas e que vão sendo socialmente moldados, sendo reprimidos ou estimulados.
Se você tem filhos meninos faça esse exercício por uma semana: atente para todas as mensagens que esta criança recebe celebrando a violência como uma coisa boa. Observe como nas histórias para meninos quase tudo se resolve envolvendo uma briga, uma luta, uma competição, uma disputa. Como nos jogos essa dinâmica é levada ao extremo. Como na vida os meninos são tempo inteiro cobrados para serem fortes, corajosos, não levar desaforo para casa. Como uma aventura só é uma aventura se necessariamente houver um enfrentamento que envolve destruir alguém ou alguma coisa.
Nossos meninos são privados de afetividade à medida que crescem. Beijos, abraços, carinhos, consolo, conforto. Gradualmente vão perdendo acesso a tudo isso em nome de se “tornarem homens”. Se tornar homem na nossa sociedade é trocar a capacidade de amar pelo poder. É desalmar-se para ser capaz de dominar. É desejar-se super-humano, dotado de poderes, especial e admirado por todos. Porque ele é forte. E ser forte na nossa sociedade necessariamente significa saber ser violento.
Qual o preço que estamos pagando, enquanto sociedade, pela privação de afetividade e doutrinação da agressividade que submetemos nossos meninos na sua socialização de homens dominantes sob o patriarcado?
Vocês já notaram que mais praticamente a totalidade dos perpertradores de tiroteios em massa é homem? Que mais de 90% dos estupradores e abusadores sexuais é homem? A maioria dos serial killers? Vocês nunca se perguntaram por quê? Nunca se perguntaram porque para homens é tão naturalizado o ato de matar?
Homens não nascem assim. Meninos não nascem assim. A sociedade patriarcal faz isso com eles porque é pelo uso da violência que se mantém a dominação. E todos pagamos um preço demasiadamente alto.
Um pacto pela não violência é também um acordo de armisticio da guerra que homens travam, homens brancos dominando a todos (inclusive outros homens negros), contra as mulheres. É um cessar fogo que vai permitir que finalmente haja paz e equidade nas relações. Um acordo em que todos ganham porque ninguém aguenta mais tanto sangue derramado.
E é possivel realizar essa recusa se compactuarmos todos, os adultos de hoje, com valores melhores para as nossas crianças. Se aceitamos rever nosso sistema de crenças. Se reconhecermos que este modelo faliu, que estamos matando, que mesmo para homens em dominância, a despeito de todos os privilégios que isto traz há um preço sendo pago que pode ser alto demais. Podemos começar lentamente uma correção de rumos.
Não se nasce homem. Torna-se. e homens também podem tomar consciência do que foram tornados, abrir mão dos privilégios e se juntar nesse pacto pelos nossos meninos. para que possamos, aos poucos, sermos tornados homens e mulheres que recusam a violência e a hierarquia.
Nota: recomendo a todos para ontem:
The Mask You Live In