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A maternidade e a dança da solidão

Exercer a maternidade é dançar uma estranha dança da solidão. Como é possível sentir tão só em um momento da vida que é quase que literalmente todo preenchido pela presença dos filhos é possível?

Conversando com outras mulheres, é possível notar como o maternar pode ser desalentador e opressivo. Quase nenhuma mulher, atualmente, está preparada de verdade para o que significa a maternidade. Não há literatura, filmes, novelas, séries, publicidade, escola, família… nada que de fato faça entender o que a espera, em termos físicos, emocionais, sociais, psicológicos. Antes, a maternidade é apresentada como um privilégio, como bênção, como um dom divino que nos arrebata a um patamar sagrado. A ponto de mulheres desejarem engravidar para alcançar um novo status na sua comunidade. E esse “altar” a que somos elevadas nos condena a uma vida de solidão, desamparo e profundo silenciamento.

De onde vem a solidão materna?

1. O silenciamento das emoções

Quando uma mulher engravida, já há todo um script ditando como ela deve se comportar, pensar, agir e principalmente sentir. Há um manual, um guia invisível de boa conduta que rege o comportamento da futura mãe. Ela é tutelada e perde autonomia. Vira uma “mãezinha”. Gestantes não podem se sentir mal e reclamar da dor física, da confusão emocional, do desconforto, do desequilíbrio psicológico, do medo, e da fragilidade que uma gestação traz, afinal “está carregando um milagre”. A quem uma mulher-mãe consegue dizer “eu não gosto de estar grávida”? ou “eu não estou feliz por ser mãe”? ou simplesmente “estou com medo”?. Que mulher não sente culpa por se sentir assim? Já que é doutrinada por todos os cantos para achar que uma gestação e filhos devem ser a coisa mais importante do universo para ela?

Com quem conversar? Amigos sem filhos se afastam ou simplesmente não compreendem como é o novo mundo daquela mulher e o abismo entre as realidades muitas vezes causa afastamento emocional ressentido. A família, na expectativa de ajudar, pode acabar atropelando a autonomia da mãe e igualmente lhe nega o direito de se sentir infeliz ou confusa ou angustiada com a maternidade.

Com quem uma mãe consegue desabafar sem julgamentos?

2. Ausência do pai

O pai da criança, quando ainda está lá, via de regra, se faz apenas de corpo presente, não assumindo sua parte na responsabilidade dos cuidados com os filhos e a casa. E ainda acaba sendo mais um problema que uma solução, comportando-se como um segundo filho, fazendo cobranças extras para a mulher já sobrecarregada, e sendo incapaz de compartilhar as questões que assombram as mães no cuidado com os filhos.

Quantos pais você conhece que estão ativos em grupos de cuidado com crianças buscando ou compartilhando informações? Quantos grupos de pais-cuidadores existem discutindo criação e cuidado com os filhos? Quantos pais aparecem apresentando dúvidas em grupos de pediatria? Quantos em grupos de alimentação, carregamento de bebês, sono, educação, escola? Quem, no fim das contas, carrega sozinha o peso de aprender como cuidar de uma criança? E acertar sempre? Quantas mães conseguem compartilhar com seus companheiros todas as dúvidas, questões, problemas, medos, angústias, e decisões inerentes a criação e cuidado das crianças? Quantas mulheres conseguem compartilhar com seus companheiros suas angústias em relação a transformação que ocorre na sua vida com a maternidade, na sua individualidade, e serem aceitas e compreendidas nas suas dificuldades?

3. A exclusão social das mães

Mulheres-mães vivem uma quarentena sem fim onde tudo o que existe no seu mundo obrigatoriamente tem que ter a ver com o seu filho. São expulsas do espaço público. Constrangidas por amamentar em espaços abertos. Suas crias são abertamente alvo de ódio por conta do comportamento infantil. Essa é uma sociedade intolerante com crianças. Não há acolhimento para as mães e suas demandas. Não há acolhimento para as pautas maternas. Crianças e suas mães são vistas como um problema. Uma carga. Um peso vulnerável. Mulheres são coagidas a manter seus filhos sempre “sob controle”, longe de espaços onde podem ser um “incômodo”. São integralmente culpadas por qualquer comportamento desviante da norma que seus filhos possam apresentar. Poucos são os olhares solidários. Fique longe, é o que a sociedade sutilmente diz.

4. A sobrecarga de responsabilidades

De repente a mãe se torna praticamente a unica responsável pela gestação, nascimento, sobrevivência e socialização de outro ser humano. Para a sociedade, o pai é uma figura absolutamente acessória e secundária. E não é possível falar em escolha da mulher quando não existe nenhum contraceptivo que realmente a proteja. Não quando meninas ganham como primeiro brinquedo uma boneca e são massacradas pela ética do cuidar como principal aprendizado. Não quando é vendido para a mulher que a felicidade e completude se realiza através da maternidade. Homens não conhecem esse peso. Não são educados para paternidade. Meninos ganham carros, aviões e promessas de uma vida de aventuras e é isso que saem em busca por toda sua vida.

Mulheres estão sobrecarregadas. Estão, na prática, sozinhas na tarefa de criar os filhos. Todos os dedos apontados. Com quem ela pode contar de fato? Não há políticas de Estado que apoiem efetivamente uma boa maternagem. Não há uma cultura de compartilhar socialmente a responsabilidade pela criação das crianças. Sequer há uma cultura que constranja os homens a assumirem seus próprios filhos. Por mais que possam existir as condições satisfatórias para algumas mulheres, essas são a exceção na sociedade. A regra é a maternidade ser uma empreitada feminina, sempre.

A dança da solidão

Nós, mulheres, somos forjadas no aço da solidão e do desamparo. Não somos socializadas para sermos irmãs, companheiras ou amigas e sim mães, cuidadoras, responsáveis, carregadoras do peso do mundo. Não precisamos ir muito longe, inclusive, pra entender isso, está nas novelas, nos filmes, na publicidade, na literatura. Quantas belas histórias você conhece sobre amizade entre mulheres? Sobre amor entre mulheres? Sobre companheirismo entre irmãs? E quantas histórias lhe foram contadas sobre o amor entre uma mulher e um homem, e sobre como a vida finalmente encontra um sentido, principalmente quando nascem os filhos?

E nos são atiradas todo dia as migalhas da expectativa da felicidade através do amor. Senão o amor do marido, o amor dos filhos. Maternidade não é somente sobre amor. É sobre cuidado. E cuidar de outro ser de maneira tão intensa é exaustivo. Não é possível de ser feito sozinho. Mulheres estão sendo atiradas nesta empreitada por conta própria e naufragando num mar de solidão. Silenciadas, incompreendidas, isoladas, excluídas e obrigadas a ostentar eternamente um ar de felicidade. Porque são mães.

Dizem então que “ser mãe é padecer no paraíso”. Perceba a crueldade dessa frase. Você vai chegar no paraíso. E vai padecer. Não há nada mais solitário que isso.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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