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Feminista. Do tipo radical.

Eu sou feminista. E não qualquer feminista. Eu sou do tipo radical. Do tipo que acredita que mulheres são fêmeas humanas adultas e que enquanto uma de nós não for livre, nenhuma será.

Eu sou feminista do tipo que acredita que o pessoal é político e que gênero não é identidade mas uma ferramenta para manter mulheres em situação de submissão. Do tipo que defende o nosso direito à humanidade e recusa qualquer proposta de objetificação e comercialização do nosso sexo. Porque sexo não é um direito. Porque nosso corpo não está à venda. Nossos úteros também não.

Eu sou feminista do tipo que percebe os insidiosos mecanismos da nossa socialização para feminilidade e que tenta, todo dia, desconstruir-se um pouco, porque eu também sou um fruto fresco dessa socialização. Que ama ser mãe mas reconhece que a maternidade é um mecanismo compulsório para nos manter reproduzindo mão de obra e fora do espaço público de disputa de poder. Que tem um relacionamento hetero mas sabe que ele nunca será simétrico, pois por mais o seja da porta pra dentro, da porta pra fora eu sei bem quem a sociedade enxerga como “chefe da família”. Temos muitas contradições a conciliar e erramos o tempo todo. Porque não somos perfeitas. Somos pessoas. E pessoas erram.

Ser feminista não te libera da socialização que você recebeu. É um exercício constante de análise, tomada de consciência, correção de rumos, avanços e retrocessos. O feminismo é uma porta que uma vez aberta, não fecha. E nada melhora. A consciência feminista é libertadora mas também dilacerante.

Eu não odeio homens. Mas eu não confio mais neles. Mesmo nos que amo. Porque a decepção e o desapontamento vindo do entendimento do que essa casta faz com nós, mulheres, é grande demais. Dolorida demais. E sendo amaldiçoada com a heterossexualidade, tento, todo dia, conviver e conciliar também mais essa contradição em mim. Trazer lucidez a essa Síndrome de Estocolmo.

Eu sou mãe de um menino. E o que tento fazer de mais importante é minimizar, dentro do que está no meu alcance, os efeitos perversos da socialização masculina sobre ele. Não tenho ilusões de evitar completamente que ele se torne machista. Me resta rezar todos os dias para que ele seja um homem bom. Um homem que verdadeiramente ame mulheres, reconheça e respeite sua humanidade, dignidade e integridade. E as defenda.

E onde estão os homens bons, hoje? Por que não se levantam e lutam contra os seus pares que nos exploram e nos exterminam? Por que se omitem? Eu sei a resposta: porque todos eles, direta ou indiretamente, se beneficiam da exploração de uma mulher. Da exploração da sua mão de obra doméstica, do seu corpo, do seu trabalho emocional, do status social.

E por isso o feminismo é fundamental. Feminismo não é o que a maioria vê por aí na TV, não são as mulheres de peito de fora, ou enfiando coisas na bunda… isso é o que o patriarcado (bem representado pela mídia) quer que a maioria de nós pensemos. O feminismo é o movimento de luta das mulheres por sua libertação, emancipação e direitos. E enquanto uma mulher não for livre, nenhuma será. E se hoje estamos aqui, falando sobre isso, temos que agradecer à luta das mulheres que nos antecederam.

Há 200 anos nós não tínhamos direito de estudar. Não podíamos votar. Não podíamos trabalhar fora. Não podíamos nos divorciar. Não podíamos fazer nada que não fosse estar em casa completamente à mercê do marido e criação de — incontáveis — filhos. Há pouco mais de 100 anos mulheres negras sequer eram reconhecidas como pessoas humanas.

E se hoje estamos nas ruas, exigindo mais direitos, dignidade e justiça é porque houve muita luta antes de nós. Muito sangue, suor e lágrimas de mulheres maravilhosas que lutaram, lutaram e continuam lutando. Tudo, absolutamente tudo, cada direito, foi a duras penas conquistado. Homens nunca cederam um milimetro.

Isso é feminismo. É uma pergunta simples para identificar: “isso liberta mulheres?”. Se não contribui para libertar, para emancipar, para dar humanidade e dignidade a todas as mulheres, para libertar seus corpos do controle masculino… não é feminismo.

Além da dor da consciência da minha realidade, o feminismo também me trouxe o amor. O amor por mulheres. Um amor diferente que eu ainda não conhecia porque a socialização me ensinou a odiar mulheres. Ensinou-me a odiar a mim mesma. A somente amar e admirar e homens. E de repente olhar para mim, para outras mulheres, admirá-las, acolhê-las, ser acolhida, me acolher… eu não tenho palavras para expressar como isto é grande e poderoso e transformador. Nem para dizer como é grande meu amor por vocês.

E por isso hoje achei importante dizer. Somos muitas.

Eu sou feminista. E do tipo radical. E você?

Cila Santos

https://cilasantos.medium.com

Escritora, feminista, mãe e ativista pelos direitos das mulheres e das crianças. Criadora do projeto Militância Materna, falo sobre feminismo, maternidade e infância, disputando consciências por um mundo melhor. Vamos juntas?

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