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Lugar de mulher é onde o patriarcado quiser

Acreditamos na máxima “lugar de mulher é onde ela quiser”, mas basta uma crise para o patriarcado nos colocar de joelhos cumprindo aquilo que somos destinadas dentro desse sistema de opressão.

Eu já falei que é preciso pelo menos 4 pessoas para dar conta saudavelmente de todas as demandas da criação de filhos: duas pessoas em revezamento tomando conta das necessidades básicas da criança (que inclui não deixá-la sozinha, por exemplo); uma pessoa para ganhar o sustento; uma pessoa para cuidar das questões de limpeza, alimentação, roupa e cuidados gerais de manutenção do ambiente. Esse cenário não se produz, obviamente, nem em condições normais da vida, mas ainda assim, mulheres sempre conseguiram desdobrar-se e equilibrar-se terceirizando tarefas e contando com parceiros como a escola e a família.

Com a pandemia, todos estes artifícios externos para conseguir dar conta das responsabilidades que são jogadas sobre os ombros da mulheres foram retirados e o cenário — previsível e trágico — é de terra arrasada, afinal quem cuida das crianças enquanto os pais trabalham se não há mais cuidadores terceirizados? A resposta é tão fácil e automática, que chega a ser cruel: as mulheres. Não importa se elas também precisam trabalhar para se sustentar. Não importa se elas estudam, se elas produzem. Lugar de mulher é em casa e elas são as primeiras a irem pro sacrifício.

Mulheres hoje são as principais afetadas pela pandemia, estão sendo expulsas dos postos de trabalho, estão sobrecarregadas de tarefas domésticas, são as principais responsáveis pelos cuidado das crianças, dos doentes. Estão em cativeiros com seus companheiros sendo violadas, abusadas, agredidas, mortas. Enquanto isso, homens estão sendo plenamente atendidos em suas necessidades, roubando nossos postos de trabalho porque não são responsabilizados pelo cuidado de nada e ainda aumentando sua produtividade.

E todos se perguntam — e se espantam — sobre como isso pode estar acontecendo.

Eu respondo

No patriarcado existe uma coisa chamada divisão sexual do trabalho, que é a maneira como as tarefas do trabalho são divididas na sociedade levando em conta o sexo dos indivíduos. É a divisão sexual do trabalho que separa as atividades em “trabalho de homem”e “trabalho de mulher” e que também hierarquiza fazendo com que o tal “trabalho de homem” valha mais, sejam melhor remuneradas e tenha mais status. É pela divisão sexual do trabalho que homens são destinados ao mundo externo, à esfera produtiva e mulheres são relegadas ao mundo doméstico, à esfera reprodutiva. E isso acontece desde sempre, em diferentes sociedades, a ponto de podermos afirmar com razoável segurança que existem dessa forma desde o início do patriarcado, o que cobre quase tudo que conhecemos.

É muitíssimo importante que entendamos isso. Isso é o puro suco do patriarcado cuja exploração sobre mulheres se estrutura sobre a divisão sexual do trabalho, a maternidade compulsória e a heterossexualidade compulsória. Esse é o tripé estrutural consolidado para manter toda e qualquer mulher em posição de subalternidade, cuidando dos serviços domésticos, das crianças, dos adoecidos, dos idosos, dos homens.

A despeito de todas as “conquistas” que tenhamos conseguido, a despeito de leis e mudanças de costumes, percebemos como esse tripé segue inabalável quando em momentos de crise como esse mulheres são atiradas de volta ao “seu lugar”: cuidando da casa, dos filhos, do companheiro, dos vulneráveis. Veja como esta pandemia trouxe um retrocesso de mais de dez anos em participação no mercado de trabalho para mulheres no Brasil e na América Latina. Como somos a parcela mais empobrecida e mais explorada. Como os numeros de feminicídio e violência doméstica explodiram pelo mundo (assim como os de divórcio).

É para isso que existimos no patriarcado e só sairemos desse lugar rompendo essa lógica e destruindo os mecanismos que o sustentam. Não acreditem na falácia de que: “lugar de mulher é onde ela quiser”, que “mulheres já estão em pé de igualdade com homens”, que “mulheres já podem fazer tudo”. Isso é uma mentira mil vezes contada para nos manter no mesmo lugar de subalternidade mas com um sentimento (falso) de liberdade. Quando a crise bate, nós não temos todo esse direito de “escolha” que imaginamos ter e nossa agência é muito limitada porque não existe nenhum olhar para nossas demandas, somos descartadas enquanto sujeitos de direitos, com necessidades. Sobramos nós e as crianças.

A pandemia escancarou a realidade nua e crua de todas as mulheres. Está aí, inegável, sendo vivida em maior ou menor grau por todas nós. Que consigamos enxergar de uma vez por todas o lugar que a sociedade nos reserva e romper com isso. Lutar contra isso. Nomear os nossos inimigos e combatê-los, senão não importa quantas conquistas e “avanços” sejam pretensamente conseguidos, nós mulheres nunca abandonaremos esse lugar de servilidade e subalternidade. Nossas necessidades nunca serão consideradas. Nunca seremos pessoas. Com direitos. Livres.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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