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Da transgressão indesculpável de declarar-se feminista

Declarar-se feminista é uma transgressão indesculpável. O feminismo, por definição é a luta pela emancipação feminina da dominação masculina. Numa análise mais profunda, podemos sim, inclusive, falar de libertação. De exploração. E de escravização. Masculina.

O agir feminista portanto consiste em praticar o feminismo. Ou seja, lutar pela emancipação feminina. E essa luta se dá em muitos fronts, de muitas pequenas e grandes maneiras. Muitas mulheres tem um fazer feminista ainda que assim não se declarem. Muitas mulheres se declaram feministas mas tem um fazer claramente antifeminista.

E por essa mesma lógica que homens não podem ser feministas. Eles podem, no máximo, tomar consciência dos seus privilégios e tentar abrir mão deles, podem tentar resolver seus próprios problemas de masculinidade, machismo e violência, podem constranger seus iguais, abrir mão da cumplicidade e da omissão. Mas não podem lutar pela libertação feminina porque nessa equação eles estão do lado a ser combatido. São algozes. São o inimigo.

Sim. Homens são os inimigos. Sem aspas. Homens matam, violentam, exploram e escravizam mulheres. Generalização? Todo o sistema que gira o mundo é comandado por homens. Observe todos os grupos que governam todos os países do mundo. Quem está lá? Por quem é formada a maioria? Homens. E não só no executivo. No legislativo, no judiciário. Homens fazem as leis, julgam, prendem, soltam. Homens nas forças policiais e armadas. Homens no comando de todas as empresas, na publicidade, na mídia, na produção artística.

Então talvez “nem todo homem” seja um abusador, agressivo ou estuprador mas entenda, o meu, o seu “cara legal” é no mínimo omisso e cúmplice.

Todo homem, absolutamente todo homem, é inegavelmente, ao menos omisso ou cúmplice em relação a tudo o que mulheres sofrem na nossa sociedade. Porque se assim não fossem, como permitiriam tanta violência contra as mulheres? Como permitiriam que mulheres fossem tratadas como são? Tanta morte, tanta exploração, tanta mágoa. Onde estão os homens “bons”?

Se homens verdadeiramente amam mulheres como pessoas e não como objetos, se são os homens que hoje controlam o mundo, se o feminismo está errado em combater a supremacia masculina, por que toda mulher tem uma história de horror pra contar? Envolvendo um homem.

Onde estão os “homens bons” que não fazem nada a respeito?

É difícil perceber e aceitar isso, eu sei. É muito difícil sim.

Por isso, para além do agir feminista — que muitas mulheres o fazem sem saber — declarar-se feminista é um ato político. É um ato de trazer para a polis, para discussão pública, a guerra contra a misoginia. É deflagrar que há mulheres que sim, sabem o que está acontecendo e estão lutando contra isso.

Acima de tudo, declarar-se feminista é declarar-se antagônica aos homens. É isso é dificílimo em uma sociedade que nos socializa para amá-los acima de todas as coisas e a servi-los sem hesitar. Numa sociedade que nos desumaniza. Declarar-se feminista é um ato de profunda rebeldia. Uma trangressão indesculpável. Que tem um alto preço social. Não á tôa muitas mulheres que lutam por outras mulheres declaram meio constrangidas “eu luto por direitos, mas não sou feminista”, “eu sou feminista, mas não sou radical”, “eu sou feminista, mas sou feminina”.

Porque perceber-se feminista e declarar-se feminista, é berrar aos quatro cantos para que todos os homens ouçam: eu sei que vocês nos odeiam, que vocês odeiam nosso corpo de fêmea, eu sei que vocês nos exploram, eu sei que vocês se omitem, eu sei que vocês não se importam conosco, e eu vou lutar contra vocês.

E como fazer isso nessa sociedade androcêntrica, se nós só nos “tornamos mulheres” quando aceitamos ser acessórios de um homem? Quando aceitamos o cabresto da feminilidade? Então eu entendo sim, todas as mulheres que não conseguem, não podem, não concebem essa perversão cabal: rejeitar homens e colocar mulheres no centro do seu universo.

E isto não tem a ver com odiar homens — mas se quiser pode, porque certamente você tem motivos. Mas tem a ver com uma coisa muito mais profunda e complexa: aceitar que não é possível confiar neles, de maneira nenhuma. Não é sobre amor. É sobre confiança. Mesmo os que você ama profundamente, mesmo os que te amam verdadeiramente, mesmo os nunca te fizeram ou nunca te fariam mal, mesmo o que te gerou, mesmo os que você gerou. Porque aceite. Todo homem, em algum momento da sua vida, já magoou alguma mulher. Já xingou, ou assediou, ou traiu, ou abandonou, ou agrediu, ou estuprou, ou matou. Ou no mínimo se omitiu diante de tantas violências. Os bons homens que você conhece, que você ama. Todos eles. E enquanto todas as mulheres não estiverem livres, nenhuma estará.

Então não importa se os homens que você conhece nunca te feriram. Acredite, ele já feriu alguma mulher. Direta ou indiretamente. Você pode não negar o seu amor mas não seja ingênua oferecendo sua confiança plena.

Se houvesse um único conselho que eu pudesse dar a todas as mulheres do mundo em relação aos homens seria: proteja-se e protejam umas às outras.

Estamos sós. Ou melhor, estamos juntas. Somos nós por nós.

Essa consciência da gravidade da nossa situação é dura e provoca reações distintas, todas compreensíveis. Algumas negam, outras combatem, outras preferem fingir que não sabem. Outras vão pro enfrentamento.

Para aquelas que estão na linha de frente queria dizer: estamos juntas e somos muitas. Muito mais do que você imagina. Muito mais do que você percebe. Persista. Faça o que pode, do jeito que dá. Porque sempre é muito. Precisamos de tudo e todas que estiverem dispostas. “Militância de internet” também é militância sim. E militância importante. Há mulheres que só possuem um celular velho conectado no Facebook na promoção do 3G que podem estar te lendo. Que podem estar, a partir de coisas que você disse, refletindo e tomando atitudes que nunca tomariam se não tivesse tido acesso a informações e a ideias e a uma inspiração que você deu a ela e nem sabe. Inspire outras mulheres a rebelarem-se.

Há mulheres ajudando mulheres por toda parte, de todo jeito. Há muitas pautas, muitas lutas. Muitos fronts.

Proteger. Informar. Capacitar. Fortalecer. Ocupar. Libertar.

Resista. Plante sementes. Essa não é a luta de uma primavera, mas de uma vida inteira. Estações e estações e estações. Uma luta que começou muito antes de nós por mulheres maravilhosas e que continuará muito depois de nós. Colhemos os frutos de sementes plantadas há muito. Devemos continuar semeando.

O trabalho é de formiga. Você já observou as formigas? Já viu tudo que elas são capazes de fazer?

Endureçam vossos corações mulheres!

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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