A sociedade prepara meninas para o abate.

Recentemente circulou um print por aí falando da prática de depilação com cera em meninas púberes. Uma excelente demonstração de como a sociedade prepara meninas para o abate.

sociedade prepara meninas para o abate.

E aí tem um milhão de críticas possíveis, sobre feminilização, escolha, pressão estética. Sobre como o padrão construído de como uma mulher deve se parecer é opressor e agressivo,

MAS

eu quero falar de meninas se tornando mulheres nesse mundo que odeia mulheres. Nesse mundo em que mulheres tem uma função muito clara: servir sexualmente aos homens.

Antes que comece o choro e o ranger de dentes sobre o debate da “escolha” e o argumento do “sentir-se bem”, eu queria sinalizar com algumas informações que não têm condições de ser esgotadas aqui e que portanto cada um deve fazer o seu caminho de procurar saber mais:

Primeiro ponto: o padrão estético de como um mulher deve parecer-se para ser considerada “bonita” mudou e muda constantemente, sempre de acordo com questões históricas, sociais e principalmente econômicas, sendo sempre ditada pelos homens, da classe dominante, reproduzido pelas suas mulheres e então disseminado para as classes subalternas. E aí é importante ressaltar que, historicamente esse “homem” que falo, pode ser representado pelo homem branco, anglo-saxão, que promoveu todo um processo de colonização em quase todos os continentes e impõe-se até hoje por diversos mecanismos.

E aí, como exemplo, eu posso citar como em algum momento o o padrão de beleza foi o de mulheres corpulentas. E isso por quê? Porque antigamente só quem se alimentava com fartura eram pessoas ricas e portanto ser gordo era sinal de pertencimento a uma elite. Unhas compridas e manicuradas por exemplo, originalmente eram um símbolo de beleza porque demarcava status de mulheres que não precisavam fazer trabalhos domésticos. E podemos ir ad infinitum analisando como cada elemento da nossa cultura que define o que é ser “bela” e portanto desejada e aceita (já que mulheres só são validadas socialmente se forem belas), tem um componente sexista, classista, e racista (por motivos óbvios). E dessa forma temos hoje como modelo de beleza “oficial” se persegue a qualquer custo: ser branca, magra, cabelos lisos, olhos e peles claras, traços faciais finos, poucos pelos.

Esse padrão é disseminado nas artes, literatura, música, moda e no último século levado às últimas consequências pela industria cinematográfica, TV, publicidade e agora internet. Que é dominada por homens e tem uma influência absurda nas mulheres, na maneira como elas se enxergam, como formam a imagem de como devem ser e se parecer, e de como influenciam os meninos sobre que tipo de mulheres devem desejar. Além do fato de como meninas nascem e têm sua estima como pessoa inteira, digna, íntegra, sendo destruída paulatinamente, e deixando apenas a aparência física e a docilidade como valores elogiáveis e aceitáveis. Acho que toda mulher sabe como teve toda sua potencialidade minada durante a vida e como o único que principal elogio que receber é “está linda”.

Então vamos ao segundo ponto. Hoje, os padrões de beleza que são criados atendem também a ensejos do mercado. É uma associação nefasta entre capitalismo e patriarcado que busca disseminar esses padrões em forma de demanda , criando nicho. E transformando a indústria da beleza em uma das que mais tem faturamento no mundo. Então como isso funcionou no caso da depilação por exemplo? Embora seja uma prática encontrada em culturas na antiguidade, a prática para mulheres disseminou-se como é hoje no século passado (1920 por aí) por editoriais de moda e beleza em revistas, associado a ideias como “higiene”. Ou seja, há pouco mais de cem anos, ter ou não pelos não era uma questão de beleza e muito menos higiene para as mulheres. Essa ideia foi criada e disseminada pela indústria e pela mídia (do mesmo jeito que inventaram o dia do namorados ou o dia das mães).

É importante notar e ressaltar de novo que todos esses padrões são criados por HOMENS, porque são eles que estão no comando de tudo, das empresas, da mídia, dos governos, das artes, da ciência. E que eles se beneficiam porque submetem mulheres ao que precisam e agora ainda lucram com isso. E mulheres pagam um preço alto por não reproduzir esses ditames. Se você não é magra, se você não depila, se você não se maquia, se não usa salto-alto, você será rechaçada, rejeitada, humilhada, não conseguirá arranjar parceiro, não conseguirá arranjar trabalho. Mulheres sentem-se mal, deprimidas, odeiam seus próprios corpos quando eles não estão em conformidade com o que a sociedade patriarcal dita. E são punidas. E ainda são convencidas que estão “escolhendo” se submeter. Que estão escolhendo gastar seu tempo, seu dinheiro, sua saúde emocional, fazendo mil procedimentos diferentes para ficaram dentro do que se definiu como sendo “bom”.

E aí vamos então ao terceiro e mais importante e principal ponto. A principal característica da nossa sociedade HOJE é que ela é extremamente pornificada. É a indústria pornográfica (comandada por homens) uma das que mais movimenta dinheiro e que dita qual o padrão que a mulher deve parecer. Qual o padrão de mulher desejável. E que mulher é essa?

É uma mulher pequena. Magra. De aparência frágil. Sem nenhum pelo. Vulva pequena e rosada.

O padrão de mulher que a indústria pornográfica vende como sendo a mulher desejável, a mulher comível, é a de uma criança.

E mulheres estão cada vez mais tentando transformar sua aparência, na aparência de uma criança. Extremamente magras. Nenhum pelo em parte nenhuma do corpo principalmente genital. Vulva e anus rosados. Pele sem nenhuma marca, sem nenhuma mancha. Lábios rosados e mais protuberantes. Olhos saltados. Cílios alongados. Crianças têm essa aparência, não mulheres adultas. Mulheres adultas estão sendo impulsionadas a emular um comportamento cada vez mais infantil e erotizado e impedidas de envelhecer. E crianças estão sendo erotizadas, adultizadas, pornificadas, e aliciadas.

O padrão de beleza da nossa atualizado é pornificado e pedófilo. Precisamos proteger nossas crianças. Estamos lutando para dar uma infância as nossas meninas, para que elas tenham direito de crescer, estudar, decidir o que querem fazer das suas vidas. Ainda assim o número de casamentos infantis no mundo é uma coisa assustadora. O número de abuso infantil, e violações de toda ordem é uma coisa alarmante. Precisamos acordar desse pesadelo e proteger nossas meninas. Elas nasceram em uma sociedade que as prepara para o matadouro. Que de um jeito ou de outro tenta valer sua lei de que mulheres foram feitas para a apreciação sexual masculina. Há pouco mais de cem anos era praxe que meninas se casassem logo depois que tivessem sua primeira menstruação. A maioria de nós teve avós que se casaram crianças e tiveram diversos filhos, vivendo uma vida pra criar crianças e cuidar do lar e do marido. E agora estamos permitindo que essas meninas voltem para o mesmo lugar, colocando-as na prateleira para exposição e assédio masculino tão logo entram na puberdade. Achamos que é escolha. Não é escolha. Isso é o que patriarcado sempre fez conosco, mas agora com um golpe de mestre, deixa que nós mesmas façamos o trabalho sujo com a ilusão de “empoderamento”. Isso não é empoderamento. Empoderamento é o que os homens tem.

Não caiam na falácia da escolha. Façam um movimento de analisar os motivos reais que nos levam a reproduzir determinados comportamentos, que nos levam a agir como agimos. Se fosse escolha e fosse tão bom, homens em massa estariam fazendo o mesmo e usufruindo, afinal eles constroem o mundo pra eles. Mas eles estão escolhendo opções de conforto sobre a própria aparência, o mundo que eles construíram pra eles é um mundo em que não precisam da aprovação de ninguém para sentir-se validado. Homens estão escolhendo consumir mulheres, explorar mulheres, homens estão escolhendo meninas porque elas são mais frágeis, inexperientes, imaturas. Homens escolhem meninas porque são presas fáceis para o abate e nós não podemos facilitar o trabalho deles.

Vamos problematizar o Papai Noel?

O Natal está chegando. Será que vamos problematizar o Papai Noel? Algumas mães entram em crise existencial se perguntando se devem ou não deixar seus filhos acreditarem no bom velhinho, também conhecido como Papai Noel. O argumento — muito justo — é de que esta é uma tradição inventada para turbinar o consumo, que é uma mentira que contamos para as crianças, que isso pode aumentar aí o número de horas na terapia dos pequenos rebentos, entre outras questões filosóficas, políticas e sociais.

Veja bem, gostaria aqui de fazer uma observação sobre esta questão, até porque eu mesma, muito antes de ter filhos obviamente, imaginei que não ia deixar meu filho acreditar nesse velho capitalista que dá presentes para as crianças de posses enquanto milhares morrem de fome. Porém, tomei um saboroso tabefe da realidade que gostaria de compartilhar aqui.

Em primeiro lugar é importante ressaltar que nós mães — via de regra — não temos tanto poder assim para decidir no que nossos filhos vão ou não acreditar. Lá para os 3 anos de idade eles mergulham num mundo de fantasias do qual muitos não saem nem quando chegam na vida adulta. Então conforme-se, seu filho vai acreditar em coisas, muitas das quais você não terá controle. Monstros, heróis, zumbis… ele vai ter amigos imaginários, e não adianta você perder tempo tentando explicar para ele porque dinossauros são reais e dragões não.

Depois, as fantasias infantis hoje são turbinadas pelo convívio social, escola e principalmente a mídia. Então, a menos que você crie seu filho dentro de uma gaiola, ele vai ouvir falar desse tal de Papai Noel, vai ver desenho, comercial, os parentes vão falar, amigos da escola, vão perguntar a ele na rua se ele já escreveu a tal cartinha, mesmo que escrever cartas nem seja um hábito da geração dele. De um jeito ou de outro, ele vai saber que esse velho faz contrabando de brinquedos, e ele vai querer a parte dele em geleca, goste você ou não. Então, mesmo que você se faça de desentendida e nunca alimente essa ideia no seu filho, isso será construído no imaginário dele de alguma forma.

Aí é escolha sua se quer ou não desmontar isso, e em nome de quê. E vale pensar, qual custo vai ter pro seu filho, uma criança, ser o floquinho de neve especial que confronta todos os amigos e gera silêncio constrangedor ao dizer a frase “minha mãe disse que Papai Noel não existe, é ela que compra meus brinquedos”, e talvez ver os coleguinhas começarem a chorar, é claro. Aliás, qual o custo para o seu filho em ser o elemento que vai semear a dúvida e a discórdia entre todos os amiguinhos que vão perguntar o que ele ganhou de Natal e mostrar o que encontraram debaixo dentro do sapatinho que deixaram na janela.

Seu filho é uma criança. E o Papai Noel já é um mito moderno que está profundamente enraizado na nossa sociedade com todos os seus defeitos e qualidades. O argumento de que ele é uma “mentira” pouco se sustenta porque metade das coisas que crianças usualmente acreditam são “mentiras”, ou eufemismos, ou verdades editadas/suavizadas/adaptadas. E o que não for elas complementam com a própria imaginação. Acreditar no Papai Noel, da Fada do Dente, no Coelhinho da Páscoa (ou no Batman, Hulk e Elza do Frozen) não vai tornar o mundo dela pior ou melhor. Apenas vai mantê-la integrada na mitologia infantil do seu tempo.

Agora, a mitologia do Papai Noel é algo livre de problematizações? De jeito nenhum. Ele é o mito moderno dessa sociedade capitalista e consumista, mas é o que tem pra hoje. Todas as sociedades, em todos os tempos, construíram seus mitos e nenhum era lá grande coisa também. Mas existe um maneira mais “saudável” de trabalhar esse mito com as crianças e atravessar o Natal? Existe sim, quer ver?

  • evitar associar a ideia de que o presente é uma recompensa por “bom comportamento”: Crianças não tem que ser obedientes ou estudiosas ou seja lá o que for porque querem ganhar presentes e sim porque ser obediente e estudioso são virtudes importantes de serem cultivadas que são um recompensa em si e trazem benefícios de longo prazo. Você pode dizer para o seu filho por exemplo escrever uma carta (ou mandar um email, um whatsapp, sei lá) contando pro Papai Noel como foi o ano, o que ele mais gostou de fazer, o que ele espera para o ano que vem e agradecendo pelas coisas boas que ele viveu.
papai noel
Coitado do bom velhinho, gente.
  • você não precisa dizer ao seu filho que os brinquedos que o Papai Noel distribui são feitos por mágica e surgem do nada, fazendo parece que ele pode pedir qualquer coisa e colocando você em uma enrascada financeira. Você pode dizer que o Papai Noel é um fabricante e que você paga pelo brinquedo que ele vai produzir e entregar, portanto o presente tem que estar dentro das suas possibilidades. E vale aí explicar que esse é o motivo pelo qual algumas crianças não conseguem receber presentes: porque seus pais não têm condição de pagar. Não está nem muito longe da verdade e ainda dá uma pitada de consciência social que não faz mal a ninguém.
  • não obrigue seu filho a tirar aquelas fotos com o Papai Noel caso ele deteste ou tenha muito medo. Deixe que seja uma coisa espontânea porque ele realmente gosta do velho barbudo. E faça com que ele tire a foto de pé ao lado, ou no seu colo, nunca no do Papai Noel. Sério, não deixe seu filho sentar no colo de estranhos nem que seja para uma foto de 5 segundos.
problematizar o papai noel
Não faça isso com seus filhos, sério mesmo.
  • explique o sentido de presentar, o sentido do Natal, tanto do ponto de vista religioso quanto laico, mesmo que você não tenha nenhuma religião e esteja pouco se lixando para a data. O seu filho é um ser social, é importante que ele entenda o que acontece na sociedade na qual ele está sendo criado.
  • Aproveite a oportunidade para não repetir a pior tradição de Natal de todas: mulheres se matando de cozinhar enquanto homens coçam o saco e tomam cerveja. Essa é uma péssima mensagem sobre divisão do trabalho doméstico e papel social que as crianças recebem todo fim de ano. Coloca todo mundo pra fazer tudo. Ou então pede pizza.

Outra coisa importante a ser dita: a “decepção” que seu filho pode vir a sentir ao descobrir que Papai Noel não existe ou a percepção de que “meus pais mentiram para mim” estará diretamente ligada a maneira como você vai se envolver com a fantasia dele. Você não precisa ser a pessoa que vai introduzir a mitologia do Noel para o seu filho. Você pode ser a pessoa que funciona como facilitadora de uma crença que ele fatalmente vai elaborar por conta própria. Nesse sentido, quanto mais histórias e firulas e mecanismos de reafirmação do mito você inventar, maior a sensação de “ter sido enganado” que seu filho pode vir a ter. Ou pode ser que você mesma seja capaz de perceber o momento em que a “magia” perdeu o sentido e vá explicando que o Papai Noel é o que é, um mito.

E pode ser inclusive que seu filho passe em branco por tudo isso por muito tempo e quando ele vier a prestar atenção já vai estar com idade suficiente para concluir que a história é bastante mal contada já que quase ninguém tem chaminé no Brasil e renas voadoras aqui já teriam sido abatidas em pleno vôo.

De qualquer forma, se a criança for aficcionada por Natal, tiete de Papai Noel, fã número um das renas e dos duendes… boa sorte e aproveita também. Daqui a pouco passa. Os filhos crescem muito rápido e não demora estamos sentindo saudades de quando a vida era tão simples para eles que a maior preocupação que tinham era receber a visita do bom velhinho.

problematizar o papai noel
Aproveita e escreve sua cartinha também! Feliz Natal!

Meu menino e o mar

Desde bebê seus olhos brilham de encantamento, quando engatinhava pela areia buscando as ondas. Eu seguro sua mão. Pequena. A água chega. Molha meus pés, nossos pés. Ele se joga. É o meu menino e o mar.

Ele não tem medo do mar. Segura firme em minhas mãos e deixas as ondas arrebentarem no seu corpo, engole a espuma, o sal, engasga e ri. Eu o amparo com o coração aos pulos mas não há nada a fazer, exceto deixá-lo descobrir. Ele se sustenta, busca o equilíbrio, vai aprendendo o mar.

Ele não tem medo mar. As ondam surgem gigantes e ele pede mais. Quer ir mais fundo, acha que já sabe nadar. Eu peço a ele que respeite aquele gigante. O que me resta senão ensiná-lo a temer a grandiosidade do oceano? Senão segurar forte em sua mão para que a correnteza não o leve? Senão mostrar como se manter de pé, como reconhecer o perigo, como não ir longe demais?

Eu o seguro firme mas deixo-o livre o bastante para experimentar a potência daquela arrebentação. Para que ele possa se deixar levar. Cair e levantar. Eu o ajudo a se manter de pé e peço para que se acalme quando seus olhos ardem, quando a respiração falta. Eu o tiro de lá para que não fique cansado demais.

Mas um dia ele será grande o bastante, forte o bastante. Maior que eu. Do tamanho do mar. E irá desbravar aquelas águas sem precisar de mim. Ele irá para o mar com a paixão que tem pela vida, por aquele sol, por aquele azul. Ele nadará, vencerá a correnteza e conhecerá mais. Um dia ele não será mais o meu menino. E dele será a vida. E o mar.

Eu amo meu filho e amo ser mãe, o que eu odeio é o patriarcado

Há uma frase inclusive muito famosa que é especialmente reveladora que diz “amo meu filho, mas odeio ser mãe”. Isso não faz nenhum sentido para mim. Eu amo meu filho e amo ser mãe, o que eu odeio é o patriarcado.

O que isso significa na realidade a frase “amo meu filho, mas odeio ser mãe”? Porque inclusive essa frase é uma contradição em termos. Você ama seu filho por causa da relação que tem com ele que é a relação de maternagem. Você não ama o bebê da vizinha. Não é um amor universal por todos os bebês do mundo. É um amor exclusivo, característico que você sente por essa criança por ela ser quem é: seu filho. Então, na real, não dá pra “amar seu filho” mas “odiar ser mãe”, porque uma coisa está intrínseca na outra, não existe sem a outra.

Mas eu estou dizendo a maternidade na nossa sociedade então é uma coisa boa e que as mulheres estão reclamando demais, porque o amor compensa tudo? Nem pensar uma blasfêmia dessa. O que eu estou dizendo é que se você ama seu filho, você ama ser mãe porque você só é mãe porque tem esse filho. É uma relação intrínseca. É a existência de um filho que torna uma mulher, mãe. Então no fim, não é a maternidade que você odeia. Você odeia tudo que a sociedade te tornou e maneira como ela te trata em função de te obrigar a ter filhos e criá-los absolutamente sozinha e da maneira que se espera. E aí, vamos dar nome aos bois: você odeia o patriarcado. Mais especificamente aos homens. Porque são eles que fizeram isso.

Vamos responsabilizar a quem é de direito.

São os homens que, no controle das leis, nunca se preocuparam em criar legislações específicas de proteção e amparo para mulheres gestantes e mães. São os homens que, no controle das empresas, disseminam a cultura de discriminação de mulheres que tem filhos. São os homens que objetificam os seios femininos a ponto de você ter constrangimento em amamentar em público e são eles que projetam os espaços públicos e nunca se preocupam em criar espaço para mães e suas crianças. São homens que no controle das políticas públicas não constroem uma rede eficiente de creches e escola que atenda a necessidade de trabalho e descanso das mulheres.

São homens que estão no comando dos centros de pesquisa desenvolvendo métodos contraceptivos cuja responsabilidade do uso cai no colo das mulheres e nunca métodos que eles mesmos podem usar. São eles que se recusam a usar camisinha. São eles que fazem e votam as leis que não permitem a interrupção de uma gravidez indesejada.

São homens que abandonam em massa seus filhos ou exercem uma paternidade de ocasião, não dividem tarefas domésticas, exploram suas mulheres e as deixam completamente sobrecarregadas. São homens que praticam violência sistemática contra mulheres e crianças as deixando sob um regime de completo terror e desamparo.

São homens que fazem — ou não fazem — as leis que deveriam proteger mulheres e crianças. São eles que as aplicam — ou não aplicam. O desamparo da mulher-mãe tem nome e endereço.

Se cada homem cumprisse essa obrigação mínima, no aconchego do seu lar, de fazer apenas e tão somente a sua parte, o fardo da criação já diminuiria imensamente sobre as mulheres. Se cada homem constrangesse outro homem que pratica abandono parental, que agride, que maltrata, violenta, abusa, sequestra, mata sua mulher e seus filhos, se fizessem esse mínimo, mulheres sentiriam-se mais seguras, livres, menos reféns do medo.

Escutem as mães. Escutem o que elas dizem. Quando uma mãe fala sobre sua maternidade e diz que “um sorriso paga tudo”, ou que “não existe felicidade maior”, ela não está só tentando minimizar uma situação que é de sofrimento (embora também), ela está dizendo: “olha, mas há coisas boas nessa experiência a ponto de valer a pena”. Porque mesmo homens, quando efetivamente resolvem assumir para si realmente a criação dos seus filhos, relatam encontrar esse lugar de satisfação emocional.

Não podemos ignorar a dimensão subjetiva da experiência que é a parentalidade, porque no fim, a subjetividade é essa força motriz que nos impulsa enquanto humanidade. Com maternidade compulsória ou sem maternidade compulsória, com socialização ou sem socialização, o fato é que mulheres pariram, parem e parirão ainda por um bom tempo. E essa experiência também é um lugar que oferece recompensas emocionais para muitas e muitas delas.

O que a maternidade precisa é ser retirada desse lugar instrumentalizado. A mulher precisa ser retirada desse lugar de reprodutora de mão-de-obra pro capitalismo, de capataz do patriarcado. Para que uma maternagem menos sacrificante não seja quase um privilegio de classe, onde todas as demandas faltantes no processo de criar um filho são resolvidas por se ter dinheiro.

O discurso da “maternidade real” e todo o discurso que está sendo criado sobre maternidade não está sendo efetivo para construir pontes entre a sociedade no geral e mulheres-mães e principalmente para a proteção das crianças. Que acabam sendo eleitas as grandes culpadas, afinal, elas insistem em nascer e existir. São vistas como pequenas maldições que as mulheres precisam “aguentar”. O discurso de ódio contra crianças na nossa sociedade já é consistente demais para que as próprias mulheres venham engrossar o coro.

Precisamos nomear o problema da maternidade: o problema são os homens. Não são as mulheres, não são as mães, não são as crianças. A maneira como tratamos esse tema só nos leva a um lugar onde mulheres-mães vão sendo cada vez mais isoladas, onde são vitimizadas, ostracizadas, postuladas como “coitadas”. Onde crianças vão sendo vilanizadas, como se elas fossem pequenos gremlins que só suas mães aturam. Como se o problema da maternidade fosse ter que criar essas crianças que são… veja só! crianças! com suas demandas específicas de um ser em desenvolvimento. Como se não houvesse beleza e encantamento nesse processo para quem está envolvido. Como se algumas vezes, no final do dia, realmente um sorriso não pagasse tudo.

Criar crianças, preparar seres humanos para conviver em sociedade (que é afinal do se trata a parentalidade, não?), é uma tarefa de muita beleza e muita dor. Mas essa dor só é tão intensa porque a sociedade para a qual as criamos, e na qual estamos inseridas, é esse caldeirão de injustiça, exploração e caos que vemos todos os dias. Então vamos nos organizar para atacar o problema na sua raiz, que certamente não são as mulheres, ou as crianças, mas sim, como sempre, esse sistema capitalista-heteropatriarcal.

O dia que o Lias foi embora

Quando Lias apareceu eu e meu companheiro nos assustamos um pouco. Lias era o amigo imaginário do meu filho. Ele apareceu quando ele tinha uns 3 anos e meio mais ou menos e, bom, talvez por meu filho ter pouca imaginação ou imaginação demais, Lias era a própria mão dele, cuja voz ele fazia, como um ventríloquo.

De certa forma era engraçado, era literalmente o famoso “fala com a minha mão”. Meu filho conversava o tempo todo com o Lias, que no caso era a própria mão dele, e ele mesmo respondia com uma voz fina engraçada. E eu cheguei a imaginar explicações diversas para um comportamento tão excêntrico até que resolvi pesquisar um pouco e entendi que era um processo absolutamente normal da criança em crescimento, e que o melhor era não se meter e deixar ela lá vivendo o processo. E eu no caso só filmei algumas vezes pra usar no futuro porque afinal aquelas cenas dele falando com a mão eram boas demais pra deixar passar.

Amigos imaginários são um recurso que muitas crianças utilizam — e outras não — para começar a lidar com a realidade, com seus sentimentos e com sua individuação. A criança “treina” com o amigo invisível suas habilidades em aquisição de ir pro mundo e se relacionar com o entorno.

E dessa forma Lias, a mão, entrou pra família. E já estávamos acostumados a ver meu filho colocando a culpa nela de coisas que ele tinha feito, brincando, brigando com a própria mão e nos envolvendo em intermináveis diálogos com ela.

Até que Lias foi aparecendo cada vez menos, a ponto de sua ausência ser sentida. E um dia eu não resisti e perguntei “meu filho, cadê o Lias?”, e ele respondeu “o Lias não existe”. Assim, na lata, sem nem preparar meu coração.

O Lias não existe. Eu e meu companheiro nos entreolhamos e os olhos dele estavam brilhando de lágrimas assim como os meus. Como assim o Lias não existe? Se outro dia ele estava aqui, brigando comigo pedindo um beijo de boa noite? Como ele não existe se eu ainda lembro de você meu filho, se atrapalhando com os primeiros passos? Se eu ainda escuto seu choro, se eu ainda lembro suas primeiras palavras e de toda a comida que você jogava fora do caldeirão? E todas aquelas fraldas que você não usa mais? E as roupas que já não te servem?

Você está crescendo meu filho, e o Lias foi embora. E eu estou escrevendo pra dizer que parte de mim está feliz porque é muito duro para uma mulher esses primeiros 5 anos da vida do filho, quando ele está fazendo essa transição de deixar de ser um bebê. Mas também hoje me dou conta que acaba de repente e aí a gente olha dentro de si e percebe que sim, bem lá no fundo, tem um pouco de saudade de algumas coisas. Eu vou sentir saudades de conversar com sua mão, aliás, com o Lias. E do bebê engraçado que você foi e que agora é esse garotinho esperto e divertido. E de como foi uma experiência incrível para mim poder ver você deixar de ser um bebê. E eu sempre vou lembrar do Lias no meu coração, como um alerta para aproveitar a parte boa de poder ser mãe, porque tudo passa.

Está tudo bem se você não ama o seu pai

Olha, está tudo bem se você não ama o seu pai. Não sinta culpa por isso. Você não está só nesse sentimento, na verdade boa parte de nós tem sentimentos confusos sobre essa relação, mas se sente coagido demais pela sociedade para ter coragem de confessar.

Nós vivemos no país do abandono paterno, temos mais de 5 milhões de pessoas que sequer o registro do pai possui na certidão de nascimento. Isso fora aqueles que se dignaram a registrar mas não seguraram nem um minuto dessa onda e simplesmente se foram, deixando o filho nos braços de uma mãe perdida, solitária, e um tanto desesperada.

Nós vivemos em um país de índices assustadores de violência doméstica. Uma sociedade machista, autoritária, punitivista. Onde a necessidade de “disciplina” é sinônimo de parentalidade bem sucedida. Onde a “obediência” é obtida através da violência e do medo. Uma cultura que odeia mulheres e crianças e que quer submetê-las a todo custo.

Nós vivemos em uma cultura sexista onde está tudo bem se o pai cumprir o papel de provedor e nada mais. “Colocar comida em casa” é o bastante. Não importa se o pai é ausente, se não participa de verdade da vida dos filhos. Não importa se o pai não é carinhoso ou empático. Se é distante. Se o pai permanece e alimenta, se o pai “não bate”, já é o suficiente para ser um herói.

Nós vivemos em uma cultura onde homens não lidam com os próprios sentimentos e aprendem a lidar com a pressão através da fuga e da violência. E eles fogem. De alguma maneira fogem. Para o álcool, para todo tipo de outras drogas que ofereçam algum alívio temporário. Se retiram da realidade deixando quase sempre uma família ferida, assustada, exaurida, ao redor.

Então está tudo bem se você não ama seu pai como você acha que deveria. Se você não o ama. Está tudo bem inclusive se você não gosta dele em absoluto. Tudo que cerca a paternidade é moldado muito mais para ferir do que para curar. Por mais que haja uma idealização em torno da figura do “pai”, cuidador e protetor, a realidade é que homens são criados em um caldo de masculinidade que torna quase impossível que eles exerçam essa função de cuidado e proteção como se esperaria.

Então, está tudo bem se às vezes você sente uma inveja surda daqueles que tiveram uma figura presente, positiva, carinhosa. Dos amigos que tinham alguém sentado na primeira fila da cadeira, na apresentação do dia dos pais da escola. Dos que tinham um nome no seu registro de nascimento. Que não tinham que responder perguntas sobre onde está o seu pai. Que não sentiram vontade de inventar histórias. Que não enganavam a si mesmos dizendo que aquele pai não estava ali porque não podia e não porque não queria.

Está tudo bem admitir que ainda que você tenha sentimentos confusos, esse pai fez falta. Porque faz falta sim. Não que sua mãe não tenha feito o melhor que pôde, dentro das possibilidades dela. Não que sua mãe tenha sido perfeita. Mas ela não é uma heroína. Ela é apenas uma mulher cansada que teria tido uma vida muito mais simples e muito mais feliz, e você também teria tido uma vida muito mais simples e muito mais feliz, se a pessoa que também te gerou cumprisse a parte dela na responsabilidade que é gerar uma criança para este mundo.

Está tudo bem se você se sente triste, frustrada, desamparada. Se você sempre sonhou em ter um pai. Um pai melhor. Se você acredita que as coisas seriam muito melhores se ele fosse diferente. Exceto que ele não é. E lidar com isso dói sim. Não reprima, nem se envergonhe da sua dor.

Está tudo bem também se você não consegue amar como gostaria o pai que estava lá. Se você sente raiva das atitudes dele. Da sua violência, do seu descaso. Está tudo bem se você se revolta e se rebela e às vezes preferia não ter nascido. Se a presença dele na sua família causa tantos transtornos e tanto sofrimento que você preferia que ele tivesse partido. Que ele tivesse te abandonado ao invés de te criar em meio a tanta brutalidade. Está tudo bem cada vez que você o odiou por vê-lo espancar sua mãe. Por vê-lo espancar você ou aos seus irmãos. Está tudo bem se você o odiou por ele sempre estar bêbado, ou drogado. Por nunca ajudar de fato e ainda sobrecarregar a todos.

Está tudo bem se você tem raiva dele por tê-lo visto explorando domesticamente sua mãe, tratando-a mal, desrespeitando, traindo. Está tudo bem se só hoje você entende que sua mãe esteve trancada em um relacionamento abusivo com esse homem, que se beneficiou a vida inteira enquanto ela definhava. Não há como separar o homem, o marido, o pai. Isso é balela. São sentimentos conflitantes, e nada disso é sobre você.

Está tudo bem se você odeia seu pai porque ele abusou de você. Porque ele te estuprou. Você não tem que perdoá-lo. Você não precisa perdoar seu abusador a não ser que isso vá trazer algum benefício psicológico para você mesma.

Você não precisa amar o seu pai se ele te feriu a vida inteira. Se ele feriu as pessoas que você amava. Se ele não estava lá por você. Amor é um vínculo que se constrói. E construir vínculo de amor com os filhos é responsabilidade dos pais. Nada disso é culpa sua.

Homens nascem e são socializados da pior maneira possível. São socializados para a dominância e para a violência. Mas também são inseridos em um mundo de privilégios. Um mundo em que a paternidade é facultativa para eles. Eles não são punidos se não exercê-la. Portanto eles podem e devem ser responsabilizados pelos seus atos. Eles, diferente da maioria das mulheres, têm escolha e tem autonomia para escolher entre ficar ou partir, cuidar ou não dos filhos, ser ou não um bom pai. Então eles precisam ser cobrados e precisam ser responsabilizados pelas ações e pelas escolhas que fazem.

Você não precisa se punir e se culpar porque a sociedade quer obrigar você a amar um homem, a qualquer custo. Porque a sociedade quer que você respeite o “pai”, quando esse pai nunca esteve lá por você. Culpa é a sensação de que estamos quebrando alguma norma. A sociedade empurra essa norma para nós. É a lei do patriarcado. Homens devem ser venerados acima de tudo, façam o que for. Sem consequências.

Saiba. Esta norma está errada.

Não tenha filhos: como se fosse fácil

Circulou por aí um texto do palestrante sobre parentalidade Marcos Piangers, orientando que pessoas que não tem condições de criar filhos adequadamente não deveriam tê-los. Como se fosse fácil. Embora a premissa seja bastante correta, valem aí algumas ponderações bastante importantes que foram deixadas de fora.

Bom, em primeiro lugar, é importante destacar que a premissa de que pessoas que não querem se comprometer com a criação de crianças não deveriam ter filhos é tão correta quanto falaciosa. Existe pouquíssima conscientização sobre contracepção, planejamento familiar, os impactos de uma gravidez, e, principalmente, na nossa sociedade a responsabilidade pela contracepção sempre recai 99% das vezes no colo da mulher. Homens estão lá a passeio, só querem usar camisinha sob ameaça de uma escopeta, e aproveitam a primeira oportunidade para chantagear a parceira com o papo de que “agora que estamos num relacionamento sério podemos abrir mão da camisinha”.

E aqui uma informação bacana: nenhum método contraceptivo oferece uma margem de 100% de segurança. NEM LAQUEADURA. NEM VASECTOMIA. O ideal é usar métodos combinados, ou seja, se o homem e a mulher não estiverem ativamente envolvidos na ideia de contracepção, ela pode simplesmente falhar.

Outro ponto importante a ser abordado é como é cruel o argumento de “não tenha filhos se não vai ter tempo”. É o tipo de fala que ignora a realidade da esmagadora maioria da população que trabalha 14 horas por dia e dá graças a Deus porque conseguiu comprar carne moída nas compras de supermercado de mês. E aqui, diga-se de passagem, mais uma vez, as mulheres. Porque elas que são as chefes da família tradicional brasileira. É bastante insensível sugerir que uma mulher que realmente não conseguiu controlar o surgimento daquela gravidez e está se esfolando para criar os filhos, quase sempre sozinha, que ela é culpada por toda a dificuldade que está passando e que “não deveria ter tido filhos”.

Eu até entendo que esse argumento do “não tenha filhos” pode ressoar com alguma razoabilidade para um público que tem dinheiro, esclarecimento, acesso a recursos e para quem a existência de filhos obedece a um planejamento de vida e não a uma consequência quase sempre cercada de desespero de uma relação sexual. E ainda assim isso pode ser discutível porque sabemos que mulheres estão sempre desiguais nas relações. Mas o fato é que ainda estamos longe de ser uma sociedade organizada para o melhor bem-estar de uma criança, desde a concepção, e precisamos pensar isso coletivamente, com políticas sérias de planejamento e suporte a parentalidade e não simplesmente colocando tudo na conta da “escolha” das pessoas. Isso simplesmente não funciona.

Todo choro deve ser consolado

Ora, mas vejam só, agora nós somos uma sociedade moderna que finalmente percebeu que não devemos espancar crianças, que acredita que todo choro deve ser consolado. Agora nós temos métodos mais modernos, arejados, “positivos”, “não violentos”. É o cantinho da calma, é a escuta ativa. Agora vai.

Aí corta para a historinha, totalmente real.

Estava eu aguardando meu marido e meu filho na saída do banheiro que também era a saída do cinema. Sentado na escada de saída do cinema estava um pai, placidamente, conversando em voz baixa, com toda a calma do mundo com seu filho. O menino era visivelmente bem jovem e depois eu descobri que ele tinha apenas 2 anos. E chorava copiosamente. Copiosamente. E o pai o mantinha (apenas com calmos comandos verbais) de pé junto a parede. De castigo.

Enquanto o castigo prosseguia o pai ia dando o sermão da montanha e eu, que acompanhava a cena mortificada com o canto do olho, pude me inteirar da história. A família estava no cinema, a mãe, o pai, um bebê de colo, o menino de 2 anos, e mais um irmão (possivelmente mais velho). O menino de 2 anos começou a se agitar e a chorar, e a querer o colo da mãe. O pai ofereceu o colo, o menino não quis. Queria o colo da mãe. E aí estava armada a celeuma. O garotinho pode ter se “comportado mal” (sabe-se lá o que isso quer dizer para um menino de 2 anos), e ganhou com isso a retirada do cinema e a punição de ficar em pé do lado de fora (tudo bem, ele poderia sentar se quisesse, pelo que entendi) até o filme terminar.

O menino pedia a mãe e ouvia como resposta: “não, sua mãe está lá dentro do cinema vendo filme com seus irmãos ela não vai vir te ver”. O menino pedia colo e ouvia: “não! eu quis te dar colo lá dentro e você não quis! Agora fica aí”. O menino, estoicamente, pedia pra ir pra outro lugar e ouvia: “não, vamos ficar aqui até o filme acabar”. Tudo pontuado por “pode chorar à vontade, não tem problema”. O menino tinha 2 anos e estava completamente desconsolado.

Olha, eu realmente acredito que aquele pai estivesse completamente bem intencionado no que estava fazendo e até estivesse orgulhoso de si mesmo se achando o rei da pedagogia porque estava ali ‘disciplinando’ o seu filhinho ao invés de simplesmente tê-lo espancado para ele calar a boca.

Mas

Nenhuma técnica, nenhuma filosofia de “disciplina” vai funcionar se você não acalmar seus demônios internos, meu amigo, minha amiga. E se você não partir de uma premissa elementar, básica mesmo: crianças são pessoas.

Se uma criança está chorando desconsoladamente, não seja a pessoa babaca que acha isso edificante. Console-a.

Há uma diferença aliás entre o choro de “birra”, que é frustração por não ter conseguido algo. O choro de raiva, o choro de tristeza. E quer saber? Todos eles precisam ser consolados. Consolar e acalmar uma criança não significa “ceder”, não significa “perder”. Significa que você está ali pelo seu filho e está mostrando pra ele que você se importa com os sentimentos dele e que você estará ao lado dele para ajudá-lo.

Aliás, que obsessão que pais tem por disciplina, autoridade, bla bla bla. Que queda de braço com crianças que ainda estão provando o próprio cocô. Deixa eu explicar aqui uma coisa que deveria ser óbvia: vocês têm esse empenho por disciplinar seus filhos mas isso é muito mais uma necessidade SUA de domesticar essa criança pra ela dar menos trabalho pra VOCÊ, do que uma coisa que você está fazendo por ela. E de mostrar serviço para sociedade que sutilmente dá status social para pais carrascos, que têm filhos “comportados”. Filhos que, embora crianças, ajam como adultos na cerimônia do chá da rainha da Inglaterra. Vai se saber a que custo psicológico.

O que pais devem transmitir aos filhos são valores, o que devem ensinar são bons hábitos, o que devem explicar são as regras para se viver em sociedade e ajudá-los a se adequar, o que devem demonstrar são bons exemplos e o que devem ser são companheiros, pessoas em que essas crianças possam confiar, possam amar devotadamente como já fazem, sem sofrer por isso. Sem sofrer porque ama alguém que o magoa.

O pai que estava mantendo o filho aos prantos fora do cinema, certamente estava muito convencido de que estava ensinando uma lição ótima para aquela criança. Se ele olhasse para ela como uma pessoa, se olhasse para suas necessidades, entenderia que: a) ela ainda era pequena demais para assistir um filme de sei lá quantas horas entendendo tudo que estava acontecendo e mantendo a atenção, portanto obviamente ia se sentir entediada; b) sentindo-se entendiada, ou com sono, ou com frio, ou com qualquer outro sentimento que ela talvez nem soubesse identificar ainda, obviamente que ela iria buscar a mãe, que é a sua principal fonte de aconchego; c) o colo que era dela estava ocupado por um outro bebê e sabe-se lá se ela estava lidando bem com isso. O que esse pai poderia fazer? Consolar o filho, tirá-lo do cinema e levá-lo para a piscina de bolinhas, para tomar um sorvete, para fazer qualquer outra coisa. Mas não, “olha uma criança que não se comporta como eu preciso: vamos “discipliná-la!”.

E o que a criança estava vendo ali? O que ela está aprendendo com essa lição? Que as necessidades dela não são importantes diante das necessidades dos pais e dos irmãos. Que ela não tem a quem pedir ajuda e consolo quando se sentir sozinha. Que ela deve aprender a se virar sozinha sem o apoio do pai. Que o único recurso que ela tem para tentar comunicar as emoções dela (chorar) não são ouvidas. Não demora muito aliás ela vai parar de chorar e vai se comportar, papai, não se preocupe. E você vai sentir que tudo deu “muito certo”. Mais uma criança domada na conta do terapeuta.

E sabe o que mais que essa criança aprendeu? A ser autoritário. A ignorar o sentimento das outras pessoas. A ser intransigente. A ser frio. Porque é isso que ela estava vendo ali. É o comportamento que ela estava assimilando. De que você não precisa se preocupar com os sentimentos do outro.

Quer outra regra de ouro na hora de se relacionar com os seus filhos? Pense sempre “que mensagem eu estou passando”. Que não é o que você DIZ, mas é o que você FAZ. É isso que ela está apreendendo. E é nessa chave que você vai definindo que tipo de orientações e interdições (porque sim, educar é também se o primeiro a realizar interdições nos desejos dos filhos) você vai realizar.

E avaliem sempre se a criança está em uma idade que ela tem condições de assimilar o que você está tentando ensinar. Não existe uma “janela de oportunidade” que se você não ensinar coisa x na idade y nunca mais a criança aprende. Socialização é um processo complexo e múltiplo e vamos aprendendo a vida inteira e nos moldando. Fica difícil aprender quando crescemos porque somos esse saco ambulante de traumas justamente porque nossos pais exigiram de nós quando crianças elaborações e comportamentos que não éramos capazes de corresponder.

E olha, na dúvida do que fazer, dê afeto. Afeto sempre afeta e todo choro deve ser consolado.

Como proteger nossos filhos da cultura do estupro?

Como proteger nossos filhos da cultura do estupro? Esta é uma pergunta que assombra toda e qualquer pessoa comprometida com a criação dos filhos.

Todo homem é um estuprador em potencial, dizem. Essa frase é incomoda para homens e um choque para muitas mulheres. Principalmente para mães de meninos. Como assim aquele menino tão doce que ela aninha no colo é um potencial estuprador de mulheres? Pois é. Isso não quer dizer que todo homem estupra. Mas quer dizer que qualquer homem poderia estuprar uma mulher. Porque homens estupram. Não tem uma etiqueta na testa com selo de decência para sabermos quais oferecem segurança e quais não oferecem.

Quando pensamos em estupro, pensamos no ato violento, forçado, coercitivo. E então muitos homens respiram aliviados por sentirem-se fora dessa equação. No entanto se pensarmos nas fronteiras embaçadas de consentimento que nos são ensinadas, o número de homens que cometeu alguma violência sexual é infinitamente maior do que imaginamos. Quantos não roubam beijos, acariciam mulheres de maneira inconsentida? Quantos homens não fazem sexo com sua parceira sem estar realmente preocupado se ela está com vontade, ou mesmo se ela também está aproveitando a experiência?

Que mulher nunca transou com o marido ou namorado sem estar com nenhuma vontade, por senso de “obrigação”? Pela ameaça velada de traição “se não transar com você vou ter que transar outra”? Ou porque o “não estou com vontade” foi solenemente ignorado e homens permaneceram insistindo tanto que ela acabou cedendo para ter sossego? A ponto de originar a clássica piada sobre a desculpa da “dor de cabeça” para não transar. Ou a de ficar “escolhendo a cor que vai pintar o teto” enquanto faz sexo. Isso não é engraçado. Isso é muito violento. Mulheres terem que inventar que estão doentes ou indispostas para que seus companheiros desistam de querer um sexo que ela não está com vontade de realizar é cruel demais. Um sexo que muitas vezes aquela mulher não quer fazer simplesmente porque é ruim. É um sexo onde ela não tem nenhum prazer, não é uma experiência que ela aproveite. Que ela finge ter um orgasmo para ver se aquilo acaba de uma vez e ela pode voltar pra ver novela. Um sexo que é visto como um mal necessário a alguma estabilidade e paz na união que ela está, que “não custa nada”.

“É rapidinho”, “depois você vai gostar”, “não custa nada”, eles dizem.

Vejam que perverso:

Homens aprendem que sexo é para eles, é sobre eles. Que apenas eles têm prazer dessa experiência. Que seu corpo tem “necessidades”. Que é “instinto”. Que ele é um animal sexual cujas gônadas vão explodir se ele não transar. Que ele não pode se conter. Que eles devem conquistar e foder o maior número de mulheres possível porque é isso que prova que ele é macho e viril.

Mulheres aprenderam que sexo é uma coisa “suja”, que boas mulheres sequer gostam de sexo, aprenderam que homens é que devem “fazer a mulher gozar”, como se apenas eles soubessem os segredos sobre o corpo de uma mulher. Mulheres aprenderam que não sentem desejo. Que são frígidas. Que gozar é difícil. Que não devem tocar-se. Que é normal o sexo ser ruim. Que devem fazer sexo com o menor número de homens possível, porque isso é prova que ela tem dignidade moral. E mulheres aprenderam que só são valorizadas se forem dignas. Se forem “direitas”, se forem “puras”. Porque o sexo macula.

O sexo é uma coisa mundana. E o homem é que é do “mundo”. Mulheres são do confinamento do lar, da domesticidade.

Homens aprenderam que mulheres valorosas não devem gostar de sexo. Ou melhor, mulheres podem até gostar depois que conhecerem “o homem certo”. Então homens tem a noção distorcida de que mulheres acham que não gostam de sexo e nunca querem sexo porque ainda ninguém lhes mostrou como sexo é bom. E que por isso recusam. Por isso O recusam. Então ele deve insistir, insistir, insistir, até ela ceder. Porque no final, ela vai gostar.

Mulheres aprenderam que não devem demonstrar que querem sexo, mesmo que queiram muito. Porque mulheres que cedem na primeira tentativa já sabem que sexo é bom. Portanto já tiveram sexo com outro homem. Já gostam. Não são mais “puras”, já não tem mais tanta moral e dignidade. Perderam o “valor”. Porque o “valor” de uma mulher está exatamente localizado entre suas pernas na nossa sociedade. Não à toa mulheres são, por séculos, coagidas e punidas por não manterem suas “virgindades”. Não à toa, até hoje, um hímen intacto faz fortuna em leilões.

Dessa forma, quanto mais rápido mulheres cedem, mais isso indica que elas tiveram muitos parceiros, porque talvez ela goste muito mesmo dessa coisa de sexo e vá transar com qualquer um. E mulheres não podem transar com quem quiserem, porque vai que ela engravida, como saber quem é o pai? Como garantir que o homem que está espalhando sua semente está criando um herdeiro que é seu?

Então mulheres aprenderam que devem sempre dizer não, numa tentativa de “valorizar-se” e que deve deixar o homem “conquistá-la”, que nada mais é do que tentar persuadi-la a ter sexo com ele, e quem sabe nesse meio tempo descobrir que ela é uma mulher digna o bastante para ele querer ter uma família com ela. Se a fórmula funcionar bem e ela conseguir sustentar esse jogo por tempo o suficiente, homens podem inclusive casar com ela no recurso último de finalmente transarem. E assim mulheres obtém o que elas aprenderam que é importante — e que não é sexo — mas “ter um lar e um marido”.

Portanto a boa mulher sempre nega sexo, o bom homem sempre insiste apesar do não. A vontade da mulher que gera um consentimento verdadeiro é relegado a segundo plano. A recusa da mulher é sempre desconsiderada porque faz parte do jogo da conquista. Mulheres não tem direito real de dizer não às investidas sexuais masculinas.

Essa lógica tem um nome. É cultura do estupro.

E como isso opera, na prática? Antigamente, essa ideia desdobrava-se simplesmente com homens capturando mulheres e estuprando-as abertamente, para satisfazer seus “instintos primitivos”. Ou comprando-as dos seus pais em casamento quando queriam aliar a necessidade de sexo com a obrigação social de constituir família, deixar herdeiros e outros arranjos de ordem puramente comercial.

Modernamente o homem não compra mais a mulher em casamento, cultiva-se a ideia de “amor romântico” mas permanece a lógica comercial nas relações de que ele deve conquistá-la através de exibicionismo financeiro, seja porque mulheres são fúteis e gostam mesmo “é de dinheiro”. Seja porque mulheres aprendem que um “homem bom” é aquele que demonstra solvência financeira para prover uma família. Então a lógica da negociação sexual que não passa pela violência direta ou velada pula direto para a estratégia de compra. Presentes, jantares, jóias, viagens.

Antes da violência pura e simples, tenta-se comprar o consentimento com o nome de “conquista”.

Pense em todos os contos de fada que você já leu. Quem é o príncipe? O homem rico que dá a mulher uma vida de “princesa”. E o que é ter uma vida de “princesa”? Uma vida de luxo, riqueza e ostentação. O príncipe é desobrigado de ser um cara minimamente decente. O príncipe da Branca de Neve dá o primeiro beijo nela quando ela está desacordada (!!!), o príncipe da Bela e a Fera… é uma fera, literalmente. O príncipe da Cinderela dá uma festa pra escolher um mulher como se fosse fazer compras no supermercado. Nem nome esses personagens tem. Nem muito bonitos eles precisam ser também (a Fera que o diga), mas o que todos eles têm em comum? São estupidamente ricos.

Pense em todos os filmes românticos que você já viu. Nos livros que você já leu. O homem ideal, ideal mesmo, é sempre rico e bem sucedido, ou pelo menos muito promissor. Ele não precisa ser bonito necessariamente. E ela sempre é estonteantemente bela. A ideia de “romance” e “conquista” começa a acontecer quando o homem começa a dar coisas ou levar a mulher para fazer coisas (jantares, festas, etc). Já é pré-estabelecido no ritual da paquera que homens pagam a conta ao passo que mulheres devem comparecer estupidamente bonitas para agradar e alimentar o desejo masculino. Ele paga o motel já que ela… fez sexo?

Aprendemos a ser “sensuais”, “sedutoras”. A manter a chama do desejo e a imaginação masculina sempre ligada nessa voltagem da caçada. Por que homens não aprendem que precisam ser sensuais? Por que não existem signos de sensualidade para homens? Porque o homem não precisa se preocupar com o desejo feminino de maneira nenhuma. Não é importante.

Mulheres casam e ficam reféns dos seus maridos caso não tenham autonomia financeira. Porque o trabalho doméstico e de cuidado com os filhos não é visto como trabalho e a mulher muitas vezes está presa em casa sem nenhuma possibilidade de gerar a própria renda e homens lhes cobram sexo como se elas lhe devessem um favor. Que ela faz porque “ele coloca tudo dentro de casa”. Como se comer a comida que ele compra e que ela cozinha todos os dias precisasse ser paga. E sexo paga. E homens cobram. Muitos homens não querem que mulheres trabalhem ou tenham sua própria renda porque mantém essa lógica de dominação nos seus lares. Querem sua escrava sexual particular.

Normalizou-se uma lógica de coerção financeira para a negociação sexual onde como sempre a vontade da mulher em fazer sexo é secundária. Ela é um corpo sendo negociado. Sexo é deslocado do lugar de uma coisa que é feita por duas pessoas que se desejam e querem obter prazer daquilo, para ser um “serviço” que mulheres podem prestar aos homens.

“Mulheres são interesseiras” eles aprendem, “só querem o seu dinheiro”. “Homens só pensam em sexo”, elas aprendem, “fazem qualquer coisa por isso”. “Por que não? Não custa nada.”

A prostituição não é um trabalho mas talvez seja realmente uma das práticas mais antigas do mundo porque mulheres sempre foram mais vulneráveis financeiramente e são coagidas de inúmeras formas a fazer sexo com homens desde tempos imemoriais. Já que a vontade dela, a necessidade dela, o desejo dela, o orgasmo dela, o querer dela, é desprezível, e desprezado. A prostituta ocupa o lugar de fornecer o sexo com o menor esforço possível antes de se apelar para o uso da violência física.

E no desdobramento mais violento homens simplesmente tomam mulheres à força. Porque “no fundo ela quer”, ela está “fazendo cu doce”. Homens aproveitam-se de mulheres bêbadas, homens dopam mulheres, homens aproveitam-se de mulheres dormindo, mulheres inconsciente, mulheres em coma. E saem rindo e pensando “tenho certeza que ela está gostando”.

Estupro é sobre poder porque homens nesse momento expressam toda sua misoginia e todo seu ódio e sentem prazer na subjugação do corpo feminino e no seu sofrimento explícito. Mas estupro é também sobre sexo porque homens aprendem que o consentimento feminino não é importante e que ele pode obter sexo de qualquer mulher, a qualquer momento, usando qualquer recurso, caso queira. Muitos homens sequer se dão conta de que aquilo que estão fazendo com aquela mulher é estupro, “porque ela não gritou”.

Isso é tão extremo que muitos homens que não conseguem obter sexo passam a odiar tanto mulheres que se declaram celibatários voluntários. Também conhecidos como Incels. E se reúnem online para planejar, noite e dia, o massacre de mulheres que acreditam que nunca fariam sexo com eles espontaneamente. E depois saem metralhando escolas e cinemas.

Na pornografia você vê mulheres sofrendo violências terríveis que são mostradas como sendo um ato sexual. São penetradas violentamente, são espancadas, são humilhadas, são xingadas. E as atrizes, apesar da dor física, emocional e psicológica que estão sentindo estão ali coagidas e sendo pagas para fingir que gostam. Homens aprendem que mesmo com violência, elas gostam.

Pornografia é estupro filmado. É como meninos e meninas aprendem que sexo se parece.

Cultura do estupro.

Todo homem é um estuprador em potencial. É no que a sociedade transforma os nossos meninos. É a mensagem que é passada para eles o tempo inteiro. Que o consentimento, que a vontade feminina, não é importante. Que eles devem obter sexo custe o que custar, porque é isso que homens fazem.

Ensinem suas meninas a dizerem sim quando quiserem dizer sim, a conhecerem o próprio corpo, o próprio desejo, permitir que sejam seres sexuados e que possam relacionar-se de maneira saudável com isso. Que elas não entrem nesses jogos perversos e desnecessários de conquista. Ensine a ela que se tudo o que um menino quer dela é obter sexo, ela fará se estiver com desejo, com vontade honesta. Que ela fará porque quer obter prazer da experiência. Sempre, não apenas às vezes. Não apenas em um evento mágico e aleatório. Mulheres podem e devem ter orgasmos em 100% dos seus intercursos sexuais assim como homens conseguem. E que elas possam fazer sexo ou ter qualquer contato físico, seja um beijo, seja um aperto de mão, no exato momento em que tiverem vontade. Seja na primeira vez que se conheceram, seja no décimo encontro. E que se aquele rapaz que ela está saindo não puder esperar e respeitar isso, então ele simplesmente não vale a pena.

Diga a sua menina para dizer não quando quiser dizer não. Que consentimento não se compra. Que custa sim. Que um beijo sem vontade custa. Que receber toques no seu corpo quando não se está com desejo custa. Que transar sem estar excitada de verdade custa muito. Que ela é o corpo dela. Que ela não deve desassociar-se. Afastar a mente do corpo de tal forma que ele possa ser usado por um homem como se fosse uma casca vazia. Diga a sua menina que ela não tem preço e que ela é uma pessoa.

Diga a seu menino que ele é uma pessoa inteira e que a vida não gira em torno das proezas que o pênis dele realiza. Que ele não é apenas um ser sexuado e que seu valor não pode ser medido em função do número de mulheres que ele transou. Porque sexo é uma coisa íntima, privada, e não é dá conta de ninguém. Não é um troféu que ele deve ostentar. Mulheres não são troféus. Sexo não é olimpíada onde ele ganha medalhas pelo número de coitos obtidos. Ele não precisa provar nada para ninguém. Que o peso da virilidade é pesado demais. Vamos tentar desassociar essa ideia da competitividade sexual entre os homens que querem provar sua macheza a todo custo.

Diga ao seu menino que ele deve acatar o não quando ouvir o não. Que consentimento não se compra. Que o sexo é algo que deve servir para satisfação de todos os envolvidos. Que se a pessoa que estiver com ele não tiver dado o consentimento expresso da vontade e do desejo dela em estar envolvida no ato, ele está cometendo uma violência. Que o universo não gira em torno do desejo dele. Que nenhum desejo é soberano à custa da violência sobre o outro.

Vamos desmistificar a ideia da “conquista”. Esse conceito parece romântico mas embute uma noção extremamente perigosa. Para todo conquistador existe um conquistado. E esta é uma relação de dominação, de subjugação do outro. Vamos ensinar as nossas crianças que sexo é fruto do desejo surgido através do feliz encontro entre duas pessoas. É decorrência de sentimentos que naturalmente surgem quando sentimos atração, temos compatibilidade e vamos nos relacionando com o outro. Que sexo não é o objetivo final do relacionamento entre um homem e um mulher, mas sim uma relação de afeto, companheirismo e amizade. Onde esse casal faz sexo um com o outro porque se deseja e porque é bom. E onde o sexo não é uma obrigação e sua falta não será o fim, porque uma relação contém inúmeros outros elementos igualmente ou muito mais importantes.

Vamos ensinar homens a verdadeiramente amar mulheres. Querê-las como amigas, companheiras, parceiras. Querer unirem-se a elas porque as admiram, e não porque elas são um corpo a mais para que eles consumam sexualmente. Só assim vamos conseguir algum avanço nesta sociedade onde sim, todo homem é um estuprador em potencial, vivemos imersos em uma cultura do estupro, então precisamos conversar sobre sexo com nossas crianças, mas precisamos deslocar toda a lógica que rege a maneira como nos relacionamos com o tema. Precisamos conversar sobre amor.

10 coisas que realmente ninguém diz sobre a maternidade

Você notou a quantidade de coisas que realmente ninguém diz sobre a maternidade? Quando ainda não temos filhos ouvimos falar da maternidade sempre de maneira distante, romantizada ou ainda de maneira que nos soa sempre exagerada demais para parecer real. E o fato é que parece que há alguns aspectos que ninguém aborda de verdade, que só vamos descobrir quando nos tornamos mães. Vamos ver alguns agora?

1. Não existe nenhuma maneira 100% segura de evitar gravidez

É exatamente isso. Não existe nenhuma maneira completamente efetiva para se evitar uma gravidez. Pílulas, camisinhas, DIU, Diafragma, mesmo vasectomia e laqueadura não oferecem 100% de garantia. Sua melhor opção é SEMPRE utilizar métodos combinados (camisinha + alguma coisa). Portanto não existe muito escolha na maternidade e “só é mãe quem quer” é uma falácia. Se você faz sexo com homens, corre o risco de engravidar. Você pode minimizar a possibilidade ao máximo, até margens bastante seguras. Mas eliminar o risco por completo só abrindo mão de sexo heterossexual.

2. O sistema de saúde não está preparado para atender gestantes

Essa você nem imaginava não é? Mas é mais pura verdade. Ambos os sistemas— publico e particular — são cesaristas e utilizam protocolos obstétricos e pediátricos completamente desatualizados. Isso mesmo. São práticas que não estão exatamente de acordo com as últimas evidências científicas. Muitas técnicas de atendimento utilizadas estão obsoletas ou mesmo condenadas resultando em muita violência obstétrica. E para fugir dessa situação sequer é somente uma questão de ter dinheiro (não à tôa vira e mexe você vê artistas famosas e endinheiradas que caem na conto da cesárea – mas com muito glamour, é claro). Sua melhor opção é se informar ao máximo, pesquisar muito sobre profissionais que atuem por protocolos atualizados, buscar hospitais da rede pública mais humanizados, e aí entra realmente o fator sorte de encontrar atendimento público decente ou poder aquisitivo para pagar algo semelhante ao valor de um rim por profissionais da rede particular. Nesse caso se você tiver boas indicações de profissionais o dinheiro fará diferença. Na média, é tudo bastante aterrorizante porque o atendimento duvidoso começa já no pré-natal e quase sempre só resta a resignação ou passar toda a gestação peregrinando de médico em médico até acertar um.

3. Você será atormentada pela “indústria da maternidade

Prepare o coração e o bolso. Há toda uma indústria focada em vender um sonho de maternidade romantizada que vai tentar extorquir todo o seu dinheiro criando necessidades surreais e rituais desnecessários para o advento do nascimento do seu filho. Você duvidará de si mesma e da sua capacidade de ter e criar essa criança tamanha a quantidade de geringonças e apetrechos que serão empurrados para você. A maioria desnecessária. Mais uma vez você terá que mergulhar por conta própria em busca de informação de qualidade para entender quais costumam ser exatamente as demandas de uma criança, que tipo de criação combina mais com o seu perfil, e exatamente que tipo de coisas você precisa para conciliar isso. E economizar milhões. Você será incentivada e cobrada para fazer books, enxovais, mesversários, chás de tudo que é jeito e caso não sucumba terá a opção de sair de circulação, se aborrecer, ou passar toda a gestação se justificando.

4. Você será massacrada por estereótipos de gênero

Bem vinda ao mundo dos chá de revelação, meu mundo rosa, meu mundo azul, onde o sexo do seu bebê define tudo, até a cor da chupeta que ele levará na boca e não na genitália. Será impossível comprar qualquer item por mais inofensivo que seja sem responder à inútil pergunta: “é menino ou menina?”, e você será o tempo todo muito bem orientada sobre que tipo de educação que esperam que você dê para sua “princesa” ou para o seu “príncipe” e ai de você se ousar dizer que não vai seguir à risca o manual dos estereótipos de gênero. Resistir a essa pressão é uma tarefa difícil, solitária e bastante aborrecida porque todo o sistema da nossa sociedade hoje parece obcecado em dividir o mundo em coisas de menino e coisas de menina e decidido a não deixar os mundo se misturarem.

5. Você se sentirá infeliz, sozinha e abandonada após parir

Você se sentirá assim e essa percepção será real. Porque as pessoas em geral abandonam mesmo as mulheres assim que elas têm seus filhos. Depois que a parte da curiosidade social cessa mães ficam confinadas com os bebês largadas à própria sorte enquanto a vida de todos continua. Inclusive — na maioria das vezes — do pai do bebê. Muitos amigos se afastarão porque não saberão como se encaixar nessa nova fase da sua vida. As amigas que já são mães estarão envolvidas nos seus próprios problemas, que são muitos. Se você trabalha vai sentir culpa e alívio ao término da licença-maternidade. Culpa porque uma parte de você vai querer estar ali para o seu bebê. Alívio porque você não aguentava mais o confinamento e estava ansiosa para voltar a sua forma humana. Aliás, culpa e alívio serão sentimentos conflitantes que te acompanharão para sempre em relação aos seus filhos.

6. O seu corpo vai mudar para sempre e talvez você nunca mais se aceite

Você receberá pressões absurdas em relação ao seu corpo. O seu corpo “perdido”. Você mal terá saído da maternidade e já estarão te cobrando para que você tenha seu corpo “de volta”. Vão querer enfiar você em uma cinta quando você ainda estiver tentando encontrar uma posição para sentar após o parto. Vão te pressionar a fazer exercícios quando você mal consegue dormir. E vão fiscalizar o que você come. Talvez a única alegria que você tenha nesse momento da sua vida: comer. Exceto que o seu corpo agora é esse mesmo. Diferente do que era antes. Seu. Mas como somos criadas em uma cultura que valoriza mulheres somente pela sua aparência e uma aparência que é adequada a um padrão cruel e impossível de ser alcançado, talvez você nunca mais goste completamente do que vê. Não por culpa sua. Não porque o seu corpo não é bom. Mas porque a sociedade e a indústria da beleza que está sempre pronta para arrancar o seu dinheiro estarão sempre ali à postos, te cobrando e fazendo você lembrar das estrias e da flacidez ou de qualquer outra coisa que não deveriam ter importância nenhuma, afinal, pelo amor da Deusa, você está ocupada tentando manter um bebê vivo. O corpo do pós-parto, que é um corpo renovado porque fabricou um ser-humano deveria ser motivo de orgulho para cada mulher. Deveria ser não, é.

7. Você nunca mais será independente e autônoma

Essa é uma constatação muito dura. Depois de ter filhos, até que eles se tornem adultos, você nunca mais poderá se dizer independente. No sentido de que sozinha você não tem como dar conta de cuidar dos filhos, de si e do seu sustento ao mesmo tempo então você sempre estará dependendo de alguém. Independente da sua situação financeira. Você dependerá de um parceiro que cumpra sua parte como pai e alivie sua carga de trabalho te liberando para fazer outras coisas. Caso não exista esse parceiro você dependerá da ajuda de amigos ou familiares. Caso tenha dinheiro você dependerá da ajuda de mão-de-obra terceirizada. E é dependência mesmo, porque mesmo que você tenha um caminhão de dinheiro, você precisa que os profissionais cumpram a sua parte ali no acordo, já que você não pode simplesmente deixar a criança sozinha amarrada no pé da cama com um pote de ração do lado. Sua relação com o emprego vai mudar, porque você sabe que a inserção de mulheres-mãe no mercado de trabalho é muito mais difícil então talvez você se submeta a situações que nunca se submeteria caso não tivesse filhos. Porque antes era só você e você se virava e talvez passasse o dia só com um sanduíche de pão com manteiga na barriga. Mas agora você tem filhos e você não quer que eles tenham apenas uma refeição diária. Você se sentirá vulnerável e com o peso do mundo em suas costas e é um sentimento acertado. O Estado não oferece apoio para as mães pobres, para as mães trabalhadoras, os companheiros quase nunca cumprem seu papel de pai e marido como deveriam (isso quando estão lá), e é isso, por mais que você tenha rede de apoio você terá que aturar muita coisa simplesmente porque agora você tem um filho sob sua responsabilidade e isto te deixa vulnerável.

8. O seu relacionamento vai mudar, não necessariamente para melhor

O seu relacionamento com seu parceiro vai mudar. Este é um fato irrevogável. Pode ser para a melhor e pode ser para a pior. O seu companheiro pode simplesmente não dar conta da ideia de ser pai e ir embora. Ele pode agir feito uma criança e querer continuar te fazendo cobranças que você não tem como corresponder — como muito sexo por exemplo — e usar isso como desculpa para te trair. Ele pode fingir que nada está acontecendo e continuar com a mesma vida de sempre enquanto você está afogada em um turbilhão de mudanças e completamente sobrecarregada com as novas tarefas. Ele pode abraçar o projeto com você, como deveria ser, e tornar sua vida mais fácil e até prazerosa e juntos vocês se descobrirem mais fortes e unidos. Mesmo assim será difícil: vocês não terão mais tanto tempo um para o outro. Você sentirá falta de como vocês costumavam ser. Você se sentirá carente muitas vezes. Você pode não sentir mais vontade nenhuma de estar com ele. Ou pode levar muito tempo para vocês se reencontrarem. Esta não é uma situação permanente porque crianças crescem. E uma vez que elas estejam mais autônomas a vida vai voltando pro lugar. Mas é preciso muita maturidade para lidar com esse período e essas mudanças. Um filho pode ser uma oportunidade para que um casal cresça junto e a melhor opção é desde a gestação o casal conversar muito sobre as expectativas, procurar ouvir outros casais, chegar num entendimento de como vai ser a vida que os espera, saber que terão aí pelo menos uns 5 anos pela frente em que uma criança será o centro de tudo até que vocês possam voltar a uma rotina mais ou menos própria. Filhos são uma nova fase no relacionamento, o que essa nova fase vai reservar muitas vezes é uma caixinha de surpresas.

9. A maternidade é a arte de conciliar contradições internas e nem todos os sentimentos são publicáveis

Com a maternidade você vai se deparar o tempo inteiro com sentimentos contraditórios dentro de si, nem todos publicáveis principalmente porque existe uma romantização muito grande que fará você se sentir culpada por boa parte dos seus sentimentos. Mas acredite, todas as mulheres sentem-se assim. Só que algumas reconhecem os sentimentos de si, outras não. E quase todas negam. Para si mesma e com os outros. A vontade de estar sempre junto ao filho, a necessidade de estar sozinha. O amor despertado pela presença da criança e pela nova vida que isto representa, a saudade da vida antiga onde não tinha tanto perrengue. A raiva por ter que se submeter a tanta coisa por causa da criança, a culpa por sentir raiva sabendo que a criança não tem nada a ver com isso. Transitamos o tempo todo entre o amor e a dor, com muita culpa causada por um sociedade que responsabiliza mães por tudo, romantiza maternidade e não nos dá nenhum apoio. Seja generosa consigo mesma nesse processo e saiba que todos os seus sentimentos são perfeitamente legítimos. Reconhecer os próprios sentimentos é uma estratégia importante para não transferir para os filhos (e puni-los) por algumas frustrações — que sim são recorrentes — com relação ao que a vida se tornou em função da difícil vivência da maternidade. Porque fato é nisso tudo que mulheres não tem culpa nesse processo, mas as crianças muito menos. E nessa equação mãe-filho, os filhos são os vulneráveis.

10. Ninguém liga para mães e crianças

Pois é. Isso é algo que você só descobre realmente depois que tem filhos. Na prática ninguém liga para mulheres e crianças e há inclusive um sutil discurso de ódio em uma sociedade que é movida pela cultura do estupro e da pedofilia e profundamente adultizada e etarista. Mulheres precisam de uma lei que as proteja para que possam amamentar seus filhos em paz onde necessitarem. Quantos equipamentos sociais existem que são adequados para receber mães com seus filhos? Transportes, áreas de lazer, restaurantes? Sair com crianças na rua é uma verdadeira operação de guerrilha. Se você não estiver bastante atento algo realmente sério pode acontecer com ela porque esta não é uma sociedade em que você transita sentindo-se acolhida sabendo que a comunidade toda do entorno está zelando pelas suas crianças. Ao contrário, a comunidade é predadora e pode roubar o seu filho e vendê-lo na deep web. Tudo é pensado para receber pessoas adultas. Pessoas adultas essas que ainda torcem o nariz para crianças e pressionam os pais a discipliná-las inclusive violentamente para que “se comportem”, leia-se, para que não se comportem como crianças no espaço público. O discurso da sociedade em relação a crianças é autoritário, estimula a agressividade como forma de disciplina. Pais são incitados a uma síndrome de pequeno poder e muitos se tornam pequenos ditadores em relação aos seus filhos. Onde a “imposição de limites” é a desculpa para a violência. A criança nasce e rapidamente começa um esforço para que ela se torne adulta sob a falácia do “tornar-se independente”. O bom filho é o filho independente. O que significa isso afinal? Precocemente crianças são treinadas para fazer tudo sozinhas, dar o menor “trabalho” possível, se tornarem produtivas. Se tornarem adultas. E as mães, capatazes do patriarcado, seguem nesse baile. Igualmente desprezadas.

Precisamos conversar abertamente sobre os impactos da maternagem sobre as mulheres, só assim teremos condições de pensar políticas de apoio que sejam verdadeiramente eficientes e libertadoras.

O que o sucesso da criação com apego revela sobre a sociedade que vivemos

O que o sucesso da criação com apego revela sobre a sociedade que vivemos? A teoria do apego é uma teoria criada por um psicólogo britânico que reza sobre técnicas para criação de filhos calcada em proximidade física, criação de vínculo e não violência. Ainda que muitíssimo correto, tudo que é dito por essa cartilha deveria ser da alçada do capitão óbvio, e o seu sucesso estrondoso esconde, ou melhor evidencia, algo que não queremos encarar conscientemente: o quanto vivemos em uma sociedade que não se importa com crianças.

O quão estranho é uma pessoa ter que ser “ensinada” que ela deve tratar seu filho com “apego” (também conhecido como carinho) e ouvir as necessidades dele?

Porque no fim, a criação com apego se trata justamente disso, você ter que explicar a adultos que eles não podem ceder aos piores instintos que cuidar de uma criança pode despertar: o egoísmo, a tirania, a megalomania, a impaciência, a violência, já que você de repente detém completo poder sobre a vida de um outro ser humano, completamente vulnerável, e que lhe tem total devoção. A síndrome do pequeno poder impera, confessemos.

E então, o que a teoria do apego diz na verdade é: você não é dono do seu filho. Ele é uma pessoa, tem necessidades, e precisa de você. E convenhamos que nada, absolutamente nada, do que é pregado é revolucionário, o que torna tudo muito mais triste e deprimente. Deixar um bebê mamar quando tem fome e pelo tempo que ele precisa, deixar ele dormir com você enquanto ele se sente inseguro para dormir sozinho, confortá-lo quando chora, dar colo, não espancá-lo, deveria ser evidente já que crianças são seres dependentes, vulneráveis, carentes e que não tem nenhum portfólio sobre como viver nesse mundo. E que decadência civilizatória ter que falar isso. Ter que explicar aos pais que eles devem amar e respeitar o próprio filho.

Admitamos que vivemos em uma sociedade que odeia crianças. O amor que dispensamos a elas é o que dispensamos a um souvenir. Bebês são ótimos na foto fazendo fofurices, mas queremos que durmam rápido e a noite toda como adultos, que comam sozinhos o quanto antes, desfraldem em duas semanas, não chorem, não se irritem. Parem dar trabalho. Uma sociedade onde fazem sucesso as “Encantadoras de Bebês”, com a solução mágica que deixa claro uma realidade terrível: vemos as particularidades e necessidades de um bebê como um problema que precisa de passe mágica para ser resolvido.

E quando eu falo “sociedade”, que fique claro, eu falo dessa que vivemos: patriarcal e capitalista que enfia todos nós dentro de uma lógica massacrante, individualista e consumista onde mulheres devem ser produtivas, lindas, fazer a roda do consumo girar e ao mesmo tempo também devem continuar domésticas e reproduzindo a espécie. Afinal precisamos de mão de obra. Homens e mulheres são engolidas pela rotina produtiva e a necessidade de sobreviver e quase não tem tempo de cuidar com qualidade dos seus filhos.

Crianças não são produtivas. Não são mão de obra aproveitável até entrarem na vida adulta, então não são consideradas tão importantes. Na verdade só servem para gerar mercado consumidor. Alguém já parou para pensar como a chegada de um bebê é embalada como um grande produto? Enxoval, chá disso, chá daquilo, festa na maternidade, e depois do nascimento, mãe e criança são atiradas no ostracismo e o recém-nascido vira um empecilho a ser resolvido. Buscamos o tempo todo soluções mirabolantes para que os bebês parem de se comportar como bebês e sejam independentes o mais rápido possível.

Chegamos ao ponto em que precisamos de técnicas”, de livros e cursos e vídeos para dizer o óbvio: crianças são pessoas. São seres em desenvolvimento em situação de completa vulnerabilidade e necessitam de compreensão, paciência e empatia. São seres que precisam de carinho e cuidado. Dar colo e aconchego ao filho virou uma “técnica”. Somos uma civilização em que amor, carinho e respeito por crianças precisa de prescrição.

She-Ra e as Princesas do Poder

A Netflix lançou recentemente um reboot do popular desenho da She-Ra, e as Princesas do Poder, muito famoso nos anos 80. O desenho é uma agradável surpresa e recomendadíssimo para assistir com crianças já que finalmente apareceu alguma coisa que traz uma mensagem decente sobre o tal empoderamento feminino.

A premissa do desenho é a mesma: Adora é uma órfã que foi criada e treinada pela Horda para supostamente lutar para salvar o mundo em que vivia. Após um acidente, se perde na floresta dos Sussurros e é capturada pela princesa Cintilante e pelo Arqueiro, que lutam pelos Rebeldes, que a mostram que tudo que aprendeu sobre o mundo onde estava vivendo estava equivocado e que ela estava lutando do lado errado. Nesse meio tempo ela descobre uma espada mágica que a transforma na princesa prometida She-Ra, uma guerreira de 3 metros cheia de poderes muito loucos, como transformar um cavalo comum em um unicórnio. Então a trama se desenvolve com Adora na busca por entender seus novos poderes e lidando com as conseqüências das suas escolhas, enquanto fortalece seus laços de amizade com as pessoas que vai conhecendo entre os Rebeldes com quem se une para ajudar a combater a Horda e proteger Etéria.

O desenho é formado por 95% de personagens mulheres. Mesmo. E os personagens masculinos ou são acessórios, escada para um personagem feminino ou alívio cômico. Só por isso o desenho é bastante revolucionário. O personagem do Arqueiro, por exemplo, melhor amigo da princesa Cintilante, é um adolescente sensível, companheiro, que se emociona freqüentemente e serve muito mais como recurso para mostrar o desenvolvimento da Cintilante, que é um personagem muito rico, sempre em conflito com sua mãe, a Rainha de Lua Clara, para ter autonomia, independência e mostrar suas potencialidades.

Do lado da Horda, as antagonistas são maravilhosas e complexas. Felina tem um relação complicada de amor e ódio por Adora, que era sua amiga até sua partida e união com rebeldes. A relação delas inclusive é um fio condutor importante da trama pois Adora passa o tempo todo lidando com sentimentos contraditórios por ter deixado a amiga para trás, por vê-la escolher o lado dos vilões, por ter que lutar contra ela. E Felina por sua vez tem que lidar com o sentimento de abandono, rejeição, vingança e ambição de se tornar a capitã da Horda, agora que Adora estava fora do caminho. O Hordak aqui é um vilão completamente insípido totalmente nublado pela complexidade da Sombria, que tem uma estranha relação quase maternal com Adora enquanto maltrata e humilha Felina.

she-ra e as princesas do poder
Felina e Adora, amigas e rivais

As Princesas também são um show à parte, e ajudam no alívio cômico, cada uma com poderes bem específicos e personalidades exóticas. E palmas aqui para a preocupação com a representatividade de biotipos (Cintilante é baixinha e gordinha, por exemplo), raças e etnias. E um adendo para falar do Ventania, lembra dele? Aqui ele se torna um unicórnio falante revolucionário que quer libertar todos os cavalos do mundo!

Os conflitos da trama são na verdade muito mais sobre questões psicológicas e emocionais dos personagens do que sobre a luta pra libertar Etéria. She-Ra não é uma guerreira pronta, na verdade muito longe disso. Adora recebe uma missão que não sabe como lidar e é o seu caminho para aprender como usar toda a força que descobre que tem que dá uma belíssima lição de empoderamento para meninas.

Em primeiro lugar essa força, esse poder, que Adora descobre que tem não a deixa pronta, nem traz resultados, muito longe disso na verdade. She-Ra é uma guerreira em construção, falha, e cheia de crises existenciais. E toda sua descoberta de si mesma passa por restaurar a Aliança das Princesas que foi desfeita no passado porque elas acreditaram que não havia resultado em lutarem juntas, que se saíam melhor sozinhas. Durante toda a série, Adora e Cintilante buscam reustarar e fortalecer os laços de confiança e amizade entre as Princesas do Poder, busca romper as diferenças, os medos, para que possam somar suas potencialidades e enfrentar o inimigo em comum. Então o desenho fala de muita coisa, mas fala principalmente de mulheres conhecendo sua força, de mulheres aprendendo a lidar com suas dificuldades pessoais, de mulheres aprendendo a importância de lutarem juntas, de mulheres aprendendo a confiar umas nas outras. E é apenas quando elas decidem se unir que o empoderamento acontece. Porque empoderamento é uma força coletiva. É a força de um grupo que consegue mudar uma realidade, não é um sentimento individual. She-Ra não é empoderada, mas a Aliança das Princesas é poderosíssima.

E por isso que o desenho vale cada minuto, para meninas verem princesas que valem a pena querer ser. Para meninos aprenderem a admirar meninas por suas habilidades, força, inteligência, coragem, e não por sua aparência. Que sorte que essa geração tem coisas assim para assistir, saudosismo com a She-Ra da sainha dos anos 80, nem pensar.

Dia dos pais sem ter o que comemorar

Este é um dia dos pais sem ter o que comemorar. Queria dizer a todas as mulheres que criam os seus filhos sozinhas que esse dia não é delas e não deve ser celebrado. Não há nada para comemorar. Uma mulher que cria o seu filho sozinha é uma mulher extremamente sobrecarregada que tenta minimizar as lacunas deixadas pela ausência do genitor, e que efetivamente ela não conseguirá cumprir esse papel de “pai”. Porque ela é a mãe. Uma mãe exausta, uma mãe solitária, uma mãe cheia de perguntas sem resposta. A mãe. O pai que deveria estar lá e não está, quase sempre por abandono, descaso, displicência, irresponsabilidade é o que é. Uma ausência. Filhos crescerão com esse peso. Com esse tema para levar para a terapia, caso tenham a oportunidade de fazê-lo.

No país do abandono paterno, do machismo, da paternidade de ocasião, de pais de selfie, este é um dia de denúncia e pouca comemoração. É um dia para que homens reflitam como estão exercendo sua paternidade, para que reflitam sobre que tipo de modelos de paternidade tiveram e se esse modelo foi realmente positivo, carinhoso, contributivo para que eles se tornassem homens melhores, ou apenas reprodutores do que há de mais violento e machista na sociedade.

E não é apenas uma questão de ausência. É de presença ausente. De abster-se do cuidado, do fortalecimento de vínculo, por acreditar que o papel de pai limita-se a colocar comida na mesa em troca da eterna gratidão e subserviência da família. A existência dos homens na lembrança de boa parte das pessoas quando pensam sobre paternidade está quase sempre ligada a episódios de violência, alcoolismo, descaso, desleixo, irresponsabilidade, omissão, abuso. Pessoas que crescem buscando tampar esse buraco, suprir essa carência, que se agarram às poucas migalhas de afeto que receberam na infância dos seus pais como se fossem tesouros sagrados.

É um momento para que se faça um exame de consciência e uma admissão coletiva de culpa: homens, vocês não são bons pais. Vocês não estão exercendo a paternidade de forma a criar pessoa melhores, vocês não estão presentes na vida dos seus filhos. Assim como o pai de vocês provavelmente não esteve. Esse sequer é um fenômeno local: já notou como a maior parte das narrativas de filmes, séries e novelas tem a ver com pessoas tentando resolver seus traumas com os pais, via de regra o pai? O pai que não está lá. O pai que não dá afeto. O pai, o eterno atrapalhado bobalhão.

E por favor, me poupem do discurso “mas nem todo pai”. Se você não é assim, ou seu pai não é assim, toma aqui sua medalha de honra ao mérito. Você é exceção, não é regra. Onde estão os homens nos grupos que falam sobre cuidados dos filhos, pediatria, escola, fraldas, comida, roupas? Por que homens sentem-se confortáveis conversando sobre futebol enquanto suas mulheres estão conversando sobre seus filhos? Por que homens simplesmente esquecem dos filhos quando separam-se da mães? Por que é preciso uma lei que precise prender homens para que eles façam o mínimo que é pagar pensão para sustentar os filhos das relações que se romperam? Por que homens não combatem homens que demonstram desejos pedófilos? Por que homens não protegem a infância? Não protegem as crianças?

Falar de criação de filhos é falar de afeto, de cuidado, de presença. De querer estar ali para cuidar, amar e socializar uma criança. Essa é a função do pai. Dividir esta tarefa com a mãe. Sendo companheiro dela ou não. Se você não faz isso, não dá afeto, cuidado de verdade e presença, sua paternidade não é o bastante. Você não merece parabéns por nada. Aproveite este dia para pensar na sua parte, para pensar na sua função social. Para pensar se você merece algum presente.

Não há nada de feliz no dia dos pais.

Educar filhos é sobre escolher batalhas e não deixar feridos

Educar filhos é sobre escolher batalhas e não deixar feridos. A menina devia ter uns 2 ou 3 anos no máximo. Estávamos no meio do saguão da Receita Federal. Ela chorava desconsolada junto ao pai que estava ajoelhado na sua frente e impenetrável exigia que a criança pegasse um objeto que ela tinha atirado para longe num rompante de raiva.

A mãe, ao lado, observava impassível a cena. Decerto havia uma lógica naquilo tudo e talvez uma lógica correta dentro daquilo que aqueles pais acreditavam. Era preciso educar a criança, não importa onde, não importa como, não importa quanto tempo levasse. Ela atirou um objeto em um momento de birra e deveria portanto ajustar seu comportamento imediatamente, apresentando sua compreensão do ato, as mais sinceras desculpas e a correção do destempero. E os pais estavam ali naquela árdua missão. Certo? Todos concordamos?

Bom, sei lá. Às vezes eu acho que mesmo no meio das nossas boas intenções podemos ser projetos de ditadores com nossos filhos. Somos obcecados em mostrar e estabelecer nossa autoridade e sim isso é importante para nos posicionarmos como referência mas tampouco é a única estratégia, ou mesmo a mais acertada. Muitas vezes o que essa possibilidade faz é despertar a megalomania que há em nós. Queremos ser mais que pais. Queremos ser chefes. Comandantes. Que os filhos PRECISAM respeitar. PRECISAM obedecer. Porque somos os PAIS. E isto nos investiu com o poder sagrado sobre a vida dos filhos.

Mas toda essa reflexão me veio também porque a menininha lá chorava desconsoladamente, as vezes estendia os braços pedindo colo… Ela visivelmente já não estava entendendo mais nada, não sabia porque o pai ainda estava ali abaixado com cara de bravo e não a deixava sair. O que ela queria mesmo era um abraço, um picolé, ver Patati Patatá. Era uma menina de no máximo 3 anos, que teve um arroubo emocional.

Adultos fazem isso o tempo todo, gritam, saem batendo portas. É difícil mesmo se controlar às vezes e a maioria passa a vida tentando sem sucesso. Eu não acho que essa sociedade de adultos exaltados de hoje é formada por pessoas que foram crianças “sem limites”. Crianças cujos pais não tentaram controlá-las sob a desculpa de que as estavam ensinando. Ao contrário, a maioria de nós foi adestrada à base de muita violência física, verbal e psicológica, e isso resultou num total de muitos nadas porque crescemos e formamos essa sociedade de pessoas destemperadas, pouco afeitas ao diálogo e que naturalizam agressão.

Enfim, talvez, naquela situação, fosse mais fácil pegar a criança no colo, consolá-la, tentar ensinar outras maneiras de lidar com a raiva. Não estou dizendo também que devemos simplesmente ser permissivos com tudo que os filhos fazem. Mas é preciso escolher as batalhas na maioria das vezes e é preciso manter o foco para não ser engolido pela necessidade de mostrar autoridade a qualquer custo. É possível ensinar de muitas maneiras, acolhendo, dando o exemplo, algumas vezes sendo mais enérgico, mas sem esquecer o que estamos fazendo ali: tentando ensinar a essas pequenas criaturinhas estratégias para sobreviver nessa selva chamada planeta Terra. Ensiná-las a serem empáticas, a conhecerem suas emoções e lidar com elas. No ritmo e no tempo que elas consigam fazer isso. Repito, muita gente chega na vida adulta e ainda não conseguiu fazer metade do que se exige das crianças.

Até por isso, se dê algum desconto também. Porque você pode inclusive nem ser a melhor pessoa para essa tarefa: educar uma criança. Acontece. Pais acham que só porque geraram um filho se graduaram em psicologia, pedagogia, sociologia, pediatria, tudo junto. O conjunto de habilidades e conhecimentos necessários para se criar uma criança não brota por mágica com o nascimento da mesma. A necessidade de preparar-se para a parentalidade é uma realidade, nós simplesmente desconhecemos o funcionamento de bebês, crianças e adolescentes até nos deparamos com a necessidade de lidar com eles (e fazê-los sobreviver).

E estamos longe de saber alguma coisa né? Na maioria das vezes estamos tateando muito mais agarrados em convicções do que em certezas. Reproduzimos aquilo que achamos que deu certo na nossa socialização, que quase sempre é um desastre completo. Não que a gente se dê conta disso também. Vamos levando adiante. Pensamos “eu não matei, não roubei, não fui preso, devo ser uma boa pessoa, obrigada mamãe e papai”. Mas só você sabe o peso emocional que você carrega para se manter de pé todos os dias. A carência que você tem de recursos para lidar com a vida. E é isso. Seguimos reproduzindo a espécie. E sim, você simplesmente pode estar bastante coisa errada por aí, e seus pais podem ter feito bastante coisa errada com você. Culpa sua? Não. Culpa deles? Sim e não, também. Todo mundo está fazendo o seu melhor e os consultórios de terapia consertando os estragos para quem consegue ter acesso a eles.

E tudo isso para dizer que educação sem acolhimento não resolve muita coisa, no fim. E acolhimento não é aceitar tudo, abrir mão de ensinar valores, ética, as regras sociais. Acolhimento é perceber que seu filho está chorando desconsoladamente e naquele momento precisa de um abraço, não de uma bronca. A gente não devia deixar ninguém chorar desconsoladamente em nome de nada. Muito menos aos nossos filhos. Se a gente não tem muita certeza do que está ensinando, se somos todos meio cegos tateando para tentar sobreviver neste mundo, que ao menos seja de mãos dadas. Acolhendo uns aos outros. Que seu filho tenha a lembrança de que você foi a pessoa que o ensinou a ser uma “pessoa de bem”, mas também a pessoa que esteve ao seu lado e o ajudou a ser mais feliz.

E que com filhos a gente está o tempo todo escolhendo as batalhas que vai travar, porque tudo é desgastante. E nem tudo vale a pena, às vezes é só desgaste mesmo. É fácil perder o foco do que se está fazendo e dos motivos pelos quais estamos fazendo algo aos filhos. A gente tenta ensinar muita coisa que nem a gente aprendeu direito. Acho até que a gente consegue ensinar mais quando admite pra si mesmo que sabe muito pouco e que também tem vontade de sentar no chão e espernear junto para ver se alguém se compadece e resolve o seu problema.

Não existem “coisas de meninos” e “coisas de meninas”

Acho que uma das partes mais complicadas de se criar filhos hoje em dia é conseguir passar os valores de que não existem “coisas de meninos” e “coisas de meninas”. Uma vez me perguntaram se eu deixaria meu filho sair com vestidos, unhas pintadas e coisas que são atribuídas às meninas. Eu fui bastante honesta na resposta: que dependeria. Se ele estivesse indo para algum lugar onde suas roupas fora do padrão de gênero não fossem causar grandes transtornos a ele, deixaria sim. Mas se fosse algum lugar onde ele pudesse ser fortemente rechaçado ou rejeitado, talvez eu não o expusesse, tão jovem (ele tem 3 anos e meio) a uma situação que ele não entenderia, não saberia lidar e ainda poderia magoá-lo profundamente.

E como eu lido com o desejo, muito natural, do meu filho usar coisas ditas “femininas”? Pessoalmente, eu nem ligo. Até porque ele não vê as coisas divididas dessa forma. Roupas são roupas, cores são cores, brinquedos são brinquedos. Com o tempo, inevitavelmente, ele vai ser apresentado a essas classificações arbitrárias e aí teremos um novo desafio que é diminuir o peso disso, para que ele continue se relacionando da maneira menos danosa possível com os estereótipos de gênero.

E por que meu filho não sabe o que são “coisas de meninas” e “coisas de meninos”? Porque até agora ninguém ensinou. Ele chegou até aqui sem ouvir a famigerada frase “isso não é para você”, ou “ isso é de menina”, ou “meninos fazem assim”, e sai por aí feliz na bicicleta cor-de-rosa que herdou da prima sem nenhum trauma ou dor na consciência. Assim como brinca com ela com as bonecas e com os carrinhos e com todos os brinquedos possíveis à disposição.

E aí é importante dizer que sim, é perfeitamente possível atravessar boa parte da primeira infância da educação de um filho sem ter que entrar no mérito do que teoricamente pertence ao mundo das meninas e o que pertence ao mundo dos meninos. Esse tipo de informação e instrução não representa nada além de uma limitação do universo. O que crianças precisam entender é que há coisas que são adequadas e permitidas a ela e outras que não são, que só são adequadas e permitidas quando elas crescerem. E isso já resolve muita coisa. O mundo para elas, na verdade é muito mais dividido em “coisas de crianças” e “coisas de adultos” que qualquer outra coisa. E essa é uma noção muito importante, inclusive para a segurança delas.

E que resolve muita coisa. “posso jogar Resident Evil?”, “não, isso é coisa de adultos”, “posso beber esse vinho?”, “não, você ainda é pequeno”, “posso mexer nessa faca?”, “melhor crescer mais um pouco”. Acredito inclusive que consigo manter essa lógica com adaptações até ele completar 18 anos.

Até porque, há uma infinidade de outras informações mais relevantes que uma criança deve saber desde bebê que não passam por dividir o mundo em azul e rosa. Tipo, o nome das partes do corpo. Inclusive, e principalmente dos genitais. Deve saber que não pode deixar ninguém encostar a não ser quem é o responsável por dar banho nele e higienizar. Deve saber que ele não deve encostar nos genitais de ninguém, mesmo que peçam. Que beijo na boca é coisa de adulto. Que crianças e adultos não ficam sem roupas juntos. Que ele deve pedir permissão para abraçar outras crianças caso queira e que se elas não quiserem, ele não deve insistir. Por exemplo.

E é isso, não se preocupe em antecipar-se, o seu filho vai entender os códigos. É fácil notar que o mundo é binário e ele vai se identificar ou não com um determinado grupo, e aí cabe a você apoiá-lo para que se sinta confortável e consiga expressar sua autenticidade. Porque em algum momento ele vai ser cobrado para que defenda as leis do gênero em que nasceu inserido. E se ele conseguir chegar nesse momento consciente de que essas regras não tem o menor sentido, de que ele não precisa se submeter, vai ter força para, quem sabe, realizar os enfrentamentos necessários para gente combater tanta coisa ruim que os estereótipos de gêneros nos trazem, tanto machismo estrutural. Quem sabe? São sementes que a gente planta, tentativas que nós fazemos.

Eu, como mãe feminista, realmente não tenho nenhuma garantia de que meu filho não vai ser machista. Eu não tenho ilusões de que ele será imune. Mas enquanto eu puder mostrar a ele como o mundo pode ser bem mais fácil, para todos, quando a gente não se submete a este chicote do gênero, vamos lá. É um dia de cada vez. Quem sabe a revolução não será materna?