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Educar filhos é sobre escolher batalhas e não deixar feridos

Educar filhos é sobre escolher batalhas e não deixar feridos. A menina devia ter uns 2 ou 3 anos no máximo. Estávamos no meio do saguão da Receita Federal. Ela chorava desconsolada junto ao pai que estava ajoelhado na sua frente e impenetrável exigia que a criança pegasse um objeto que ela tinha atirado para longe num rompante de raiva.

A mãe, ao lado, observava impassível a cena. Decerto havia uma lógica naquilo tudo e talvez uma lógica correta dentro daquilo que aqueles pais acreditavam. Era preciso educar a criança, não importa onde, não importa como, não importa quanto tempo levasse. Ela atirou um objeto em um momento de birra e deveria portanto ajustar seu comportamento imediatamente, apresentando sua compreensão do ato, as mais sinceras desculpas e a correção do destempero. E os pais estavam ali naquela árdua missão. Certo? Todos concordamos?

Bom, sei lá. Às vezes eu acho que mesmo no meio das nossas boas intenções podemos ser projetos de ditadores com nossos filhos. Somos obcecados em mostrar e estabelecer nossa autoridade e sim isso é importante para nos posicionarmos como referência mas tampouco é a única estratégia, ou mesmo a mais acertada. Muitas vezes o que essa possibilidade faz é despertar a megalomania que há em nós. Queremos ser mais que pais. Queremos ser chefes. Comandantes. Que os filhos PRECISAM respeitar. PRECISAM obedecer. Porque somos os PAIS. E isto nos investiu com o poder sagrado sobre a vida dos filhos.

Mas toda essa reflexão me veio também porque a menininha lá chorava desconsoladamente, as vezes estendia os braços pedindo colo… Ela visivelmente já não estava entendendo mais nada, não sabia porque o pai ainda estava ali abaixado com cara de bravo e não a deixava sair. O que ela queria mesmo era um abraço, um picolé, ver Patati Patatá. Era uma menina de no máximo 3 anos, que teve um arroubo emocional.

Adultos fazem isso o tempo todo, gritam, saem batendo portas. É difícil mesmo se controlar às vezes e a maioria passa a vida tentando sem sucesso. Eu não acho que essa sociedade de adultos exaltados de hoje é formada por pessoas que foram crianças “sem limites”. Crianças cujos pais não tentaram controlá-las sob a desculpa de que as estavam ensinando. Ao contrário, a maioria de nós foi adestrada à base de muita violência física, verbal e psicológica, e isso resultou num total de muitos nadas porque crescemos e formamos essa sociedade de pessoas destemperadas, pouco afeitas ao diálogo e que naturalizam agressão.

Enfim, talvez, naquela situação, fosse mais fácil pegar a criança no colo, consolá-la, tentar ensinar outras maneiras de lidar com a raiva. Não estou dizendo também que devemos simplesmente ser permissivos com tudo que os filhos fazem. Mas é preciso escolher as batalhas na maioria das vezes e é preciso manter o foco para não ser engolido pela necessidade de mostrar autoridade a qualquer custo. É possível ensinar de muitas maneiras, acolhendo, dando o exemplo, algumas vezes sendo mais enérgico, mas sem esquecer o que estamos fazendo ali: tentando ensinar a essas pequenas criaturinhas estratégias para sobreviver nessa selva chamada planeta Terra. Ensiná-las a serem empáticas, a conhecerem suas emoções e lidar com elas. No ritmo e no tempo que elas consigam fazer isso. Repito, muita gente chega na vida adulta e ainda não conseguiu fazer metade do que se exige das crianças.

Até por isso, se dê algum desconto também. Porque você pode inclusive nem ser a melhor pessoa para essa tarefa: educar uma criança. Acontece. Pais acham que só porque geraram um filho se graduaram em psicologia, pedagogia, sociologia, pediatria, tudo junto. O conjunto de habilidades e conhecimentos necessários para se criar uma criança não brota por mágica com o nascimento da mesma. A necessidade de preparar-se para a parentalidade é uma realidade, nós simplesmente desconhecemos o funcionamento de bebês, crianças e adolescentes até nos deparamos com a necessidade de lidar com eles (e fazê-los sobreviver).

E estamos longe de saber alguma coisa né? Na maioria das vezes estamos tateando muito mais agarrados em convicções do que em certezas. Reproduzimos aquilo que achamos que deu certo na nossa socialização, que quase sempre é um desastre completo. Não que a gente se dê conta disso também. Vamos levando adiante. Pensamos “eu não matei, não roubei, não fui preso, devo ser uma boa pessoa, obrigada mamãe e papai”. Mas só você sabe o peso emocional que você carrega para se manter de pé todos os dias. A carência que você tem de recursos para lidar com a vida. E é isso. Seguimos reproduzindo a espécie. E sim, você simplesmente pode estar bastante coisa errada por aí, e seus pais podem ter feito bastante coisa errada com você. Culpa sua? Não. Culpa deles? Sim e não, também. Todo mundo está fazendo o seu melhor e os consultórios de terapia consertando os estragos para quem consegue ter acesso a eles.

E tudo isso para dizer que educação sem acolhimento não resolve muita coisa, no fim. E acolhimento não é aceitar tudo, abrir mão de ensinar valores, ética, as regras sociais. Acolhimento é perceber que seu filho está chorando desconsoladamente e naquele momento precisa de um abraço, não de uma bronca. A gente não devia deixar ninguém chorar desconsoladamente em nome de nada. Muito menos aos nossos filhos. Se a gente não tem muita certeza do que está ensinando, se somos todos meio cegos tateando para tentar sobreviver neste mundo, que ao menos seja de mãos dadas. Acolhendo uns aos outros. Que seu filho tenha a lembrança de que você foi a pessoa que o ensinou a ser uma “pessoa de bem”, mas também a pessoa que esteve ao seu lado e o ajudou a ser mais feliz.

E que com filhos a gente está o tempo todo escolhendo as batalhas que vai travar, porque tudo é desgastante. E nem tudo vale a pena, às vezes é só desgaste mesmo. É fácil perder o foco do que se está fazendo e dos motivos pelos quais estamos fazendo algo aos filhos. A gente tenta ensinar muita coisa que nem a gente aprendeu direito. Acho até que a gente consegue ensinar mais quando admite pra si mesmo que sabe muito pouco e que também tem vontade de sentar no chão e espernear junto para ver se alguém se compadece e resolve o seu problema.

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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