Dia dos pais sem ter o que comemorar
Este é um dia dos pais sem ter o que comemorar. Queria dizer a todas as mulheres que criam os seus filhos sozinhas que esse dia não é delas e não deve ser celebrado. Não há nada para comemorar. Uma mulher que cria o seu filho sozinha é uma mulher extremamente sobrecarregada que tenta minimizar as lacunas deixadas pela ausência do genitor, e que efetivamente ela não conseguirá cumprir esse papel de “pai”. Porque ela é a mãe. Uma mãe exausta, uma mãe solitária, uma mãe cheia de perguntas sem resposta. A mãe. O pai que deveria estar lá e não está, quase sempre por abandono, descaso, displicência, irresponsabilidade é o que é. Uma ausência. Filhos crescerão com esse peso. Com esse tema para levar para a terapia, caso tenham a oportunidade de fazê-lo.
No país do abandono paterno, do machismo, da paternidade de ocasião, de pais de selfie, este é um dia de denúncia e pouca comemoração. É um dia para que homens reflitam como estão exercendo sua paternidade, para que reflitam sobre que tipo de modelos de paternidade tiveram e se esse modelo foi realmente positivo, carinhoso, contributivo para que eles se tornassem homens melhores, ou apenas reprodutores do que há de mais violento e machista na sociedade.
E não é apenas uma questão de ausência. É de presença ausente. De abster-se do cuidado, do fortalecimento de vínculo, por acreditar que o papel de pai limita-se a colocar comida na mesa em troca da eterna gratidão e subserviência da família. A existência dos homens na lembrança de boa parte das pessoas quando pensam sobre paternidade está quase sempre ligada a episódios de violência, alcoolismo, descaso, desleixo, irresponsabilidade, omissão, abuso. Pessoas que crescem buscando tampar esse buraco, suprir essa carência, que se agarram às poucas migalhas de afeto que receberam na infância dos seus pais como se fossem tesouros sagrados.
É um momento para que se faça um exame de consciência e uma admissão coletiva de culpa: homens, vocês não são bons pais. Vocês não estão exercendo a paternidade de forma a criar pessoa melhores, vocês não estão presentes na vida dos seus filhos. Assim como o pai de vocês provavelmente não esteve. Esse sequer é um fenômeno local: já notou como a maior parte das narrativas de filmes, séries e novelas tem a ver com pessoas tentando resolver seus traumas com os pais, via de regra o pai? O pai que não está lá. O pai que não dá afeto. O pai, o eterno atrapalhado bobalhão.
E por favor, me poupem do discurso “mas nem todo pai”. Se você não é assim, ou seu pai não é assim, toma aqui sua medalha de honra ao mérito. Você é exceção, não é regra. Onde estão os homens nos grupos que falam sobre cuidados dos filhos, pediatria, escola, fraldas, comida, roupas? Por que homens sentem-se confortáveis conversando sobre futebol enquanto suas mulheres estão conversando sobre seus filhos? Por que homens simplesmente esquecem dos filhos quando separam-se da mães? Por que é preciso uma lei que precise prender homens para que eles façam o mínimo que é pagar pensão para sustentar os filhos das relações que se romperam? Por que homens não combatem homens que demonstram desejos pedófilos? Por que homens não protegem a infância? Não protegem as crianças?
Falar de criação de filhos é falar de afeto, de cuidado, de presença. De querer estar ali para cuidar, amar e socializar uma criança. Essa é a função do pai. Dividir esta tarefa com a mãe. Sendo companheiro dela ou não. Se você não faz isso, não dá afeto, cuidado de verdade e presença, sua paternidade não é o bastante. Você não merece parabéns por nada. Aproveite este dia para pensar na sua parte, para pensar na sua função social. Para pensar se você merece algum presente.
Não há nada de feliz no dia dos pais.