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O que o sucesso da criação com apego revela sobre a sociedade que vivemos

O que o sucesso da criação com apego revela sobre a sociedade que vivemos? A teoria do apego é uma teoria criada por um psicólogo britânico que reza sobre técnicas para criação de filhos calcada em proximidade física, criação de vínculo e não violência. Ainda que muitíssimo correto, tudo que é dito por essa cartilha deveria ser da alçada do capitão óbvio, e o seu sucesso estrondoso esconde, ou melhor evidencia, algo que não queremos encarar conscientemente: o quanto vivemos em uma sociedade que não se importa com crianças.

O quão estranho é uma pessoa ter que ser “ensinada” que ela deve tratar seu filho com “apego” (também conhecido como carinho) e ouvir as necessidades dele?

Porque no fim, a criação com apego se trata justamente disso, você ter que explicar a adultos que eles não podem ceder aos piores instintos que cuidar de uma criança pode despertar: o egoísmo, a tirania, a megalomania, a impaciência, a violência, já que você de repente detém completo poder sobre a vida de um outro ser humano, completamente vulnerável, e que lhe tem total devoção. A síndrome do pequeno poder impera, confessemos.

E então, o que a teoria do apego diz na verdade é: você não é dono do seu filho. Ele é uma pessoa, tem necessidades, e precisa de você. E convenhamos que nada, absolutamente nada, do que é pregado é revolucionário, o que torna tudo muito mais triste e deprimente. Deixar um bebê mamar quando tem fome e pelo tempo que ele precisa, deixar ele dormir com você enquanto ele se sente inseguro para dormir sozinho, confortá-lo quando chora, dar colo, não espancá-lo, deveria ser evidente já que crianças são seres dependentes, vulneráveis, carentes e que não tem nenhum portfólio sobre como viver nesse mundo. E que decadência civilizatória ter que falar isso. Ter que explicar aos pais que eles devem amar e respeitar o próprio filho.

Admitamos que vivemos em uma sociedade que odeia crianças. O amor que dispensamos a elas é o que dispensamos a um souvenir. Bebês são ótimos na foto fazendo fofurices, mas queremos que durmam rápido e a noite toda como adultos, que comam sozinhos o quanto antes, desfraldem em duas semanas, não chorem, não se irritem. Parem dar trabalho. Uma sociedade onde fazem sucesso as “Encantadoras de Bebês”, com a solução mágica que deixa claro uma realidade terrível: vemos as particularidades e necessidades de um bebê como um problema que precisa de passe mágica para ser resolvido.

E quando eu falo “sociedade”, que fique claro, eu falo dessa que vivemos: patriarcal e capitalista que enfia todos nós dentro de uma lógica massacrante, individualista e consumista onde mulheres devem ser produtivas, lindas, fazer a roda do consumo girar e ao mesmo tempo também devem continuar domésticas e reproduzindo a espécie. Afinal precisamos de mão de obra. Homens e mulheres são engolidas pela rotina produtiva e a necessidade de sobreviver e quase não tem tempo de cuidar com qualidade dos seus filhos.

Crianças não são produtivas. Não são mão de obra aproveitável até entrarem na vida adulta, então não são consideradas tão importantes. Na verdade só servem para gerar mercado consumidor. Alguém já parou para pensar como a chegada de um bebê é embalada como um grande produto? Enxoval, chá disso, chá daquilo, festa na maternidade, e depois do nascimento, mãe e criança são atiradas no ostracismo e o recém-nascido vira um empecilho a ser resolvido. Buscamos o tempo todo soluções mirabolantes para que os bebês parem de se comportar como bebês e sejam independentes o mais rápido possível.

Chegamos ao ponto em que precisamos de técnicas”, de livros e cursos e vídeos para dizer o óbvio: crianças são pessoas. São seres em desenvolvimento em situação de completa vulnerabilidade e necessitam de compreensão, paciência e empatia. São seres que precisam de carinho e cuidado. Dar colo e aconchego ao filho virou uma “técnica”. Somos uma civilização em que amor, carinho e respeito por crianças precisa de prescrição.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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