Militância Materna – Maternidade, Infância e Feminismo

A paternidade é facultativa

Vivemos em uma sociedade onde a paternidade é facultativa e a maternidade é compulsória. Mulheres aprendem que a maternidade é um destino, uma função que devem cumprir para serem completas. Desde o seu nascimento recebem todo um treinamento que a encaminham para a culminância da sua vida que, segundo lhe dizem, acontece quando ela engravida e se torna mãe.

Homens, por outro lado, aprendem muito claramente que paternidade é uma atividade facultativa, que podem ou não exercer sem muitos constrangimentos sociais. O menino nasce e desde já tudo a sua volta gira em torno de ensiná-lo sobre transitar no mundo agressivamente, exercendo dominância e recolhendo recompensas na forma de dinheiro e sexo. Ele recebe carros, bolas, bonecos de guerreiros, soldados, super-heróis. Ele assiste por toda a parte homens em combate. E fantasia matar inimigos e ser o herói.

Se o treinamento da menina é para a vida doméstica e o cuidado (do lar, de si mesma, dos menores, dos pais); o treinamento do menino é para enfrentar o inimigo (o ladrão, o vilão, o alienígena, o monstro). A mídia, as propagandas, desenhos, filmes, livros, situam sempre o homem na posição de homem conquistador, resolvedor dos problemas, em que tudo gira a sua volta. Ele cresce com a superestimada noção de que o universo existe esperando por ele para salvar o dia.

Qual é a função do homem na sociedade? O que ensinamos a esses meninos? Que eles devem ter sucesso, dinheiro, mulheres, aventuras, e aproveitar a vida enquanto podem. Que o mundo está a disposição deles e devem se divertir. Devem ser fortes, viris, conquistadores. Machos. Provedores. Gostar de coisas de “homem”. Carros, esportes, sexo, drogas e diversão. Que mulheres existem para limpar o que eles sujam, cozinhar para que eles comem, servi-los , cuidá-los e fazer muito sexo com eles. Porque é sua função enquanto mulheres.

Que parte da educação de um menino o orienta sobre a importância da família? Do cuidado? De se respeitar mulheres? De valorizar o amor não-sexual? Um relacionamento? A família? Que parte da educação de um menino orienta sobre sua responsabilidade com seus futuros filhos? Nenhuma.

Crianças fazem suas primeiras brincadeiras imitando o que elas vêem no seu cotidiano. Se um menino demonstra interesse em brincar de imitar aquilo que vê sua mãe fazer (limpar, cuidar, cozinhar), o que acontece? é imediatamente reprimido e orientado que “aquilo não é brincadeira de homem”. Se ousar brincar com uma boneca, alimentá-la, vesti-la, banhá-la, penteá-la, fazê-la dormir, pode até ser castigado. Quantas famílias compram para seus meninos conjuntos de panelinha, vassoura, boneca, para que eles exercitem e naturalizem no seu repertório sua parte nos cuidados com a casa onde vive e com as outras pessoas do ambiente? Quantos meninos convivem em um ambiente ondem vêem os homens atuando ativamente com o cuidado dele, da casa e de todos a sua volta? Quantos conseguem crescer em um ambiente onde não assistem o trabalho doméstico de mulheres sendo explorado? Ou um ambiente sem violência?

Limpar o que suja, cozinhar a própria comida, ser capaz de dar conta da organização do ambiente onde vive, ter auto-cuidado, cuidado com o outro, não são habilidades femininas. São pré-requisitos básicos para uma sobrevivência autônoma na vida adulta. Exaltamos tanto uma criação que valorize a independência, mas no caso dos meninos alimentamos uma cultura que os torna co-dependentes a vida inteira de alguém que vai lhe garantir a estrutura mínima para sua sobrevivência, como comida, organização e limpeza pessoal.

No entanto, meninos são, quase sempre, completamente impossibilitados, desde a infância de treinar habilidades de cuidado doméstico, cuidado com si mesmo e com o próximo. São ensinados que CUIDADO é uma tarefa de mulheres. Crescem sem desenvolver nenhuma noção de responsabilidade com nada, principalmente com crianças que exigem dedicação absoluta. E se tornam homens que primeiro são dependentes da mãe para que lhes frite um ovo, passando essa tarefa para uma esposa, ou então para uma trabalhadora doméstica.

E meninos não aprendem como encaixar as responsabilidades que ter uma família significa dentro das ambições que são cultivadas no seu mundo. A família é um dilema, uma armadilha. É o ponto de ruptura entre uma vida de direitos, aventura, esbórnia e diversão das suas fantasias e uma vida de deveres, tédio, previsibilidade. E muitos crescem e se casam como quem vai para a execução na guilhotina. É o “game over”.

A família para o homem é um símbolo de “status” , uma prova de que agora se tornou um “homem responsável”, que “tomou juízo”, “tomou jeito”. É uma prova de amadurecimento que ele oferece à sociedade. A mulher é tida como sua propriedade, como uma aquisição que vai cuidar dele e da casa. E os filhos são os acessórios necessários para provar sua virilidade e fertilidade. E só são importantes na medida que representam o vínculo com a mulher. Porque o homem aprende que os filhos são dela, e um desejo e uma necessidade da mulher. E que a única relação que eles precisam desenvolver com os filhos é o de provedor, a única responsabilidade que devem ter em relação a filhos é a de pagar pensão. E sentem-se muito orgulhosos de si mesmos quando pagam, porque mesmo isso já é uma exceção.

Quantas e quantas crianças não crescem sofrendo inúmeras violências e abusos por parte do seu pai? Vendo sua mãe apanhar cotidianamente? Para quantas famílias o homem é a figura a ser temida, “respeitada”, acatada? É a figura que é suportada apenas em função dele ser aquele que coloca comida dentro de casa. Olhem os índices de violência doméstica, de abuso sexual intra familiar. São assustadores. Quem são os perpetradores? Homens. Que fazem da sua mulher e filhos seus escravos particulares, exercendo sobre eles toda sorte de agressões. Olhem os números.

A paternidade é uma mentira. Fingimos todos que homens estão ali fazendo parte afetivamente daquela família, mas quase sempre ele é o elemento autoritário, abusivo e desagregador. Aquele que tem permissão para entrar e sair do acordo a hora que quiser. Nenhum homem é constrangido por não registrar seus filhos, por não contribuir para o seu sustento, por abandoná-los emocionalmente. Quantos e quantos homens que após separar-se e formar uma nova família simplesmente esquecem a existência dos filhos crescidos?

A função do pai na sociedade patriarcal não é o de cuidador dos seus filhos. O que é esperado do homem é o papel de macho-alfa conquistador. E esse lugar da paternidade só existe socialmente se for exercida nesses moldes. É isso sim que lhes é cobrado todo dia, incessantemente. Que homens sejam MACHOS, todo o tempo e qualquer desvio dessa norma, qualquer performance que ele execute que se aproxime vagamente de uma ideia de feminilidade ou qualquer tarefa que execute que esteja no espectro que é designado a uma mulher será criticado, punido, execrado. E é nesses moldes que a paternidade é exercida e é por isso que aos homens é facultado o direito de cuidar ou não dos seus filhos, de estar ou não presente. Por isso a eles é facultado o direito de abandonar, de sair para o mundo em aventuras, fazendo mais filhos, abusando, conquistando. Ou de ficarem e serem donos de uma família, onde podem fazer o que bem entender.

Esse pai sorridente, presente, de propaganda de margarina é uma exceção total, completa e absoluta sob o patriarcado. Eleger e vender esse modelo como padrão só serve para jogar para debaixo do tapete a verdadeira função do pai, e nos impede de discutir, nos defender, e rechaçar e convocar a transformação desse modelo.

O principal desafio da paternidade hoje é um desafio anterior que é o de romper com o padrão de masculinidade a que todo homem é submetido. Porque sem rever o que é o papel do homem na sociedade, sem quebrar o pacto com os estereótipos de gênero e com a hierarquia sexual, não há pai cuidador possível. É preciso ressignificar completamente a posição do homem no núcleo familiar a começar pelas razões com que as famílias são formadas e isso passa por ter coragem de rasgar a cômoda cartilha do papel social que diz quais as funções deveriam ser do homem ou da mulher. As regras dessa cartilha que, implícita e explicitamente exigem que o homem reine tiranicamente no lar e explore o trabalho de uma mulher.

Se um homem quer ser um bom pai, deve começar parando de explorar sua mulher. Assumindo que foi educado para ter privilégios e romper com isso. Assumindo que é o modelo de homem que seus filhos estão observando e vão reproduzir e/ou inconscientemente buscar. Envolvendo-se de verdade na ética do cuidado. Com si, com seu espaço, com o outro. Responsabilizando-se. E devem romper com a violência, romper com a agressividade como modo de estar no mundo e se relacionar com mulheres, crianças e demais populações vulneráveis.

E sim, sabemos que homens não são socializados para isso e que acham que o mundo está nas suas mãos. Mas homens também são seres pensantes, dotados de capacidade crítica e perfeitamente capazes de buscar a desconstrução desse conjunto de instruções em que é socializado. E esse papel que se cumpre sem refletir também tem um preço. E as mulheres, estão cobrando. E não vão parar de cobrar.

De um corpo que é só seu

Nenhuma mulher tem um corpo que é só seu. Quando nascemos mulher a demarcação do nosso corpo como um objeto de beleza e apreciação (não admiração) é uma coisa completamente naturalizada. A partir do momento em que o médico informa nosso sexo feminino aos nossos pais, todo um arsenal começa a ser providenciado para que nos apresentemos à sociedade sempre bela e recatada. “Sexy sem ser vulgar”.

Quando somos recém-nascidas, nossas orelhas são perfuradas, a despeito da dor, do desconforto, da nossa incapacidade de expressar consentimento, porque precisamos rapidamente informar ao mundo que somos meninas.

Nos anos seguintes os demais marcadores estéticos vão se apresentando um a um: como devem parecer nossos cabelos (graciosos, bem penteados, com acessórios, “domados”), como devemos estar vestidas (tons pastéis, tecidos flutuantes, vestidos, saias, “como uma princesa”), como devemos nos comportar (sem correr, sem gritar, pernas fechadas “como uma mocinha”).

Pré-púbere, o corpo feminino já está “pronto” para ser rifado e impiedosamente é empurrado a se apresentar como “feito”, sexualizado. A sensualidade precoce é glamourizada, cobiçada (“novinha”, “ninfeta”, “Lolita”). E as adolescentes sofrem, adoecem, se mutilam, se suicidam, caso não se encaixem no padrão imposto de como devem se parecer: “bonita”. Essa característica que toda menina aprende que é a principal qualidade de uma mulher, o seu grande atributo e atrativo. O principal (e muitas vezes único) elogio que uma mulher recebe na vida.

Ser “bonita”. Que quer dizer, na verdade, ser um objeto sexualmente atrativo para outros homens.

Por toda a vida, a mulher aprende que o próprio corpo não lhe pertence. Que ele existe para atender expectativas das outras pessoas. Da sociedade. Dos homens. E ela paga, literalmente, um preço alto por essa aceitação social. Para se adequar ao que é considerado correto sobre como uma mulher deve parecer. Todas ou quase todas as intervenções que são feitas rotineiramente no corpo feminino envolvem algum nível de dor, desconforto, privação, custo financeiro, tempo: manicure, pedicure, tratamento facial, tratamento corporal, maquiagem, depilação, tratamentos capilares, tinturas, dietas, preenchimentos diversos, enchimentos, implantes. Um cardápio diversificado de cirurgias plásticas estéticas: na face, seios, barriga, pernas, nádegas, mãos, pés, vagina. Nenhuma parte do corpo feminino está livre de policiamento.

Somos doutrinadas para agir assim, achar normal, achar que é “porque gostamos”, “porque queremos”. Estar “bem”, na verdade é estar “bela”. E não suportamos a ideia de não sermos bonitas o bastante. Nossa estima é construída em torno disso. Para delírio do mercado. Que tudo vende para alimentar essa necessidade construída. Vivemos o eterno dilema entre a repulsa por sermos objetificadas e a necessidade de sermos queridas. Sendo que não há aceitação possível para uma mulher em uma sociedade machista como a nossa que não passe pela objetificação de seu corpo.

E o que acontece quando a mulher engravida? Quando esse corpo, que a sua vida inteira não lhe pertenceu de fato, se transforma radicalmente e sua principal função, pelo menos temporariamente, muda? O que acontece com a mulher quando deixa de ser prioritariamente um objeto de consumo sexual para ser um corpo que gesta outro?

Note que apesar da função do corpo feminino mudar com uma gestação, a tutela não cessa. Só se reconfigura. Toda a sociedade se encarrega de vigiá-la para que se cumpra as regras implícitas que estão muito bem demarcadas para a maternidade. O que vestir, o que comer, como se sentir, como se comportar, o que comprar. Já está tudo pré-definido, assim como os limites até onde ir: o quanto engordar, como não adquirir estrias, ou manchas. E esse corpo que gesta também não é só da mulher. Ele é um binômio mãe-bebê. Indissociável. Um duplo.

Mas então finalmente o bebê nasce. E o corpo é devolvido à mulher. Irreconhecível, transformado. Que nunca mais será como foi. Um híbrido que não tem mais a função da gestação e tampouco um corpo que atende ao padrão de objeto sensual.

O corpo depois dos filhos é outro. Que pode ter diástase. Barriga. Estrias, flacidez, manchas. Que pode ter cicatrizes. Seios diferentes. Que ostenta as marcas da batalha da gravidez.

A sociedade rejeita e repele esse corpo novo. O que vemos nas revistas, sites, televisão, são mulheres que parecem as mesmas de antes de engravidarem. Como se nunca tivessem parido. A pressão para recuperar o corpo “perdido” é absurda e as mulheres vivem um verdadeiro luto por conta da “perda” desse corpo. E são estimuladas a terem asco de si mesmas após o parto ao invés de ficarem maravilhadas com sua própria biologia e o que ela é capaz de realizar.

Mas esse tal corpo “perdido” que era destinado a ser apreciado e sexualmente desejável pertencia de fato à mulher? A quem se destina tantos rituais de feminilidade e beleza? Para agradar a quem? Para o olhos de quem? Precisamos mesmo disso?

E se nesse caminho entre uma coisa e outra, em meio a barriga flácida, as marcas, as olheiras, os seios inchados. E se nesse momento em que não se tem mais tanto tempo para se ocupar dos rituais de feminilidade, talvez (e repito, apenas talvez) haja uma janela de oportunidade para repensar a relação com o próprio corpo? De se reapropriar de si mesma? Nem que seja por esse instante? Não é pouca coisa, numa vida inteira de objetificação.

O corpo do pós-parto é um corpo transgressor que grita aos quatro cantos que aquela mulher gestou uma vida. É um corpo que deveria ser orgulhoso e não envergonhado. Reapropriado, onde cada marca, cada dobra tem uma memória que é só sua. Metamorfoseado.

Mulher, esse corpo é teu. Orgulhe-se dele. É um corpo que fez outro ser humano das suas próprias células. Que acomodou no ventre um bebê em crescimento pleno de si, o alimentou, o aconchegou e o pariu. Não percebe como isso é fantástico? Como não amar esse corpo? Como não achar isso belo?

Não vamos seguir deixando que os homens nos validem segundo seus desejos. Nós não somos meros objetos de apreciação estética. De desejo sexual. Nossos corpos tem valor para além dos padrões de beleza. Sim, é muito difícil romper com isso. Mas podemos tentar fazer isso por nós mesmas. Nos emancipar da validação masculina é tomar nosso corpo de volta.

20 dicas importantes sobre amamentação

Dicas importantes sobre amamentação, reunidas especialmente para você, com um compilado do principal que você precisa saber.

1. O leite não desce imediatamente

O primeiro líquido que vai sair do seu peito (e que já pode estar saindo desde o final da gravidez), na verdade se chama COLOSTRO. Ele é um líquido rico em anticorpos e leucócitos, vitamina A, que protege contra infecções e alergias, previne doenças oculares, entre muitos outros benefícios. O colostro também é laxante e ajuda o bebê a expulsar o mecônio e a prevenir icterícia. É importantíssimo pro sistema imunológico do recém-nascido e funciona como sua primeira “vacina”.

aspecto do colostro
aspecto do colostr

2. A apojadura é dolorida

O colostro continua a ser secretado até mais ou menos 3 dias após o parto e durante esse período acontece a APOJADURA: a preparação da mama para a produção efetiva do leite, com a dilatação de toda sua estrutura. É normal, nesse período, haver alguma dor e desconforto, e as mamas ficarem inchadas e quentes. É importante não confundir os sintomas da apojadura com a mastite que evolui para um quadro infeccioso de febre alta e dor intensa ou empedramento das mamas.

3. É normal o bebê chorar desesperamente

Em até 3 dias, com a apojadura, o leite começa a descer. É normal o bebê chorar desesperadamente, não é fome. É adaptação ao planeta-terra mesmo. Também é normal que o bebê acorde toda hora para mamar. Não é porque você não está produzindo leite o suficiente e sim porque o estômago dele ainda é muito pequeno e ele precisa mamar aos poucos, muitas vezes. Não há necessidade de complementar o leite.

o tamanho do estômago do bebê
o tamanho do estômago do bebê

4. O formato dos mamilos não interfere na amamentação

A apojadura pode ser um processo desconfortável e a abertura dos poros do mamilo na descida do leite também pode ser dolorida. O formato dos mamilos não interfere na amamentação, o bebê não abocanha o mamilo e sim a auréola inteira. Se o seu bebê estiver abocanhando somente o mamilo significa que a pega está incorreta e isso pode machucar o seu seio.

amamentação

5. Procure ajuda se a amamentação demorar a se estabelecer

Se APÓS esse período de até uns 3 ou 4 dias a apojadura não ocorrer ou você sentir que a produção do leite não estiver se estabelecendo é recomendável que se procure ajuda especializada. O ideal seria ter acesso a consultores de amamentação, mas na falta destes, pediatras que tenham uma conduta primeira de apoiar o aleitamento podem ajudar. No geral, é uma questão de checar se a pega está correta, se o bebê está mamando em livre demanda, se o bebê consegue sugar bem e seu reflexo de sucção está bem estruturado. Toda mulher, quando bem orientada, tem possibilidade de amamentar, mas SIM, há mulheres que tem dificuldade para produzir seu leite por n fatores sejam físicos, emocionais e psicológicos. Mulheres que não conseguem produzir leite existem e precisam de orientação, apoio e acolhimento.

6. Amamente em livre demanda

O que vai ajudar no sucesso do estabelecimento da amamentação é a orientação sobre como o processo funciona, para que se tenha calma para passar pelos primeiros dias. Há diversos grupos de apoio na internet com diversas informações. É uma adaptação muito difícil, de muito choro do bebê e da mãe, dor, desconforto, insegurança e descobertas. O ideal é que a mãe tenha sossego para ficar com a cria amamentando em livre demanda. Sem horários, sem restrições de tempo. É o bebê amamentando que dá o “sinal” pro seio que ele tem que produzir leite. Quanto mais ele sugar, mais chance da produção engrenar. Então estabelecer horários para mamadas não é uma boa recomendação.

7. Observe se a pega está correta

Outro segredo fundamental para estabelecer uma amamentação bem sucedida é a pega. Uma mamada eficiente acontece quando o bebê consegue sugar adequadamente o seio. Se isso não ocorre o bebê pode ficar lá pendurado por um longo tempo mas não estar se alimentando direito. Aí o choro continua e a mãe entra em desespero achando que seu leite está “fraco” ou é insuficiente. Outro problema da pega inadequada é o risco de fissuras e hipersensibilização do mamilo, causando dor, sangramento e muito sofrimento para a mulher continuar a amamentação.

pega correta

8. Busque posições confortáveis para amamentar.

Bebês não nascem sabendo realizar a pega. Cabe à mãe observar e corrigir sempre que necessário puxando o queixo da criança levemente para baixo para que ela se encaixe corretamente no seio. Também é importante observar uma posição que facilite a pega para o bebê e permita que a mãe fique confortável. Você vai passar bastante tempo fazendo isso.

posições para amamentar

9. Cuidado com mastite e empedramento

Nos primeiros meses (os 3 primeiros aproximadamente) da amamentação o nosso corpo ainda não sabe que quantidade de leite deve produzir. Por isso é comum os seios ficarem cheios e transbordando e o excesso de leite pode causar episódios de mastite e empedramento. É importante manter a atenção sobre isso e observar para que as mamas sejam sempre esgotadas. Em caso de início de empedramento, massagens e jatos de água fria ajudam a reverter o processo.

10. É normal o seio murchar depois de um tempo

Depois dos primeiros 2 ou 3 meses o peito automaticamente ajusta sua demanda ao que o bebê precisa e passa a produzir o leite à medida que o seio é sugado. É normal, portanto, que os seios desinchem e as mães tenham aquela primeira impressão de que “o leite secou”, mas isso não aconteceu. O leite continua sendo produzido, só que agora em um processo automático quando o bebê suga.

11. O indicador da amamentação eficaz é o peso do bebê

O melhor indicador se a amamentação está bem sucedida é o ganho de peso de peso e o crescimento do bebê. Isto se acompanha com visitas mensais ao pediatra que vai pesar e medir a criança. Peça para anotar a evolução na própria caderneta de vacinação que possui uma tabela de curva de peso e crescimento. O importante é que essa curva apresente crescimento contínuo, mesmo que discreto.

12. O jeito do beber mamar muda

Bebês passam por mudanças que tem a ver com o próprio desenvolvimento que afetam o jeito que dormem, que se alimentam, podendo ficar mais demandantes ou até simplesmente quererem deixar de mamar.

13. A mãe não precisa fazer restrição de nenhum alimento

Não há nenhuma pesquisa conclusiva que indique a necessidade de restrição alimentar durante o período de amamentação. Afirmar que determinados alimentos causam gases ou cólicas no bebê é bastante inconclusivo e rodeado de mitologia. Os únicos casos indicados de dieta para a mãe são no caso do bebê apresentar alguma alergia como no caso do APLV.

14. Não precisa beber mais água do que tem vontade

Amamentar dá muita sede e o principal elemento formador do leite é água, mas a mulher não precisa se obrigar a beber água para além da sua vontade. Também não há nenhum estudo conclusivo que indique que o aumento do consumo de água ou chás interfira no aumento da produção do leite.

15. Sossego e tranquilidade são importantes

Por outro lado, o estado psicológico/emocional da mãe pode sim afetar a amamentação. Mães em DPP precisam de amor, atenção e apoio reforçado para passar por esta etapa.

16. Mamar também é amor

Para o bebê, mamar não tem só aspecto nutritivo, mas também emocional e afetivo e é normal que peçam peito por outras coisas que não fome, como medo, dor, angústia, consolo, etc. Não é “manha”, é o recurso que eles para autoregular-se.

17. O leite é o principal alimento até o 1 ano de vida

Até o 1º ano de vida o leite materno é o principal alimento do bebê. É normal que ele ainda queira mais mamar do que comer.

18.O desejado é que se amamente até os 2 anos de idade

A OMS recomenda aleitamento exclusivo até os 6 meses de idade do bebê e complementar até os 2 anos.

19. Amamentar cansa

Amamentar é exaustivo e sacrificante. É normal, às vezes, ficar de saco cheio.

20. Cuidar de um bebê é um ato de amor. Amamentar é nutricional.

E o mais importante: cuidar de um bebê é um ato de amor, amamentá-lo é um ato nutricional que sim, também envolve muito amor, ou não. Há mulheres que amamentam (porque querem e conseguem) e fazem com muito prazer, outras fazem detestando profundamente a tarefas. E há mulheres que não amamentam, conscientes da sua decisão, e tudo bem por isso também.

Dos limites do tal limite

Precisamos falar dos limites do tal limite pelo qual adultos são tão obcecados em impor. Para crianças especialmente. “Tem que ter educação”, “tem que obedecer”, “tem que saber que lidar com o não”.

Crianças têm que atender expectativas que nem mesmo adultos conseguem corresponder.

Eu quero muito conhecer onde estão essas pessoas que sabem ouvir “não” com tanta resiliência. Que respeitam os limites. Todos. Os impostos pela sociedade, pelo Estado, pelo próprio corpo. Que suportam suas perdas com resignação, sem fazer birra. Mesmo que a birra não seja mais espernear no chão aos prantos.

Quero conhecer essas adultos que não gritam, não choram, não praguejam, não resmungam, não batem telefone nem porta na cara de ninguém, não xingam, não fazem textão no Facebook, não se exaltam de maneira nenhuma porque estão putos da vida com alguma coisa. Porque estão frustrados.

Me digam por favor a localização desse sagrado lugar onde vivem esses seres humanos controlados. Esse lugar onde ninguém discute, ninguém briga, ninguém se agride, ninguém se excede, ninguém estoura limite do cartão de crédito nem do cheque especial comprando baboseiras para compensar o próprio vazio. Ninguém se embriaga. Ninguém se dopa. Ninguém se empanturra de comida. Ninguém perde o sono. Ninguém perde a calma. Porque queriam algo de suas vidas ou para suas vidas e não conseguiram.

Convoquem, por favor, estes fantásticos adultos que sabem conviver tão bem com limites para uma demonstração. Um TEDx. Onde estão? Na internet? Estes que estão se digladiando, se expondo? Metendo o dedo uns na cara dos outros? Julgando a tudo e a todos?

Vamos, aliás, dar o Prêmio Paradoxo para aqueles que propõem ensinar limites excedendo justamente todo o limite possível que é espancando uma outra pessoa! Verdadeiros baluartes do controle emocional.

Quando você se engalfinha trocando insultos com outro adulto, onde estão os limites? Quando você expõe outras pessoas e as joga na berlinda do escrutínio público, onde estão os limites? Quando você entra numa guerra de ego com outro adulto usando uma criança como desculpa, onde estão os limites? Cadê os limites de quem chama crianças de mimadas, ranhentas, peido? Cadê os limites de quem ameaça jogar uma criança pela janela?

Somos ainda uma geração de pessoas que apanhou dos pais. Estamos tateando recursos para lidar com crianças que não seja através de castigo, violência, repressão. E somos a sociedade violenta que somos. É só olhar pela janela pra percebermos como a educação cheia dos tais limites que recebemos não vem dando muito certo. As pessoas, em sua maioria, estão todas angustiadas, deprimidas, confusas, infelizes, buscando compensações das mais diversas justamente para o fato de não saberem lidar com aquilo que tem e principalmente com o que não tem.

Não queremos “dar limites” para crianças, queremos justiçamento. Queremos ver crianças apanhando, sendo “corrigidas”, sendo tolhidas, sendo retiradas do caminho. Queremos mini-adultos, apáticos, submissos. Queremos passar adiante sem refletir essa educação para obediência cega, sem reflexão, porque queremos que as crianças não “incomodem”. Não deem trabalho. Não sejam crianças.

Tentamos a qualquer custo colocar crianças numa linha que nenhum adulto segue de verdade. Essas mesmas pessoas que lidam com sua própria frustração a base de excessos de todos os tipos, não consegue gerenciar a frustração de uma criança e orientá-la. Uma geração que acha que sabe ouvir não, mas não sabe. Sabe ditar regras. Porque no fundo todos querem se sentir muitíssimo importantes e são as crianças, que não podem se defender, as vítimas ideais dessa síndrome de pequeno poder.

Se todo o limite que essas pessoas estão clamando para as crianças existisse de verdade viveríamos em outra sociedade. Sem violência. Sem corrupção. Sem agressividade. Sem desigualdade social. Porque tudo isso, todas essas mazelas que nos massacram estão ligadas diretamente com o ato de RESPEITAR LIMITES. E são os adultos os responsáveis por esse caos.

Então, por favor, vamos ser menos hipócritas, e deixar as crianças em paz.

Crianças são pessoas

Você já parou para pensar que crianças são pessoas? Sei que essa pergunta parece meio despropositada mas nós costumamos pensar, agir e tratar crianças como se fossem uma categoria a parte, uma outra espécie situada mais ou menos entre humanos e animais. Não tão racionais quanto humanos, não tão irracionais quanto animais. E talvez muito mais próximo dos animais que dos humanos.

Não tratamos crianças como pessoas. Inclusive existe amplamente disseminada a ideia de “treinar” um bebê nas suas diversas habilidades (dormir, comer, usar o banheiro), usando técnicas que partem do mesmo princípio do adestramento de cães. Além de “ensinar” disciplina através de castigo e violência. Dessa última, inclusive, cães talvez escapem com mais facilidade.

Não lembramos de como éramos no início da vida. O que pensávamos exatamente, o que sentíamos. Tudo é muito nebuloso na memória. Então crianças são um território desconhecido cujas ações costumam ser interpretadas com a mesma régua usada para lidar com pessoas adultas. E isto é uma ótica completamente equivocada pois lhes atribuímos intenções que são incapazes de ter. Crianças não manipulam, desafiam, provocam, pelo menos não no sentido clássico que estamos acostumados a lidar. Elas estão o tempo todo fazendo experiências, testando o mundo, as pessoas, a realidade a sua volta.

Crianças são seres em formação que estão apreendendo e aprendendo o mundo.

Mais importante que uma criação com apego, cuja cartilha vai se tornando cada vez mais difícil de seguir, é preciso praticar uma criação com empatia. Com um olhar de empatia, um olhar que tenta os compreender sentimentos e emoções, e procura experimentar de forma objetiva e racional o que sente o outro indivíduo, conseguimos mudar completamente a forma de nos relacionar com os nossos filhos, e com qualquer criança. Mas para isso é necessário que primeiro se trate a criança como o que ela é: um indivíduo.

Assim, num exercício, perceba por exemplo que um recém-nascido é uma PESSOA que acaba de chegar num lugar absolutamente estranho. Ele passou várias semanas dentro da mãe, num universo aquático, cheio de sons, sabores, luzes. Era como um peixe que vivia no grande oceano chamado útero. Aquele era o mundo dele. Ele ouvia vozes, coração batendo, vísceras trabalhando. E de repente ele está em outro lugar, completamente diferente. Ele está em outro meio físico, não aquático, agora ele respira ar, precisa engolir alimento. Antes tudo funcionava automaticamente, imediatamente, organicamente. Agora, quando ele sente fome, frio, calor, dor, medo, ele não consegue fazer nada. Exceto gritar.

É como se hoje você estivesse sentado tranquilo e confortável no seu sofá e em seguida fosse transportado para um planeta alienígena selvagem, onde todos voassem e suas capacidades físicas não lhe trouxessem nenhuma possibilidade de adaptação imediata e você não soubesse como sobreviver e nem como se comunicar. Você também gritaria um bocado, acredite.

Um bebê não chora muito porque quer manipular alguém. Ou porque é mimado. Ou porque é mandão. Um bebê chora assim porque o mundo realmente é coisa demais de uma vez só. Se imagine nesse lugar. Tenha empatia. Ele quer se sentir seguro. Quer um ponto de referência. Ele não tem a menor idéia do que aconteceu com ele. Você sabe que ele nasceu. Ele não. O que pra você é um nascimento para o bebê é uma espécie de morte: morte do mundo seguro onde ele vivia para um mundo novo, hostil, e que ele está aprendendo a conhecer. Isto é aterrorizante, convenhamos.

E isso não se esgota apenas enquanto bebê. A criança vai se desenvolvendo muito rápido, descobrindo o mundo e se descobrindo. Imagina o que é de repente aprender a comer comida, mastigar, andar, falar. Nos 3 primeiros anos da vida de um bebê as mudanças são tão brutais, aceleradas, desnorteadoras. Se até os pais têm dificuldade de lidar com isso, imagina para a pessoa que está vivendo. Não dá pra exigir que ela tenha as mesmas habilidades, as mesmas capacidades, a mesma maturidade para lidar com as coisas que os adultos, teoricamente, deveriam ter. Elas são seres agitados, curiosos, imaginativos. Imagina como você se sentiria se nesse mesmo planeta alienígena que eu usei como exemplo, você estivesse aprendendo finalmente a voar? Você ficaria sentado quietinho em um canto, ou você iria querer explorar os ares? Conhecer as nuvens?

Crianças não são uma outra categorias de seres humanos que por estarem sob tutela e cuidado de adultos são hierarquicamente inferiores e devem se submeter a tudo. Eu sugiro inclusive um exercício interessante: de que se pensem em crianças como um “adulto” em habilitação. Que ainda está se desenvolvendo, aprendendo a usar todas as suas potencialidades, físicas, emocionais, laborais, para transitar pelo mundo. Assim como muitos adultos em reabilitação. E aí eu deixo a pergunta: você bateria em um adulto em reabilitação? O deixaria chorando, gritando, para “aprender” algo? Você forçaria um adulto em reabilitação a adquirir independência a todo custo, mesmo que ele não estivesse preparado? Você declararia repulsa a presença desse adulto em lugares públicos? Você diria “odeio adultos em reabilitação?”.

Esse adultismo que é a tônica da nossa sociedade nos torna prepotentes e um tanto cruéis. Todo mundo já foi criança. E um dia seremos idosos. Um outro jeito de ser criança de novo, caminhando mais uma vez para a fragilidade física. É um ciclo que todo ser humano passa, e é necessário um tanto de ajuda mútua para fazer essa travessia. Sobretudo, essa tal de empatia que tanto falamos. De pessoa para pessoas.

O amor em tempos de cólica

Quando um bebê nasce começa o primeiro grande teste de qualquer relacionamento amoroso. Começa o amor em tempos de cólica. Filhos trazem muitas coisas para a relação e também retiram muitas coisas. É ilusão acreditar que nada vai mudar. A expectativa fantasiosa da família margarina cultivada durante a gestação muitas vezes dá lugar a profundas crises profundamente calcadas na maneira como homens e mulheres são socializados para lidar com família, filhos e relacionamento.

Homens aprendem que tudo na relação é sobre eles e que a mulher existe para gravitar em torno de suas necessidades. Mulheres aprendem que devem satisfazer a todas as necessidades masculinas sob pena de serem rejeitadas, caso não façam. Aprendem que devem ser mães devotadas, entregues, cuidadoras. Aprendem que devem administrar todos os detalhes do funcionamento do lar com excelência, caso contrário não serão consideradas boas.

Para o homem, a família é como se fosse um símbolo de status. Algo que eles “possuem” e que demonstra para a sociedade que já são “homens”, são responsáveis. O homem aprende que precisa cuidar da família da porta pra fora. Cuidar da imagem, da reputação, da respeitabilidade, da segurança, do sustento. E que é função da mulher cuidar da família da porta pra dentro, do gerenciamento do lar, do cuidado de todos.

Como resultado disso, muitos relacionamentos começam a trincar com a chegada de crianças, porque o homens e mulheres recusam-se — ou não conseguem — entregar-se à profunda transformação pessoal que esse evento familiar exige. Homens por um lado ressentem-se porque percebem que não estão mais no centro das atenções da companheira, porque são cobrados de tarefas que nunca entenderam como suas, porque sentem-se abandonados, porque recusam a responsabilidade, porque não conseguem lidar com o fato de que a vida mudou, de que a diversão transformou-se, de que será mais exigido por um longo tempo. Mulheres ressentem-se porque sentem-se rejeitadas, sobrecarregadas, coagidas, solitárias e profundamente infelizes, além de frustradas no seu imaginário de como seria o casal brincando de boneca com o filho.

E é claro que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco e mulheres são o lado mais vulnerável. Com a chegada do bebê, são cobradas pesadamente para manter uma performance que é impossível de ser cumprida. Não só pelo companheiro mas por toda a sociedade. Chega a ser cruel. Já no puerpério as mensagens são de que a “normalidade” deve ser instaurada o quanto antes pelo “bem do casal”. E por normalidade entenda-se o corpo de “antes”, o sexo de “antes”, a atenção e leveza de “antes”. São ameaçadas. “Se você não transar com seu marido ele vai procurar outra”, “se você não emagrecer ele vai procurar outra”, “se você deixar a casa essa bagunça ele vai procurar outra”. São pressionadas a escolher entre as demandas da criança e as demandas do companheiro que vê o filho como um rival da atenção da mulher que antes era exclusiva dele. Sentem que estão cuidando sozinha do bebê (e quase sempre estão mesmo), além de administrar de todo o resto e estão sempre cansadas demais.

E o bebê, muitas vezes, é atropelado nesse processo para que a “normalidade” seja restaurada. E aí ele precisa o mais rápido possível dormir a noite toda, preferencialmente no próprio quarto “para preservar a intimidade do casal”. A mãe é cobrada para tornar o filho “independente” o quanto antes, para não “sobrecarregar” os pais. Desmame, desfralde. Tudo feito o quanto antes, de qualquer jeito, de forma a transformar aquele bebê num mini adulto que não vai ser mais um empecilho para os pais viverem como antes dele ter nascido. Crianças não podem chorar, não podem gritar, não podem brincar, não podem atrapalhar.

E o homem, nesse processo, vai de coação em coação, rejeição em rejeição, chantagem emocional em chantagem emocional, manipulando a mulher para que ela atenda a todas as suas necessidades. E que não o cobre para assumir sua responsabilidade no cuidado dos filhos e da casa onde reside. E ameaça partir quando é confrontado. Fica agressivo. Ameaça tirar os filhos. Ameaça financeiramente. E se ele quiser cumprir o que sugere, ele pode. E talvez ele vá.

O homem — diferente da mulher — tem a opção de abdicar da paternidade, e ele abdica. Ele age como se aquela criança não existisse, caso queira. Abandona o projeto e parte para outro, como se nunca tivesse tido um filho. Sem nenhuma culpa.

Você conhecerá um lado importante do seu parceiro ao ter um filho com ele. É nesse momento que o “na saúde e da doença, na alegria e na tristeza” vai ser posto à prova: seu corpo não será mais o mesmo que ele está acostumado a desejar, sua disponibilidade sexual não será mais a mesma, sua libido, sua liberdade de ir e vir. A intimidade do casal será sequestrada. A privacidade praticamente extinguida. E o cansaço será a tônica dos dias. Aquele casal que existia antes simplesmente não terá mais espaço pra existir e será convocado a romper com sua socialização.

Entenda, quando você tem filhos a matemática da vida pára de funcionar. Você não consegue mais dar conta de “tudo”, “tirar de letra”. Quando mulheres são as únicas que se responsabilizam e se ocupam da organização doméstica, dos filhos, do relacionamento, de si mesma, ela se vêem forçadas a estar constantemente fazendo escolhas muito cruéis. Dar atenção ao filho ou ao companheiro? Cuidar da casa ou de si mesma? E o trabalho? E o descanso? E o lazer. Essa conta só fecha se for compartilhada. Ela precisa ser dividida com a outra parte interessada que é o parceiro. E se ele não assumir essa responsabilidade, que é dele, mulheres ficam completamente reféns no relacionamento e forçadas ou a aceitar uma situação de completa exploração do seu trabalho ou a romper e lidar com as consequências, já que quase sempre homens dão um jeito de punir mulheres que o rejeitam.

E mulheres-mães também sentem falta de como era suas vidas antes dos filhos. De poder namorar tranquilamente. De se sentirem desejáveis. De fazerem sexo sem pressa. De não estarem sempre sujas, cheirando a leite, cocô, vômito, comida. De não estarem sempre com um bebê nos braços. Mulheres-mãe sentem saudade de andar de mãos dadas. De beijar na boca, sem testemunhas. De tomar um longo banho, se arrumar, sair para ir a um cinema, ao bar. Paquerar. De dormir 8 horas por dia, estudar, dedicar-se ao trabalho sem pressão nem interrupções. De ter a atenção de alguém toda pra si. Essas necessidades não são exclusividades masculinas.

Se os homens se envolvessem na criação dos filhos com a mesma medida que as mulheres, no mínimo compartilhariam do mesmo cansaço, dos mesmos dilemas, das mesmas dificuldades. E cada momento de intimidade reconquistada, seria um prêmio para o casal. Cada instante de privacidade seria degustado entre risos e suspiros. Para além da oportunidade de desenvolver o mesmo vínculo emocional que mães compartilham com seus filhos, quase sempre formados ali na convivência do cuidado. Se tornarem pais, de verdade.

Quando você tem filhos vai poder entender a força do seu relacionamento. Porque manter- se juntos, manter uma unidade para criar crianças, administrar a vida, não é sobre amor. É sobre vontade e capacidade de trabalhar em equipe. Sobre entender que os dois estão ali num projeto de longuíssimo prazo, transformador para ambos. Individualmente e como casal. E isso é avassalador. De muitas maneiras. O casal pode se afastar definitivamente ou pode se unir mais do que nunca em torno dos desafios.

O “segredo” talvez seja entender que alguns primeiros anos serão mais difíceis, mas que aquilo vai passar. E que nunca mais será como antes mas que isso não quer dizer que será ruim, ao contrário pode até ser muito melhor. E afinal, não tem uma história aí que era pra ser até que a morte os separe? Por que não é possível vivenciar juntos todas as dores e delícias do cuidado das crianças e suportar por um tempo as impossibilidades que filhos pequenos trazem para um casal? Quando os dois estão verdadeiramente envolvidos na tarefa da criação dos filhos o “romance” ressignifica. Basta apenas que haja maturidade para ajustarem expectativas e para que possam agir como companheiros de um jornada que nem sempre é fácil mas não precisa ser sofrida. E que se entenda que relacionamentos acabam, mas os filhos são para sempre, então acertar essa relação e essa divisão de cuidado é algo fundamental e que vai estar sempre presente.

Essa vida não foi feita pra dar certo

Uma escola no Rio Grande do Sul promoveu uma festa para seus alunos adolescentes com o tema “E se nada der certo”. Mergulhados na proposta, os jovens compareceram fantasiados de profissionais da área operacional e serviços, como faxineiro, atendente, mecânico, e outros, comprovando que realmente essa vida não foi feita pra dar certo.

vida nao foi feita para dar certo

A tônica da crítica em torno desse acontecimento, girou, acertadamente, sobre como esta situação é um reflexo da mentalidade elitista da nossa sociedade que divide as pessoas (e suas vidas) de acordo com os símbolos de status que conseguem adquirir pra si, tendo como divisor de águas sua entrada no ensino superior, em cursos de primeiro escalão preferencialmente (a saber, direito, medicina, engenharias).

No entanto, seria injusto dizer que este pensamento é somente das elites. Toda a nossa sociedade, todas as classes sociais, equacionam sucesso a partir das variáveis: “estudos” →profissão → bom emprego → dinheiro = vida dando certo. Não é, portanto, uma questão pura e simples de ter dinheiro. Isso é sobre fazer um determinado percurso que necessariamente passa pelo ensino superior, pela cultura do diploma, pelo menosprezo pelo saber não escolarizado.

Também seria hipocrisia apontar dedos aos jovens classe-média da festa e também à escola, sem fazer uma própria mea-culpa. Eles não estão reproduzindo nenhum valor que não seja de toda nossa sociedade, que divide o mundo entre primeira e segunda classe. E ninguém quer ser cidadão de segunda classe. Poucos são os que estão agarrados aos estudos por puro amor ao saber. Diploma é ferramenta de ascensão social e é símbolo de status. E educamos nossos filhos para “entrar em uma boa universidade e ter um futuro”. Aqueles que podem o fazem. Os que não podem, o sonham. Mas todos querem.

E então o que eu gostaria de refletir aqui é: que modelo de vida estamos ensinando para os nossos filhos? O que acontece com eles quando eles atingem esse lugar, que ensinamos que é o ápice do sucesso e estabilidade e eles ainda se encontram infelizes, frustrados, deprimidos? Nós, pessoas cuidadoras, temos realmente esse direito, ou devemos ter esse dever, de passar para frente uma fórmula de felicidade que mal funciona para nós mesmos?

A vida não está dando certo. Não precisa muito esforço para entender, é só ligar a televisão. É só conversar abertamente com as pessoas. Sem performance. De coração aberto. Trabalhamos demais. Adquirimos coisas que não sabemos muito bem para que serve. Não conseguimos realizar muitas conexões emocionais profundas. Estamos isolados. Politicamente decepcionados, frustrados, deprimidos. Sentimos medo. Estamos cansados. Desamparados.

A vida não é como nossos pais disseram que seria. Não é como a televisão mostra. Quando olhamos pela janela, não vemos esse mundo que está na TV. Será que estamos preparando nossos filhos para viver nesse mundo que existe de fato? O que acontece com a pessoa cuja vida “não deu certo”? E com aquela que rejeita essa fórmula, simplesmente porque tudo que ela quer é ser atendente da loja da esquina e ir andando pro trabalho para ter mais tempo pra fazer qualquer outra coisa que não trabalhar? Porque o que ela gosta mesmo é de passar as tarde jogando videogame?

Somos doutrinados para admirar e valorizar uma vida voltada para o trabalho. E isso é uma manobra muito bem posta simplesmente para que continuemos produzindo e produzindo e produzindo. Até que um dia percebemos que todas as horas da nossa vida foram doadas para gerar riqueza para pessoas desconhecidas, que nos exploram e em nada valorizam. E não conhecemos direito as pessoas que moram na nossa casa porque não temos tempo para conversar com elas. E as vidas são tão diferentes e tão parecidas!

Sim, nós vivemos como nossos pais em certa medida. Mas plantamos a semente de expectativas que pouco tem solo para florescer e criamos filhos que se tornam adultos frustrados quando descobrem que são pessoas comuns, limitadas, falhas. E que vivem uma vida “medíocre”, como todas as outras pessoas do mundo. E não ensinamos a lidar com o fato de que tudo bem por isso. As pessoas não são especiais, embora secretamente todos acreditem nisso. E passem a vida buscando ser reconhecidas por isso.

E criamos, e fomos criados, para morrer tentando. Tentando ser o melhor ‘alguma coisa’. Isso está nos destruindo. E olhamos para nossa vida, que pode ser boa, mas enxergamos fracasso. E desviamos o olhar das pequenas grandes coisas cotidianas que adoçam o coração e fazem valer a pena prosseguir.

E essa não é uma apologia ao fim do trabalho. Esse é um chamado para a reflexão que a nossa sociedade deu muito errado. Não é esse tipo de vida e esse tipo de valores que vão trazer alguma felicidade para nós, nem individual, nem coletivamente.

Esta vida, como esta posta na nossa sociedade, não foi feita pra dar certo.

Porque se ela der certo, as pessoas parar de consumir tanto. Porque consumir é uma maneira de se compensar por todo o sacrifício que é feito para viver essa vida que é vendida na TV. Olhem pela janelas dos seus carros. Olhem pela janela do ônibus. É lá onde a vida está. Como é possível dizer as nossas crianças que se elas tiverem um profissão, um emprego, e “estabilidade”, a vida dela “deu certo”? Você realmente acredita nisso? Aposta nisso? Você que se preocupa tanto em “preparar” o seu filho, e o matricula em mil cursos para aprender habilidades técnicas (inglês, informática, idiomas), o está preparando para viver que tipo de vida exatamente? Onde estão essas pessoas felizes, satisfeitas, produtivas, transformadoras?

Colocamos nossos filhos boa parte da vida em escolas onde parte do conteúdo se perde por completa desvinculação com a vida cotidiana. Obrigamos adolescentes que mal aprenderam a ajeitar o absorvente na calcinha e a fazer a própria barba a decidirem por uma profissão que vão exercer pelo resto das suas vidas. Vendemos para estas meninas e meninos a ideia de que existe um único modelo de vida que funciona. E punimos com a “decepção paterna” caso eles rejeitem esse modelo. Se não estudam o que gostaríamos, se não trabalham com o que admiramos, se não querem fazer sexo com quem aprovaríamos.

O que estamos fazendo com nossos filhos? Temos realmente completa certeza de que este caminho é o que vai torná-los felizes? É isso que deveríamos esperar para eles, não? Queremos nossos filhos felizes, ou queremos que “suas vidas deem certo”?

Os modelos precisam ser questionados. Precisam ser discutidos. Precisamos entender que tipo de instrumentalização uma pessoa precisa de fato para enfrentar o cotidiano e sobreviver. Para transitar nessa sociedade de maneira transformadora, propositiva. Precisamos rever nossa escala de valores onde estar com quem se ama se torna menos importante que “ter sucesso”. Onde receber o reconhecimento de desconhecidos mobiliza mais o nosso empenho que o afeto dos nossos filhos. Onde reproduzimos um comportamento e ensinamos valores que nos transforma em pessoas individualistas, egoístas, solitárias. Onde nos separamos, nos desunimos, nos violentamos.

Precisamos parar de tentar fazer essa vida dar certo. Isso não vai acontecer. Vamos repensar o que é de fato importante e tentar construir um modelo em que fazer a vida dar certo não precise ser um objetivo. Uma sociedade em que não existam pessoas divididas em vidas que deram certo e vidas que deram errado.

Da mãe que queremos ser

Existe uma distância – considerável – da mãe que queremos ser para a mãe que conseguimos ser. E talvez por isso, toda mulher-mãe em algum momento (ou quase sempre) já se sentiu incompetente enquanto mãe. Perceba o peso dessa palavra: “incompetência”. Não ter competência de. Não ser capaz de. Toda mãe em algum momento (ou quase sempre) já se sentiu incapaz. Será que estamos olhando pro que fazemos ou pro que acreditamos que deveríamos ser feito? E aquilo que acreditamos que deveria ser feito, porque a mídia disse, a família disse, o blog disse. É possível? É realmente possível ser essa mulher-mãe com tantas competências?

Nessa hora em que nós sentimos aniquiladas porque não ticamos todos os itens do check list das nossas expectativas é preciso um pouco de generosidade. Generosidade com nós mesmas. Que é tão difícil de nos oferecer porque fomos ensinadas a sempre dar e nada receber. Porque aprendemos que verdadeira e boa mãe sempre se sacrifica.

É importante sermos generosas com nós mesmas para podermos contemplarmos sem chicote na mão os resultados que conseguimos obter. Que estão ali na nossa frente. Tirar um pouco o foco de tudo que ainda não fizemos e admirar com orgulho aquilo que conseguimos fazer.

Porque somos mulheres, humanas e limitadas. E a maternidade, ao contrário do que apregoam, não dá super poderes. Não nos torna divinas. E o custo de dar conta de tudo é alto demais. Pra qualquer um. Porque é preciso uma aldeia pra cuidar de uma criança e via de regra nos sobra fazer tudo sozinha. Não dá.

A sociedade capitalista cria problemas o tempo inteiro para a maternagem para vender as soluções. A maternidade é a única função possível que o patriarcado nos ofereceu e ela tem que ser cumprida à risca segundo seus parâmetros. Mulheres são treinadas para vigiar umas às outras e a competirem incessantemente pelo posto de melhor esposa, melhor mãe, mulher mais bonita.

Aceite com generosidade e orgulho aquilo que você consegue oferecer ao seu filho. Se dê algum crédito. Tem uma sociedade inteira de dedos apontados querendo te colocar nesse lugar de angústia, dúvidas e incertezas. Há toda uma máquina que lucra com seu medo. Há toda uma socialização que te empurra para esse lugar de achar que toda a responsabilidade pela criação de um filho é sua, que faz você sentir culpa o tempo inteiro. Que faz você dar mais do que realmente pode. Te faz infeliz. Tem gente plantando expectativas para lucrar com tuas frustrações.

Olha pra tua cria com o amor que você tem pra dar, que é o que você tem, e acolhe a ti mesma com o abraço carinhoso que certamente tua cria pode te ofertar. Acolhe a ti mesma, mulher. Aceita a mãe possível que tu és. O mundo já é duro demais para nós.

Mãe de pet também é mãe?

Mãe de pet também é mãe? Em todo Dia das Mães ressurge a polêmica sobre as tutoras que intitulam-se mães dos seus animais de estimação versus os exaustivos argumentos de mulheres-mães que se se sentem incomodadas e até ofendidas com esse título.

De tudo que sempre é dito, sempre me resta a mesma reflexão: o que é SER mãe? Note que não estou perguntando o que uma mãe FAZ (logo a resposta não é “cuidar”); tampouco estou perguntando o que uma mãe SENTE (para que se diga que ser mãe é “amar”).

Dizer que ser mãe é amar e cuidar é bastante incompleto, inclusive. Vejamos, se uma mãe está em DPP (Depressão Pós Parto) e não consegue sentir amor pelo seu filho, naquele momento ela não é mãe? E se ela não vier efetivamente a sentir esse amor avassalador? Deixa de ser mãe?

Ser mãe é cuidar? Se uma mulher tem algum fator que a impede de cuidar dos filhos ela deixa de ser mãe? Se é a avó que cuida dos netos, ela deixa de ser avó para ser a mãe?

Ser mãe é gestar? E as mães adotivas? Se um pai ama e cuida, ele é mãe? Se amar e cuidar é prerrogativa de “ser mãe”, o que sobra para o pai?

Perceba então que não é tão simples definir a partir de parâmetros de comportamento ou sentimento o que uma mãe é. Até porque existe esse script que fala de amor e cuidado que dita como uma mulher deve agir para ser qualificada como um mãe. E este é um script romantizado, uma ferramenta da maternidade compulsória para que mulheres queiram ocupar esse lugar de qualquer jeito. Que queiram ser mãe. Porque o que é vendido é que maternidade é status. Que mães são seres especiais, que mulheres são seres mágicos com o dom divino de cuidar e amar. Que uma mulher só está completa quando cumpre sua missão de cuidadora. De gente, de bicho, de planta. E em troca vão receber muito amor. E dar todo o amor que toda mulher tem que cultivar dentro de si pra distribuir por aí.

Nós mulheres somos socializadas dentro de uma carência profunda. Somos ensinadas a cultivar um vazio emocional que só consegue ser preenchido com um vínculo afetivo duradouro e presente. Seja um romance, seja um filho, seja um pet. Somos ensinadas que uma vida com amigos, família, relacionamentos casuais ou ocasionais não pode ser plena. Não pode ser leve. Temos que ter alguém. Ali. Alguém “nosso”. Então companheiros, filhos, ou pets, muitas vezes vêm pra preencher um buraco que não tem fundo que foi cavado no nosso subconsciente.

Antes de uma mulher desdobrar-se pra explicar sobre os motivos pelos quais ela é mãe do seu pet (eu sei, ela o ama e cuida “como a um filho”), se poderia parar, respirar, e pensar na necessidade que toda mulher demonstra de maternar alguma coisa. Por que a necessidade de humanizar um animal, chamá-lo de “filho”? Em que momento a ideia de que ser mãe virou essa batalha tão importante? Porque para uma “mãe de pet”, teoricamente, não deveria fazer tanta diferença a escolha carinhosa como ela trata seu animal de estimação. Ela o ama, ela cuida. E tem diversas opções de interação com este animal que não vão ser legisladas pela sociedade. Ela pode se dizer tutora (que é o que ela é) e chamá-lo de mil nomes amorosos. Isso não vai ter nenhum peso social. Ao contrário.

Uma mãe não pode chamar o seu filho de “pet”. Não pode dizer “vem cá, meu cachorrinho”. Ela não tem a opção de “animalizar” o seu filho. Uma mãe não tem nenhuma opção a não ser um manual de instruções bem detalhado sobre como ela deve agir, pensar e se comportar sob pena de ser durante constrangida, penalizada e rechaçada socialmente. E está aí onde reside toda a diferença. Para “mães de pet” maternidade é escolha. É “amor”. Para mães, maternidade é compulsória. E suas ações na maternagem não são fruto de nenhuma escolha individual que consiga tomar com liberdade. Maternidade é uma questão política e a grande questão que permeia essa polêmica das mães de pet é que isso revela além de uma imprecisão tremenda sobre a realidade do maternar uma grande romantização do que é a maternidade. E nenhuma mãe precisa de mais romantização sobre suas cabeças. A maternidade tem peso sobre todas as mulheres, traz consequências materiais para suas vidas, não tem a ver com sentimento, com amor, mas com ter um filho, uma pessoa, sob sua guarda para cuidados. Quase sempre compulsoriamente.

E socialmente mulheres pagam o preço por serem mães, não há nada de romântico ou de belo nisso. Se você quer saber quem é mãe e quem não é, não pergunte a uma mulher, pergunte a um homem. Ele sabe quem é a mulher que ele vai abandonar, desprezar, julgar, qual mulher ele vai classificar como “sexo casual”. Quer saber quem é mãe? Pergunte ao Estado. Ele sabe bem quem ele considera um peso social. A quem cobrar e culpabilizar. Pergunte ao mercado de trabalho quem é a mãe. Ele sabe quem ele vai contratar, quem vai ser vista como problema. Ser mãe não é um sentimento ou algo que você se auto-define. É algo que é definido quando você tem um filho.

E é importante também ressaltar que, apesar de todas as dificuldades da maternidade, está é uma condição propositalmente ocultada nas narrativas. O que vemos é a exaltação da figura materna como sendo a mais importante função que uma mulher ocupar. É o único posto a que é conferido algum “status” e reconhecimento (ainda que falso) na condição de mulher perante os olhos da sociedade em geral. Então é bem previsível que mulheres inconscientemente disputem esse espaço. A rivalidade feminina está em toda parte.

Dessa forma, a reivindicação das mães perante as tutoras não passa por querer legislar sobre a vida privada dessa mulher nem sobre a maneira como ela chama seus animais de estimação. É sobre abandonar a por um título que confere opressão. É sobre empatia e consciência política. Ela está pedindo reflexão sobre o papel da maternidade. Está pedindo que essas mulheres que não tem filhos OUÇAM as mulheres que tem filhos. Que estão pedindo ajuda. Estão pedindo que elas não engrossem o coro da romantização que tanto prejudica a luta política das mulheres que pautam a problematização da maternidade. Estão pedindo que, como mulheres, possamos avançar nas pautas do feminismo combatendo uma das principais formas de opressão que nos assolam.

Uma mulher, tecnicamente, pode se declarar mãe do que quiser. Animais, vegetais, plânctons. Não importa. Mas entenda que é um privilegio poder escolher se afirmar mãe de alguma coisa que não um ser humano, com suas demandas bem específicas, e listar como motivo para isso “o amor”. É bonito. Só que uma mulher nunca saberá de verdade o que é maternidade até ter um SER HUMANO sob sua tutela. Porque ela só será mãe, e entenderá o que é ser mãe, quando a sociedade colocar seu carimbo na testa dela.

Maternidade não se trata de se sentir mãe. Se trata de ser tratada como mãe. E entenda, isso não tem nada de bom. Ser tratada como mãe é ser humilhada, perder autonomia, ser relegada a segundo plano, ser ignorada. Taí a treta da mãe de pet que não me deixa mentir onde mulheres-mãe estão exaustivamente falando, se explicando, pedindo voz. E continuamente sendo silenciadas. Ignoradas. Pois, repito, ninguém se importa com as mães. Essa discussão incessante, em boa parte alimentada pela competição feminina (socialização não falha) poderia dar outros frutos num ambiente de escuta. Mas somos tachadas de ridículas. Somos acusadas de falta de empatia. Chega a ser irônico.

Você, “mãe de pet”, não quer ser TRATADA como mãe. Você quer se SENTIR mãe porque foi ensinada que isso é muito importante, e sublime e bonito. Estamos todas nós, mulheres, muito fudidas nesta história. E enquanto a maternidade não for vista como pauta política do feminismo vamos chafurdar nessa lama. E continuar a sermos massacradas.

Devo ter filhos?

Muitas mulheres me perguntam: “devo ter filhos”, “qual a parte boa de ser mãe?”. E eu confesso que são das perguntas mais difíceis que me surgem porque a maternidade enquanto função social em um mundo onde mulheres tem sua capacidade reprodutiva completamente explorada é um massacre. Mas eu estaria mentindo se dissesse que não há nada bom ou não há felicidade possível, levando em conta a experiência individual e subjetiva das mulheres.

Para aquelas que conseguiram estar em um ponto de suas vidas que avaliam conscientemente a opção de ter filhos, o que fazer? Não sei.

Mas sei que há fatores importantes sobre a decisão de ter filhos que precisam ser considerados:

1. É preciso pelo menos duas pessoas:

Primeiro, é preciso pelo menos duas pessoas desejosas e empenhadas nessa missão porque sozinha as chances de se afogar nessa empreitada é muita alta. “Nossa, eu não posso então tentar uma maternidade solo?”. Pode, claro, mas na prática isso não se realiza, você necessariamente precisará de alguma rede de apoio para conseguir caminhar, a matemática de criar um filho completamente sozinha não fecha. Então ter alguém ali dividindo a carga de criação da criança, seja o pai, um companheiro ou companheira, uma pessoa amiga, não importa. Sozinha é da ordem do impossível para a saúde mental.

A maternidade é um mar bravio em que é preciso que se entenda bem onde está entrando e como navegar sem enlouquecer e naufragar. E preciso entender como manejar o barco e é preciso uma tripulação. Sempre.

2. É preciso entender quais as suas motivações:

Há inúmeras justificativas que damos a nós mesmas sobre isso que são um sintoma claro da nossa socialização para maternagem e da romantização da maternidade. E nem é tão difícil identificar porque que sempre são coisas falam de necessidades que não elaboramos por conta própria, mas que são clichês sociais que foram repetidos à exaustão até que nós adotássemos: como “formar família”, “atender ao chamado do relógio biológico”, “cumprir o destino de toda mulher”. Ou como solução para coisas que falam de nossas carências e questões que estamos vivendo e que creditamos a um filho a missão de resolver, como: “unir mais o casal”, “dar um irmão pra fazer companhia ao primeiro filho”, “ter alguém pra amar”, “completar um vazio”, etc. E fora a pior motivação de todas, e infelizmente a mais comum: ter um filho porque todos estão insistindo e você quer que parem de encher o seu saco.

E o problema de iniciarmos essa empreitada com motivações equivocadas ou expectativas pouco elaboradas é que é muito fácil se perder no caminho da criação dos filhos e odiar tudo aquilo. Inclusive o filho. Criar uma criança pode até atender sim a expectativas e sonhos pessoais que tenhamos mas isso será pura casualidade. Não sabemos o resultado dessa experiência, não temos controle. Criar filhos não é nunca sobre nós, nossos sonhos, desejos, sentimentos ou carências afetivas e sim sobre preparar da melhor maneira possível um ser humano para o mundo. Viver isso. Fazer parte disso. Sabendo inclusive que em muitas partes da jornada teremos um grau de dor muitas vezes mais agudo que de prazer. É algo que nos propomos a fazer pelo outro. Um outro que não se conhece ainda, que pode ou não ser como se espera, que aliás tem muita chance de não ser nem um pouco como você espera. Que não nos deve nada.

Nós navegamos nesse mar da maternidade pelo prazer de navegar, de guiar o barco, sentir a ondas, o vento no rosto. A beleza do nascer e do pôr do sol. É pelo céu estrelado. Porque não há um mapa indicando qual terra está à vista. Qualquer bússola não nos serve para muito. Não há uma terra para aportar, um filho não é um objetivo, ele não tem que nos dar nada. Crianças são pessoas.

Qualquer coisa fora disso pode criar uma relação de dívida para com um indivíduo que nem nasceu ainda e na real poderia nem nascer porque o mundo está aí lotado de gente, não é mesmo? Se isso está acontecendo dentro de um movimento consciente e minimamente planejado, é importante entender que a criança realmente não tem que atender a expectativas de ninguém porque efetivamente é o popular “ela não pediu para nascer”.

Ter filhos é sobre empregar seu tempo e sua energia para criar crianças pro mundo da melhor maneira possível, sem recompensas no horizonte. É um trabalho sim, que exige demais, exige apoio, exige ajuda, exige dedicação e que vai exigir entrega também. De TODOS os envolvidos, repito. E o ganho é fazer parte desse processo.

3. É preciso entender o que é a maternidade e o que é ser mãe de fato, para a sociedade patriarcal:

A despeito do que nós entendemos e como nos pensamos enquanto mães, da porta para fora a conversa muda. A sociedade tem muito bem desenhado o papel da mulher-mãe, o que ela pode e não pode fazer, o que ela deve realizar, como ela será cobrada, que lugares ela pode estar, como ela pode se comportar e principalmente, que punições irá receber. Há limitações objetivas que a maternidade impõe às mulheres, e é preciso conhecê-las.

Então quando você pensar em ser “mãe”, é importante não se concentrar apenas naquilo que você pensa que uma mãe deve ser, mas sobre como você passará a ser vista, pensada e tratada socialmente. Entender que, como mulher, você será sempre responsabilizada. Que a presença inicial de um pai (mesmo consciente, ativo, engajado) não garante nada pro futuro porque homens são socializados de uma maneira completamente diferente para a paternidade e que se eles quiserem realmente fugir à responsabilidade… irão. É importante saber que não há um sistema a seu favor, não há um Estado a seu favor, não há uma sociedade a seu favor. É importante saber que existe uma romantização tremenda em cima da maternidade, que mulheres mentem sobre suas realidades porque sentem-se coagidas, perdidas e um tanto enganadas. E que é especialmente confuso porque muitas vezes elas amam e odeiam na mesma medida o que estão fazendo. Você será vigiada, culpabilizada e monitorada e terá um outro tipo de vida pela frente talvez bastante diferente do atual, onde por um tempo muita coisa deixa de ser sobre você e passa a ser sobre esse filho.

E portanto, para mulheres, decidir-se por ter filhos requer sim é algum planejamento. Que não passa só por tomar vitaminas, mas uma organização de vida, emocional, profissional, financeiro, de rede de apoio. Tentar entender as diversas demandas decorrentes da criação de crianças e salvaguardar-se para atender sem tantos sacrifícios.

É preciso ressaltar também que, enquanto experiência objetiva, as possibilidades de uma vivência mais plena e tranquila da da maternidade são bem mais aumentadas com o acesso a determinados privilégios de raça e classe que são capazes de atenuar muitos dos desafios impostos a essa tarefa. Por exemplo, ter segurança alimentar, segurança de moradia, uma rede de apoio consistente, fazem toda diferença (e isso quase sempre está relacionado a ter dinheiro). Isso é um fato dado, mães de filhos brancos de classe média não precisam se preocupar, por exemplo, em ensinar aos seus filhos como entrar em lojas sem serem seguidos pelo segurança.

A parte boa em ser mãe

Do ponto de vista pessoal, a maternidade te oportuniza uma profunda mudança interna e a possibilidade de uma visão bastante integrada e consciente da sociedade. São mudanças profundas que podem nos tornar uma pessoa completamente diferente, muitas vezes num aspecto positivo. E maternidade não santifica, não reforma caráter, não cura dores da alma, mas te desafia e te coloca em lugares que você não esteve, e te exige coisas que você nem sabia que tinha pra dar. E isto pode ser transformador sim. Quase sempre é.

(Pessoalmente, eu aprendi tanto nesses anos de maternidade, com uma criança, quanto em trinta e tantos anos anteriores. Aprendi sobre mim, sobre o outro, sobre o mundo. Eu não estaria aqui hoje, escrevendo para vocês se não fosse essa experiência.)

Há também a possibilidade de acompanhar o crescimento de uma pessoa e acredite isso é uma das experiências mais lindas que se pode ter. Ver o seu desenvolvimento, ensinar coisas, mostrar o mundo. Compartilhar as primeiras descobertas de uma criança conhecendo o mundo nos dá a oportunidade de tomar contato com sentimentos muito belos e apaziguadores, como a ternura e a esperança.

Há a responsabilidade de oferecer instrução, valores e explicar o mundo para um pessoa que irá crescer e tomar seu lugar nessa selva que é a vida. Nós mulheres somos educadas para sermos as capatazes do patriarcado, não me canso em dizer. E observar atentamente os valores que passamos para a frente pode ser revolucionário.

E há o amor. Que não posso afirmar que seja universal, que sei eu do coração de todas as mulheres? O amor não é uma coisa automática, que surge só porque se tornou mãe, mas sim uma construção fortalecida pelo vínculo que se estabelece no cuidado, no convívio, na responsabilização pelo outro. Mas é um fato, uma vez lá, é um sentimento colossal. Tão intenso que chega a doer. Mães não estão loucas, ou inventando, ou romantizando quando falam sobre isso, e vocês podem atribuir ao que quiser, a hormônios, a socialização, no fim não importa tanto.

E sim, é muito difícil separar o que é maternidade compulsória e romantização da maternidade do legítimo desejo de viver essa experiência. É muito difícil dizer se a maternagem, individualmente falando, e a despeito de todas as variáveis que uma mulher tenha a sua disposição (favoráveis e desfavoráveis) vai ser plena e feliz ou não. Social e politicamente falando, a maternidade é um grande problema para mulher. Mas fato é que, individualmente, é uma experiência que pode sim oferecer muita alegria e plenitude. E realização. Não há como tirar isso de tantas mulheres que chegaram nesse lugar. Negar essa vivência legítima.

E sim, em uma sociedade de maternidade compulsória, falar sobre motivos “válidos” para ter filhos pode parecer um tanto “elitista” no sentido de que hoje apenas pessoas muito privilegiadas conseguem dar-se ao luxo de cercar-se de tantas variáveis para poder vivenciar uma parentalidade mais plena. E é justamente por isso que precisamos politizar e discutir esse tema. Porque mulheres não deveriam ser fábricas de produzir gente. Mulheres são pessoas e não ter filhos deveria ser o padrão, e não o contrário. Não deveríamos ser tratadas como máquinas de produzir pessoas, assim, todas aquelas que finalmente decidissem pela tarefa de gestar e criar crianças o fariam pelo melhores motivos possíveis para si e para o outro e receberiam todo o reconhecimento, apoio e valorização pela realização da árdua tarefa de produzir cidadãos para manter a sociedade funcionando.

Então, para as mulheres que estão navegando nesse mar da maternidade, ou querem navegar, eu desejo que todas possam curtir plenamente a parte boa de ser mãe. E que a luta política de tantas pessoas em torno das pautas maternas possa permitir que todas as mulheres possam escolher de fato caso queiram ter a experiência da maternidade e ter apoio para isso. Para uma vivência mais feliz e plena. Tendo mais tempo com seus filhos. Tendo apoio da família. Tendo a correta divisão de responsabilidades sobre tudo com o pai da criança. Tendo políticas de Estado. Tendo apoio dos sistemas de saúde e dos sistemas educacionais. Tendo seus filhos respeitados no espaço público. Tendo apoio da comunidade.

E que a parte boa, essa possibilidade de aprender, se transformar, ajudar na educação de um novo ser, vivenciar esse amor intenso e belo, se sobressaia a toda dificuldade inerente. E que possamos chegar em um momento que a maternidade não seja mais uma coisa compulsória que atravessa a vida das mulheres sem elas pensarem a respeito munidas de todas as informações possíveis. 

A maternidade e a dança da solidão

Exercer a maternidade é dançar uma estranha dança da solidão. Como é possível sentir tão só em um momento da vida que é quase que literalmente todo preenchido pela presença dos filhos é possível?

Conversando com outras mulheres, é possível notar como o maternar pode ser desalentador e opressivo. Quase nenhuma mulher, atualmente, está preparada de verdade para o que significa a maternidade. Não há literatura, filmes, novelas, séries, publicidade, escola, família… nada que de fato faça entender o que a espera, em termos físicos, emocionais, sociais, psicológicos. Antes, a maternidade é apresentada como um privilégio, como bênção, como um dom divino que nos arrebata a um patamar sagrado. A ponto de mulheres desejarem engravidar para alcançar um novo status na sua comunidade. E esse “altar” a que somos elevadas nos condena a uma vida de solidão, desamparo e profundo silenciamento.

De onde vem a solidão materna?

1. O silenciamento das emoções

Quando uma mulher engravida, já há todo um script ditando como ela deve se comportar, pensar, agir e principalmente sentir. Há um manual, um guia invisível de boa conduta que rege o comportamento da futura mãe. Ela é tutelada e perde autonomia. Vira uma “mãezinha”. Gestantes não podem se sentir mal e reclamar da dor física, da confusão emocional, do desconforto, do desequilíbrio psicológico, do medo, e da fragilidade que uma gestação traz, afinal “está carregando um milagre”. A quem uma mulher-mãe consegue dizer “eu não gosto de estar grávida”? ou “eu não estou feliz por ser mãe”? ou simplesmente “estou com medo”?. Que mulher não sente culpa por se sentir assim? Já que é doutrinada por todos os cantos para achar que uma gestação e filhos devem ser a coisa mais importante do universo para ela?

Com quem conversar? Amigos sem filhos se afastam ou simplesmente não compreendem como é o novo mundo daquela mulher e o abismo entre as realidades muitas vezes causa afastamento emocional ressentido. A família, na expectativa de ajudar, pode acabar atropelando a autonomia da mãe e igualmente lhe nega o direito de se sentir infeliz ou confusa ou angustiada com a maternidade.

Com quem uma mãe consegue desabafar sem julgamentos?

2. Ausência do pai

O pai da criança, quando ainda está lá, via de regra, se faz apenas de corpo presente, não assumindo sua parte na responsabilidade dos cuidados com os filhos e a casa. E ainda acaba sendo mais um problema que uma solução, comportando-se como um segundo filho, fazendo cobranças extras para a mulher já sobrecarregada, e sendo incapaz de compartilhar as questões que assombram as mães no cuidado com os filhos.

Quantos pais você conhece que estão ativos em grupos de cuidado com crianças buscando ou compartilhando informações? Quantos grupos de pais-cuidadores existem discutindo criação e cuidado com os filhos? Quantos pais aparecem apresentando dúvidas em grupos de pediatria? Quantos em grupos de alimentação, carregamento de bebês, sono, educação, escola? Quem, no fim das contas, carrega sozinha o peso de aprender como cuidar de uma criança? E acertar sempre? Quantas mães conseguem compartilhar com seus companheiros todas as dúvidas, questões, problemas, medos, angústias, e decisões inerentes a criação e cuidado das crianças? Quantas mulheres conseguem compartilhar com seus companheiros suas angústias em relação a transformação que ocorre na sua vida com a maternidade, na sua individualidade, e serem aceitas e compreendidas nas suas dificuldades?

3. A exclusão social das mães

Mulheres-mães vivem uma quarentena sem fim onde tudo o que existe no seu mundo obrigatoriamente tem que ter a ver com o seu filho. São expulsas do espaço público. Constrangidas por amamentar em espaços abertos. Suas crias são abertamente alvo de ódio por conta do comportamento infantil. Essa é uma sociedade intolerante com crianças. Não há acolhimento para as mães e suas demandas. Não há acolhimento para as pautas maternas. Crianças e suas mães são vistas como um problema. Uma carga. Um peso vulnerável. Mulheres são coagidas a manter seus filhos sempre “sob controle”, longe de espaços onde podem ser um “incômodo”. São integralmente culpadas por qualquer comportamento desviante da norma que seus filhos possam apresentar. Poucos são os olhares solidários. Fique longe, é o que a sociedade sutilmente diz.

4. A sobrecarga de responsabilidades

De repente a mãe se torna praticamente a unica responsável pela gestação, nascimento, sobrevivência e socialização de outro ser humano. Para a sociedade, o pai é uma figura absolutamente acessória e secundária. E não é possível falar em escolha da mulher quando não existe nenhum contraceptivo que realmente a proteja. Não quando meninas ganham como primeiro brinquedo uma boneca e são massacradas pela ética do cuidar como principal aprendizado. Não quando é vendido para a mulher que a felicidade e completude se realiza através da maternidade. Homens não conhecem esse peso. Não são educados para paternidade. Meninos ganham carros, aviões e promessas de uma vida de aventuras e é isso que saem em busca por toda sua vida.

Mulheres estão sobrecarregadas. Estão, na prática, sozinhas na tarefa de criar os filhos. Todos os dedos apontados. Com quem ela pode contar de fato? Não há políticas de Estado que apoiem efetivamente uma boa maternagem. Não há uma cultura de compartilhar socialmente a responsabilidade pela criação das crianças. Sequer há uma cultura que constranja os homens a assumirem seus próprios filhos. Por mais que possam existir as condições satisfatórias para algumas mulheres, essas são a exceção na sociedade. A regra é a maternidade ser uma empreitada feminina, sempre.

A dança da solidão

Nós, mulheres, somos forjadas no aço da solidão e do desamparo. Não somos socializadas para sermos irmãs, companheiras ou amigas e sim mães, cuidadoras, responsáveis, carregadoras do peso do mundo. Não precisamos ir muito longe, inclusive, pra entender isso, está nas novelas, nos filmes, na publicidade, na literatura. Quantas belas histórias você conhece sobre amizade entre mulheres? Sobre amor entre mulheres? Sobre companheirismo entre irmãs? E quantas histórias lhe foram contadas sobre o amor entre uma mulher e um homem, e sobre como a vida finalmente encontra um sentido, principalmente quando nascem os filhos?

E nos são atiradas todo dia as migalhas da expectativa da felicidade através do amor. Senão o amor do marido, o amor dos filhos. Maternidade não é somente sobre amor. É sobre cuidado. E cuidar de outro ser de maneira tão intensa é exaustivo. Não é possível de ser feito sozinho. Mulheres estão sendo atiradas nesta empreitada por conta própria e naufragando num mar de solidão. Silenciadas, incompreendidas, isoladas, excluídas e obrigadas a ostentar eternamente um ar de felicidade. Porque são mães.

Dizem então que “ser mãe é padecer no paraíso”. Perceba a crueldade dessa frase. Você vai chegar no paraíso. E vai padecer. Não há nada mais solitário que isso.

Rivalidade feminina: dividir para conquistar

Há um tipo de amor que só uma mulher pode oferecer, e que no entanto pouquíssimas vezes conseguimos acessar. Nossa socialização é perfeitamente moldada para nos vermos como inimigas, nunca aliadas, e isso é providencial para que não consigamos nunca nos unir em função de lutarmos juntas. A principal estratégia do patriarcado é fomentar a rivalidade feminina: dividir para conquistar.

A cruel competição por atenção masculina

Nascemos e somos impulsionadas a buscar aprovação e aceitação masculina para nos validar enquanto seres humanos perante a sociedade (“finalmente arranjou um marido”) e para cumprir nosso destino social imposto de procriar a espécie (“uma mulher só é completa quando se torna mãe!”). Somos doutrinadas a atrair e conquistar um macho que nos valide e nos fecunde (“a um casamento sem filhos falta alguma coisa!”) com a vã promessa de sermos transportadas para uma vida de conto de fadas (“e eles viveram felizes para sempre”).

Para alcançar este objetivo, “conquistar” — portanto casar — com um homem e ter filhos, que é o único objetivo absolutamente definido e completamente socialmente aceito para uma mulher, é necessário basicamente um único pré-requisito básico: ser bela.

Ser bela, a maldição de toda mulher, desde o nascimento (“mas que linda é a princesinha, parece uma boneca”; “coloca o brinquinho pra ficar bonita”; “e esse laço, pra ficar bonita”; “esse vestido, fica mais bonita”). Bonita, bonita, bonita, bonita, bonita. Seja bonita, mulher.

Desde crianças, não somos elogiadas, via de regra, pela nossa inteligência, pelo nosso bom humor, pela nossa perspicácia, independência ou engenhosidade. É o nosso cabelo, sorriso, olhos, pele, e até características que nunca deveriam ser levadas em conta em um bebê (“nossa, que perninha grossa, vai dar trabalho”) que entram na lista do que é digno de nota para ser elogiável. A “boquinha”, o “narizinho”, “vai ter um cabelo bonito”, “menina bonita não chora”, “sua feia”, “não come tanto, vai engordar, ninguém vai te querer”, “cabelo ruim”. Feia, feia, feia, feia. Não seja feia. Ou vai ser rejeitada. A sociedade vai te rejeitar, criança, menina feia. Porque você não é um projeto de menina bonita. Feita para atrair, conquistar um macho. Procriar.

Inteligência? Equilíbrio? Resiliência? Caracteres secundários. Sempre precedidos por uma conjunção que explicita muito bem o seu valor pois “não é bonita ‘mas’ é inteligente ou “é bonita e ‘ainda’ é inteligente”. Nenhum homem fala pra outro homem que a mulher que ele está saindo é “super legal”: Ela é “gata”, “gostosa”, “mulherão”.

Você pode até dizer que beleza é subjetiva. Mas não é. Toda mulher sabe bem. É muito claro quem é bonita e quem não é. Objetivamente. Está estampado em todas as capas de revista, em todos os horários da programação da TV, no cinema. Há instruções bem definidas para todos sobre como a mulher bela deve parecer. E os homens sabem muito bem como aumenta o seu capital social perante seus pares quando estão com uma “mulher bonita” ao lado. Não à toa, homens idosos, ricos e poderosos, compram a beleza e a juventude de mulheres para desfilarem status.

E às mulheres, o que resta? Uma vez que a beleza que é vendida para que seja alcançada é inalcançável? Competir umas com as outras (“espelho, espelho meu, existe alguém mais bela que eu?”). Competem ferozmente para serem as mais belas, até porque sua estima nunca está bem construída. Mesmo a mais bonita é ensinada a sequer se reconhecer bela, para permanecer frágil e não usar sua beleza como arma.

Toda mulher é ensinada a nunca se sentir boa o suficiente. Temos tanta disforia que nem nomeamos, é nossa velha companheira, desde sempre. Pergunte a uma mulher o que ela não gosta no próprio corpo, o que ela mudaria. Ela dirá “tudo”, ou quase tudo. Somos ensinadas a odiar nossos corpos e compelidas a modificá-los sempre. Em nome de uma beleza cruelmente esculpida em parâmetros inatingíveis com o objetivo se sermos eternos objeto do desejo masculino.

Competimos umas com as outras, sofremos, odiamos nossos corpos, em nome de sermos objetos sexuais. Na infância, doutrinadas para sermos belas. Na adolescência, jogadas na arena da validação de nossos corpos púberes.

Compete-se com as meninas que antes eram amigas de infância e brincadeiras por causa de outros garotos. Garotos que são educados a avaliar mulheres por sua beleza e disponibilidade sexual. Que fazem listas das mais belas. Das gostosas. Das “fáceis”. Que filmam as calcinhas das meninas às escondidas e compartilham às risadas. Que fotografam suas experiências sexuais e expõem como um troféu. Que atraem meninas dizendo “você é diferente”, “você não é como as outras”, “você é especial”.

Meninas que aprendem que “as outras meninas são chatas”, que “mulher tem muito mimimi”, que “mulher é tudo falsa, se você der mole elas roubam seu namorado”, que “mulher se arruma para competir com as outras”. Meninas, quando não “belas”, que aprendem a desprezar as outras meninas para serem validadas no grupo dos meninos como “uma garota muito legal”, que “nem parece mulher”.

Garotas que não conseguem confiar em ninguém. Porque não conseguem conversar com a mãe. Porque não aprenderam a confiar em outras meninas. Porque não tem com quem compartilhar seus medos, temores, experiências, e passam por isso sozinhas. Socializadas para se isolarem. Não trocarem experiências entre si. Não se solidarizarem. Não se ajudarem. Porque “mulher fala demais”.

Garotas que acabam tendo suas primeiras experiências com outros homens sem nenhuma rede de apoio para entender se estão num relacionamento saudável. Se estão tendo experiências sexuais plenas. Que acabam completamente reféns de um relacionamento porque “estão amando” e sentem que finalmente estão recebendo o combo prometido: aceitação e validação de um macho. Amor. Quem sabe casamento e filhos?

Quantos relacionamentos abusivos acontecem porque um homem olha nos olhos de uma mulher e diz que ela é especial? Que é só dele? Que juntos viverão felizes para sempre? Que finalmente fez essa mulher se sentir aceita, desejada, escolhida, validada, finalmente “completa”?

Nós mulheres somos socializadas para odiarmos umas às outras. Porque a outra mulher é uma competidora em potencial pela atenção e validação social que nos ensinaram que deveríamos receber. Sendo belas. Sendo objetos sexuais.

É assim que o patriarcado atua. É assim que patinamos e somos massacradas. Todos os dias.

Do amor que só uma mulher pode oferecer

Precisamos aprender a amar de verdade outras mulheres. De verdade. Compartilhar intimidade, nossos segredos, nossas dores. Nossas dores são tão iguais! Tão semelhantes. Assim como nossas alegrias. Nossos corpos, nossa socialização. Tantas cicatrizes vindas do mesmo agressor.

A maternidade, às vezes, te oferece esse possibilidade de ponto de encontro. Existe uma intersecção nas experiências de gestar, parir, alimentar, cuidar de uma criança, que te aproxima de outras mulheres. Embora mesmo na maternagem sejamos impelidas a competir, há um olhar de compreensão que só uma mãe exausta tem para outra mãe exausta que pode abrir uma comporta reprimida de afeto que só uma mulher consegue oferecer a outra mulher.

Sim. Há uma qualidade de afeto que só uma mulher pode oferecer a outra mulher. É aquele afeto de quem carrega dores muito semelhantes pela vida. De quem nasceu, cresceu, foi socializada, e foi tratada como mulher a vida inteira. Para o bem e para o mal. Há um lugar de conforto e carinho, de mulheres que choram juntas, que se entendem, se confortam, se perdoam. Que vertem sangue, leite, lágrimas. Que quando começam, que quando se permitem confiar, quando se permitem se amar, se sentem acolhidas. Se sentem em casa.

Não existe lugar mais solitário para uma mulher que na maternidade. Talvez por isso se abra essa janela de oportunidade. De receber outras fêmeas, de falarem de suas crias, lamberem suas dores. E quando isso acontece as coisas ficam menos sombrias. Porque quando mulheres se reúnem, e se amam, elas se fortalecem.

Há mulheres incríveis por aí. Maravilhosas, inteligentes, dedicadas. Com tanta coisa a ensinar. Mulheres não são falsas, nem fúteis. Ou estão espreitando para roubar seu homem. Elas estão ali sobrevivendo. Com histórias tão duras. Com tanta força, tanta coragem, tantas experiências incríveis de como conseguem permanecer inteiras numa sociedade que nos massacra, nos pisoteia. Mulheres resistem.

Do profundo desamparo da maternidade

Basta que uma mulher torne-se mãe para descobrir que não há com quem contar e conhecer o profundo desamparo da maternidade. Nenhuma mulher é preparada para as implicações da maternidade. E nenhuma mulher consegue cuidar de uma criança sozinha, sem nenhum tipo de apoio. Se tornar mãe é, em instância primeira, perder a autonomia. Um outro ser humano passa a depender de você num nível de simbiose tal que te impede de qualquer outro tipo de performance plena. E é quando se perde esta autonomia e percebe-se a necessidade de uma rede de amparo, que nos damos conta que ela não existe. Não existe.

O retrato de uma maternidade sem amparo

Com o que de fato mulheres podem contar ao terem filhos? A reposta é: nada.

  • Não podemos contar com nenhum método contraceptivo eficiente, pois nenhum é 100% seguro (tampouco podemos contar com a parceria dos homens que dificilmente se preocupam em apoiar um método de dupla barreira: camisinha + outro método).
  • Não podemos contar com o apoio do Estado para garantir a interrupção de uma gravidez que é compulsória, com a mulher tendo empurrada para si a responsabilidade de controlar a contracepção, sendo culpabilizada caso ocorra uma gravidez indesejada.
  • Não podemos confiar no sistema obstétrico numa realidade em que a rede pública te oferece violência obstétrica e a rede privada te vende cesárea eletiva.
  • Não podemos contar com o apoio, companheirismo e fidelidade dos companheiros durante a gestação e o puerpério, que via de regra exigem que a mulher continue performando plenamente o papel de “esposa”, inclusive gerando uma pressão absurda em relação à estética e libido.
  • Não podemos contar com leis trabalhistas que garantam que você consiga suprir plenamente o período de seis meses da amamentação exclusiva que tanto é cobrada.
  • Não podemos contar com quem deixar os filhos para trabalhar porque a rede de creches públicas é numericamente insuficiente e a rede privada é cara demais.
  • Não podemos contar com apoio no mercado de trabalho, empregabilidade, plano de carreira, salários justos, flexibilidade de horários, porque mulheres-mães são vistas como um problema.
  • Não podemos contar com um sistema de saúde pediátrico que esteja disponível, atualizado e oferecendo as melhores informações para as mulheres-mães e seus filhos.
  • Não podemos contar com uma indústria que ofereça alimentos saudáveis e confiáveis a preços acessíveis.
  • Não podemos contar com o apoio dos companheiros para dividir o cuidado doméstico e com os filhos.
  • Não podemos contar com acessibilidade e políticas de inclusão para filhos neuroatípicos e com deficiência.
  • Não podemos contar com lugares e pessoas que sejam acessíveis e amigáveis com crianças e suas especifidades características da infância.
  • Não devemos contar com o suporte dos filhos, quando ficarmos velhas. E tudo ficar difícil demais. Porque preferimos não dar trabalho.

A felicidade não é a regra

E entenda, isso não é sobre você. Individualmente. Não é sobre você que nunca teve uma gravidez indesejada nunca ficou desesperada sem saber o que fazer. Ou seu parto humanizado. Ou sobre seu marido bacanão, que ainda está aí, assumiu os próprios filhos e ainda troca a fralda deles. Ou sobre seu chefe legal que te libera mais cedo para você pegar seus filhos naquela creche Montessori. Todas essas coisas existem sim, mas infelizmente. estão longe de ser a regra. Esse texto é sobre o desamparo materno. Sobre não haver nenhum sistema estrutural de apoio a uma mulher-mãe, para que ela possa criar seus filhos mantendo sua sanidade mental. Mantendo algum nível de felicidade.

As mães estão infelizes. Mães se sentem inseguras o tempo inteiro. Porque não podem, simplesmente não podem, contar com 100% de certeza com nenhum tipo de apoio em nenhuma área. Não temos segurança mínima se vamos conseguir uma boa gestação, um bom parto, se o companheiro será realmente um bom companheiro, se vamos conseguir sustentar os filhos, se vamos conseguir bons médicos, se a informação que recebemos é segura, se vamos ter apoio para amamentar, se o trabalho vai nos aceitar, ou se vamos conseguir trabalho, onde vamos deixar os filhos e se ele estará seguro, se conseguiremos bons médicos, acesso a remédios, acesso a boa informação, acesso a boa alimentação, acesso a opções de lazer. Não há espaço de segurança para crianças, não há leis que regulem e protejam e garantam o exercício da maternagem sem a exploração da mulher. Sem a imposição da disponibilidade feminina para cuidar e sua conformidade em não ser cuidada.

É muito cruel sermos educadas para cuidar de tudo, e nunca para “dar trabalho”. Nós mulheres nunca “damos trabalho”, apenas tomamos todo o trabalho do mundo pra executarmos. E ninguém está segurando essa onda. Mulheres mentem dizendo que está tudo bem e que dão conta. Mentem para os outros. Mentem para si mesmas. Porque fomos ensinadas que é pra isso que servimos. Porque não tem nenhuma opção mesmo. É muito mais profundo que romantização da maternidade.

As mulheres-mães estão doentes, depressivas, estressadas, solitárias. Suportando casamentos fracassados e relacionamentos abusivos por falta de suporte para sustentarem seus filhos. As mulheres estão em sub-empregos, se prostituindo para alimentar suas crias. Estão interrompendo seus estudos. Estão o tempo inteiro tendo que escolher entre si mesmas e os filhos e sendo julgadas por isso. Contando com a sorte para cuidarem das crias porque não há políticas públicas sérias e eficazes para apoiar a maternagem. Dizem que as mães são sagradas, crianças são anjos. Isso é mentira. Ninguém se importa de verdade com mulheres e seus filhos. Não há nenhuma rede de apoio estrutural que apoie mães. Mulheres-mães e seus filhos são vítimas sistemáticas de todo tipo de violência. Ninguém se importa.

A única coisa que uma mãe pode contar, de fato, é com a sorte.