Vamos problematizar o Papai Noel?
O Natal está chegando. Será que vamos problematizar o Papai Noel? Algumas mães entram em crise existencial se perguntando se devem ou não deixar seus filhos acreditarem no bom velhinho, também conhecido como Papai Noel. O argumento — muito justo — é de que esta é uma tradição inventada para turbinar o consumo, que é uma mentira que contamos para as crianças, que isso pode aumentar aí o número de horas na terapia dos pequenos rebentos, entre outras questões filosóficas, políticas e sociais.
Veja bem, gostaria aqui de fazer uma observação sobre esta questão, até porque eu mesma, muito antes de ter filhos obviamente, imaginei que não ia deixar meu filho acreditar nesse velho capitalista que dá presentes para as crianças de posses enquanto milhares morrem de fome. Porém, tomei um saboroso tabefe da realidade que gostaria de compartilhar aqui.
Em primeiro lugar é importante ressaltar que nós mães — via de regra — não temos tanto poder assim para decidir no que nossos filhos vão ou não acreditar. Lá para os 3 anos de idade eles mergulham num mundo de fantasias do qual muitos não saem nem quando chegam na vida adulta. Então conforme-se, seu filho vai acreditar em coisas, muitas das quais você não terá controle. Monstros, heróis, zumbis… ele vai ter amigos imaginários, e não adianta você perder tempo tentando explicar para ele porque dinossauros são reais e dragões não.
Depois, as fantasias infantis hoje são turbinadas pelo convívio social, escola e principalmente a mídia. Então, a menos que você crie seu filho dentro de uma gaiola, ele vai ouvir falar desse tal de Papai Noel, vai ver desenho, comercial, os parentes vão falar, amigos da escola, vão perguntar a ele na rua se ele já escreveu a tal cartinha, mesmo que escrever cartas nem seja um hábito da geração dele. De um jeito ou de outro, ele vai saber que esse velho faz contrabando de brinquedos, e ele vai querer a parte dele em geleca, goste você ou não. Então, mesmo que você se faça de desentendida e nunca alimente essa ideia no seu filho, isso será construído no imaginário dele de alguma forma.
Aí é escolha sua se quer ou não desmontar isso, e em nome de quê. E vale pensar, qual custo vai ter pro seu filho, uma criança, ser o floquinho de neve especial que confronta todos os amigos e gera silêncio constrangedor ao dizer a frase “minha mãe disse que Papai Noel não existe, é ela que compra meus brinquedos”, e talvez ver os coleguinhas começarem a chorar, é claro. Aliás, qual o custo para o seu filho em ser o elemento que vai semear a dúvida e a discórdia entre todos os amiguinhos que vão perguntar o que ele ganhou de Natal e mostrar o que encontraram debaixo dentro do sapatinho que deixaram na janela.
Seu filho é uma criança. E o Papai Noel já é um mito moderno que está profundamente enraizado na nossa sociedade com todos os seus defeitos e qualidades. O argumento de que ele é uma “mentira” pouco se sustenta porque metade das coisas que crianças usualmente acreditam são “mentiras”, ou eufemismos, ou verdades editadas/suavizadas/adaptadas. E o que não for elas complementam com a própria imaginação. Acreditar no Papai Noel, da Fada do Dente, no Coelhinho da Páscoa (ou no Batman, Hulk e Elza do Frozen) não vai tornar o mundo dela pior ou melhor. Apenas vai mantê-la integrada na mitologia infantil do seu tempo.
Agora, a mitologia do Papai Noel é algo livre de problematizações? De jeito nenhum. Ele é o mito moderno dessa sociedade capitalista e consumista, mas é o que tem pra hoje. Todas as sociedades, em todos os tempos, construíram seus mitos e nenhum era lá grande coisa também. Mas existe um maneira mais “saudável” de trabalhar esse mito com as crianças e atravessar o Natal? Existe sim, quer ver?
- evitar associar a ideia de que o presente é uma recompensa por “bom comportamento”: Crianças não tem que ser obedientes ou estudiosas ou seja lá o que for porque querem ganhar presentes e sim porque ser obediente e estudioso são virtudes importantes de serem cultivadas que são um recompensa em si e trazem benefícios de longo prazo. Você pode dizer para o seu filho por exemplo escrever uma carta (ou mandar um email, um whatsapp, sei lá) contando pro Papai Noel como foi o ano, o que ele mais gostou de fazer, o que ele espera para o ano que vem e agradecendo pelas coisas boas que ele viveu.
- você não precisa dizer ao seu filho que os brinquedos que o Papai Noel distribui são feitos por mágica e surgem do nada, fazendo parece que ele pode pedir qualquer coisa e colocando você em uma enrascada financeira. Você pode dizer que o Papai Noel é um fabricante e que você paga pelo brinquedo que ele vai produzir e entregar, portanto o presente tem que estar dentro das suas possibilidades. E vale aí explicar que esse é o motivo pelo qual algumas crianças não conseguem receber presentes: porque seus pais não têm condição de pagar. Não está nem muito longe da verdade e ainda dá uma pitada de consciência social que não faz mal a ninguém.
- não obrigue seu filho a tirar aquelas fotos com o Papai Noel caso ele deteste ou tenha muito medo. Deixe que seja uma coisa espontânea porque ele realmente gosta do velho barbudo. E faça com que ele tire a foto de pé ao lado, ou no seu colo, nunca no do Papai Noel. Sério, não deixe seu filho sentar no colo de estranhos nem que seja para uma foto de 5 segundos.
- explique o sentido de presentar, o sentido do Natal, tanto do ponto de vista religioso quanto laico, mesmo que você não tenha nenhuma religião e esteja pouco se lixando para a data. O seu filho é um ser social, é importante que ele entenda o que acontece na sociedade na qual ele está sendo criado.
- Aproveite a oportunidade para não repetir a pior tradição de Natal de todas: mulheres se matando de cozinhar enquanto homens coçam o saco e tomam cerveja. Essa é uma péssima mensagem sobre divisão do trabalho doméstico e papel social que as crianças recebem todo fim de ano. Coloca todo mundo pra fazer tudo. Ou então pede pizza.
Outra coisa importante a ser dita: a “decepção” que seu filho pode vir a sentir ao descobrir que Papai Noel não existe ou a percepção de que “meus pais mentiram para mim” estará diretamente ligada a maneira como você vai se envolver com a fantasia dele. Você não precisa ser a pessoa que vai introduzir a mitologia do Noel para o seu filho. Você pode ser a pessoa que funciona como facilitadora de uma crença que ele fatalmente vai elaborar por conta própria. Nesse sentido, quanto mais histórias e firulas e mecanismos de reafirmação do mito você inventar, maior a sensação de “ter sido enganado” que seu filho pode vir a ter. Ou pode ser que você mesma seja capaz de perceber o momento em que a “magia” perdeu o sentido e vá explicando que o Papai Noel é o que é, um mito.
E pode ser inclusive que seu filho passe em branco por tudo isso por muito tempo e quando ele vier a prestar atenção já vai estar com idade suficiente para concluir que a história é bastante mal contada já que quase ninguém tem chaminé no Brasil e renas voadoras aqui já teriam sido abatidas em pleno vôo.
De qualquer forma, se a criança for aficcionada por Natal, tiete de Papai Noel, fã número um das renas e dos duendes… boa sorte e aproveita também. Daqui a pouco passa. Os filhos crescem muito rápido e não demora estamos sentindo saudades de quando a vida era tão simples para eles que a maior preocupação que tinham era receber a visita do bom velhinho.